Brasil: Os transgênicos não poderiam resolver o problema da fome

No último domingo (24/11), o jornal Folha de São Paulo publicou, sob o título “Multis usam fome para lobby transgênico”, a denúncia de que “existe uma agenda paralela sob a promessa do governo americano de colaborar com o programa Fome Zero do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Aos poucos, os EUA e companhias de biotecnologia americanas começam a utilizar o debate sobre a fome no Brasil para reintroduzir a polêmica sobre o uso de transgênicos no país”.

O jornal relata contatos feitos pela Monsanto com o coordenador do programa Fome Zero, José Graziano, e convites da empresa a técnicos da Embrapa ligados ao PT para visitarem sua sede nos EUA, além de citar declarações do secretário-assistente para a América Latina do Departamento de Estado dos EUA, Otto Reich, do diretor de produtos globais da Monsanto, Harvey Glick, e do diretor de assuntos corporativos da Monsanto no Brasil, Rodrigo Almeida, ressaltando que “a biotecnlogia e os transgênicos podem ajudar o Brasil a erradicar a fome”.

 

À Folha, Graziano afirma que “a posição do partido sobre o assunto continuará sendo a mesma, independentemente dos esforços da Monsanto ou do governo americano para fazê-lo mudar de idéia”, sustentando que “as vantagens dos transgênicos não estão comprovadas e que alguns destes produtos tendem a cortar mão-de-obra rural”. Mas admite que “sua posição não é ‘dogmática’ ou ‘ideológica’”, declaração que o jornal interpreta como uma sinalização de que está aberto ao debate.

 

Além de pressionar o governo eleito, segundo publicou hoje o jornal Valor Econômico, a Monsanto está também iniciando uma maciça campanha na TV em defesa dos transgênicos, dirigida aos agricultores. Inserções de 90 segundos intituladas “Momento Monsanto” já estão indo ao ar em horário nobre (durante o Jornal Nacional e o Fantástico, via transmissoras locais da Rede Globo, por exemplo) nos principais estados produtores de soja (Mato Grosso, Goiás, Paraná, Rio Grande do Sul e, em breve, Mato Grosso do Sul). Segundo o jornal, o custo de veiculação destas propagandas será de, no mínimo 500 mil reais.

 

O trabalho de “esclarecimento” da Monsanto também inclui workshops, seminários, palestras, viagens e campanhas em emisoras de rádio de regiões produtoras, e deverá consumir boa parte do orçamento de marketing da multinacional no país, de aproximadamente 5 milhões de dólares por ano.

 

O argumento de que os transgênicos poderiam resolver o problema da fome já foi amplamente rebatido pela Campanha “Por um Brasil Livre de Transgênicos” e por diversas organizações e personalidades internacionais, como, por exemplo, o Relator das Nações Unidas para o Direito à Alimentação, Jean Ziegler.

 

O que está em jogo por trás desta e de outras promessas mágicas é a pressão pela liberação da soja transgênica resistente a herbicidas, que representa um mercado de bilhões de dólares para a Monsanto. Aliás, é bom lembrar que os dois produtos (a soja transgênica e o seu herbicida) são de propriedade exclusiva desta empresa e que o fato de o Brasil, segundo maior produtor mundial de soja, não ter aderido aos cultivos transgênicos tem causado gigantescos prejuízos à empresa -- inclusive porque tem possibilitado aos países importadores de grãos que não querem consumir transgênicos, como os da União Européia, sustentarem sua rejeição. É mais do que evidente que a fome é conseqüência da má distribuição de recursos e não de qualquer problema de produção.

 

No dia seguinte à publicação da Folha de São Paulo, lideranças do PT, como o senador Eduardo Suplicy, a senadora Marina Silva, o senador eleito Cristovam Buarque e o governador do Acre Jorge Viana repudiaram as pressões americanas. “O combate à fome não pode servir de argumento para o ‘vale-tudo’”, afirmou o governador. Lideranças do MST também reagiram à notícia, dizendo que trata-se de “oportunismo e golpe associar a luta contra a fome à liberação dos transgênicos”.

 

A Campanha “Por um Brasil Livre de Transgênicos”, junto com o Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional, escreveu uma carta ao presidente eleito Lula, que foi entregue ontem (28/11) pelo Dep. Federal eleito João Alfredo (PT/CE) a Lula, ao coordenador da equipe de transição Antônio Palocci, ao líder do PT no Senado Eduardo Suplicy, ao líder do PT na Câmara dos Deputados João Paulo Cunha, e ao coordenador do Fome Zero José Graziano, durante a reunião de Lula com parlamentares do PT, em Brasília.

 

Na carta, assinada por mais de 100 organizações, expomos nossa preocupação quanto à iniciativa americana junto à equipe de transição e reafirmamos nossa confiança de que os compromissos assumidos pelo presidente eleito em seu programa de governo, em especial aqueles presentes nas páginas 47 e 48 do caderno “Meio Ambiente e Qualidade de Vida no Brasil”, na página 92 do “Projeto Fome Zero”, além dos compromissos assumidos junto à Campanha “Por um Brasil Livre de Transgênicos” através da enquete respondida em 29/08/2002 e ao Greenpeace em enquete respondida no fim de setembro,não serão esquecidos.

 

Boletim 139, Por um Brasil Livre de Transgênicos

Comentarios