Brasil: Quilombolas, vítimas do deserto verde

Idioma Portugués
País Brasil

No Espírito Santo, a monocultura de eucalipto, promovida pela empresa Aracruz Celulose, coloca em risco a sobrevivência das comunidades remanescentes de quilombos

Nos municípios de Conceição da Barra e São Mateus, no norte do Estado, 1.300 famílias, que insistem em permanecer em suas terras, onde seus ancestrais estiveram por várias gerações, são vítimas dos impactos ambientais e sociais das fazendas da Aracruz, conhecidas como deserto verde, em virtude da devastação que promovem.

A empresa se instalou na área há 40 anos. Antes de sua chegada, havia 2000 comunidades, com 10 mil famílias. Hoje restaram 35 comunidades, com cerca de 1.300 famílias. A instalação da Aracruz recebeu apoio do governo estadual, que pretendia romper com a dependência da economia capixaba em relação à monocultura do café e promover incentivos fiscais para a implantação de grandes indústrias.

Indígenas e quilombolas do norte do estado venderam suas terras diante da promessa da empresa de oferecer trabalho e renda para todos, sem saber que isso não seria possível, já que a indústria é altamente mecanizada e necessitava, portanto, de mão-de-obra qualificada, o que praticamente inexiste nessa região onde a escolaridade da população é baixa. O despojo de seus territórios tradicionais também inviabilizou a agricultura de subsistência e a criação de animais. Os poucos que resistiram permaneceram ilhados pelos eucaliptos da empresa. Hoje sobrevivem do plantio de mandioca para fazer farinha e da cana para produzir melado. Utilizam os restos de madeira do eucalipto para produzir carvão vegetal, além de outras pequenas produções, como frutas e verduras produzidos no próprio quintal de suas casas, onde está o mínimo de terra produtiva que puderam conservar.

Uso de venenos

Para os camponeses que foram forçados a trabalhar na Aracruz, restaram os ofícios mais degradantes, como carregar tonéis de herbicidas e agrotóxicos, aplicados nos cultivos de eucalipto, de modo a facilitar a colheita. As substâncias extinguem qualquer outra forma de vida que não o eucalipto. Em média, são jogados cerca de 250 mil litros de herbicidas por dia nas plantações.

Um dos venenos utilizados é o Tordon 2 que, além de ilegal, por ser comprovadamente cancerígeno e causador de doenças genéticas, não é indicado para esse tipo de cultura. Mesmo assim, a substância é utilizada em todos os municípios onde o eucalipto é plantado, sob o aval do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf) e da Secretaria de Estado para Assuntos do Meio Ambiente (Seama/Iema), que não toma qualquer providência. Os venenos contaminaram a água dos rios, causando também a morte por envenenamento de porcos, galinhas e outros animais domésticos. O problema se tornou tão grave que não há mais um córrego que não esteja contaminado nos municípios de Conceição da Barra e de São Mateus.

Outro indício da devastação e do desequilíbrio ambiental causados pelo plantio de eucalipto é o assoreamento dos rios, uma vez que essa espécie de árvores consome muita água. A falta de água não aflige só os animais, como também impede a produção de qualquer tipo de alimento. Na região, o amendoim cresce raquítico, o feijão não se desenvolve, o milho não nasce, deixando claro que a improdutividade da terra generalizou-se.

Sem opção

Os quilombolas, portanto, não têm perspectiva de trabalho e nem de qualquer forma de rendimento ou sustento. Muitos migraram para os grandes centros, contribuindo para o agravamento do processo de favelização das cidades. Os moradores que ficam, sem encontrar saída para sobreviver, vão até o lixo da Aracruz Celulose recolher as sobras de madeira que não têm nenhuma serventia para a empresa (a ponta das árvores), para fazer carvão vegetal. Algumas comunidades têm seus próprios fornos, outras pagam uma espécie de aluguel. Além disso, há crianças, mulheres e jovens trabalhando sem qualquer tipo de proteção. A Aracruz nega as acusações e sustenta a versão de que sua atividade contribui para a preservação ambiental das regiões onde cultiva eucalipto. Em sua página na Internet, a companhia divulga informações, sobre seu alto desempenho, que lhe rendeu diversos prêmios, assim como também exibe atividades direcionadas para as comunidades locais.

Hilaine Yaccoub é aluna do Programa de Mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE e colaboradora do Programa Egbé - Territórios Negros, da ONG Koinonia - Presença Ecumênica e Serviço.

Por Brasil de Fato
04 de May de 2006
Hilaine Yaccoub, do Rio de Janeiro (RJ)

Fonte: MPA Brasil

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