Brasil: Manifesto em defesa da Universidade pública e contra a mercantilização do conhecimento

Por FASE
Idioma Portugués
País Brasil

Nós cidadãos, pagadores de impostos, representantes de organizações sociais e membros de organizações não governamentais viemos a público para tornar manifesto nossa indignação com estes fatos relatados e pedimos que a comunidade universitária e população em geral reaja a estas tentativas de privatização do pouco que ainda resta deste patrimônio social que é a universidade pública, gratuita e autônoma!

Companheiros(as), A Aracruz não desiste nunca...Seus investimentos chegaram mais uma vez de forma escandalosa na UFES.Vamos denunciar novamente!Anexo um manifesto para assinaturas. abraços, Geise-FASE rb.moc.arret@esaf.esieg

Manifesto em defesa da Universidade pública e contra a mercantilização do conhecimento

No final da manhã do dia 20 de julho professores, alunos e funcionários da UFES foram pegos de surpresa (mas não todos, é lógico) com a informação de que seria votado naquela tarde no Conselho Universitário um protocolo de intenções entre esta universidade e a Aracruz Celulose.

Logo foi se descortinando que as intenções não eram tão boas assim.

Descobriram que o nome de vários departamentos contavam no protocolo sem ao menos terem sido consultados. Descobriram que o protocolo foi escrito pela empresa e que seria votado na instância máxima da universidade sem nenhum debate e com a universidade esvaziada.

É! As pessoas do conhecimento descobriram que não se conhecem!

Mas como chegaram a esta situação?

No começo, a Aracruz Celulose foi chegando de mansinho. Conversas reservadas.

Reuniões foram chamadas com as diretorias, onde ela apresentava sua imagem.

Uma visita em sua sede foi agendada com ônibus que gentilmente ela cedeu.

Foi uma visita agradável. As diretorias disputaram atenções. Ofertaram-se.

No final um coquetel. Ao pé do ouvido, em torno de uma xícara de chá quiseram saber sobre os motivos das resistências.

Para selar o desenlace do acordo ela oferece às diretorias um almoço num hotel capital.

As diretorias agora estavam na correria para atingir êxito. Formando comissões. Como aproveitar a oportunidade? As dificuldades são grandes. O chefe maior não está interessado no assunto. Na deriva se apegam. Como dividir o bolo, eis a questão. São muitos e a oferta aceita de pronto, não é tão grande assim. Fazem silêncio, esperam todos saírem. Sabem que muitos não concordariam. A questão é polêmica. Alguns até ficam sabendo, mas estavam de férias. Outros perderam a voz exatamente naquele momento, deve ser por causa do inverno. Os jovens estavam viajando.

Muitos ainda se lembravam de sentimentos que hoje consideram como dos românticos.

Naquele maio e naquela primavera, também foram jovens. Lembram com orgulho quando estes muros, não tão altos, era para proteger a liberdade. E a rebeldia. Formaram fileiras e defenderam seu território. Alguns têm saudade de tempos que não viveram. Mas estão buscando. Este lugar já foi o baluarte da ética, além da liberdade. Mas ainda hoje encontramos seus resíduos. Mas no cenário atual realmente parece uma raridade. Mas diante da derrota preferem o silêncio.

O que vem acontecendo com a universidade pública?

Na primeira semana de julho, em um almoço em hotel pago pela empresa, gerentes da Aracruz Celulose e diretores de centros da Ufes, selaram acordo no qual esta universidade, depois de várias conversas e visitas mútuas, aceitava receber uma quantia em dinheiro para suas atividades. Outros recursos e contatos já vinham sendo articulados pela via não oficial. A empresa andava preocupada, pois sempre teve a universidade como aliada e não precisou investir muito por isso. Mas sua autoridade científica e de seus parceiros vinha sendo abalada.

As ciências humanas e naturais, principalmente, estavam com visão muito crítica e desfavorável à empresa. Por isso o gerente pergunta a uma diretora sobre os motivos das críticas de membros da comunidade universitária. O que têm contra? Perguntou.

Sabia muito bem ele! E pensamos que todos da universidade também, pois trata-se de pessoas do conhecimento.

Estava impossível a universidade não “ver”.

Quando os antropólogos foram ouvir a fala de seus objetos de estudos estes lhe contaram sobre a perda de suas terras, a violência que permanece, os rios que secaram, os peixes e as caças que sumiram. E de seus rituais. Eles próprios foram dados como extintos. E falaram do “papel” da empresa nisso tudo.

Quando biólogos vão a campo, onde encontram seus espécimes? Lembram sempre do Augusto, aquele que adorava as borboletas e odiava as moto-serras, amava as matas e resistia às monoculturas.

Os historiadores mostraram a saga dos indígenas, dos africanos e dos imigrantes na produção social do território capixaba. Suas marchas, suas perdas e suas conquistas. E hoje descobrem que a história continua, pois muitos resistiram e por isso ainda existem.

Os das letras se perguntam o que aconteceu com as línguas e com as linguagens. Falam dos interstícios. Como vai o ensino do Tupi, do Guarani, do Pomerano e do Ioruba. Por que suas significações não se propagam?

Os geógrafos se desesperam ao ver o território se transformar num mosaico de poucas paisagens. E acima de tudo de paisagem da monotonia. Segregações e desterritorializações. A homogeneidade é a morte da possibilidade da existência do pensar geográfico.

E a filosofia. Onde estão os quatro elementos da natureza. A água, o fogo, o ar e a terra. A ética. Os mitos. Onde estão os pensadores de mente livre para um diálogo franco sobre o viver e sobre o bem viver.

Agora, a universidade que se quer pública, gratuita e autônoma conhecerá o que é um ser impactado pela Aracruz Celulose.

Mas a universidade está em crise. Salários defasados. Pouco recurso para pesquisa. Muita esperança colocada em governos. Cursos pagos, atividade esporádicas, consultorias e algumas aulas. Acadêmicos bem conceituados precisando fazer bicos.

Alternativas: as grandes empresas.

Elas têm muito dinheiro. Abatem seus investimentos em pesquisa do imposto de renda.

A universidade tem legitimidade, autoridade notória do saber. Muitos especialistas.

A universidade sai barato. Podem usar a infra-estrutura, laboratórios, luz e água. Os docentes são amáveis e os alunos dispostos, principalmente com bolsas.

- O que vocês querem? a empresa pergunta.

- Financie nossa pós graduação! Financie a reforma de nosso prédio!

- Tecnologias. Já temos o suficiente! Do jurídico também estamos bem servido! Mas queremos as humanidades! E também as ciências da natureza! Pois daí está saindo a resistência, a crítica, as pesquisas que nos incomodam!

- Como faremos?

- Enviem seus projetos. Nós escolheremos quem vamos financiar. É lógico que não vamos financiar pesquisa contra nossos interesses!

- Combinado!

- Um Brinde!

Duzentos e cinqüenta mil reais.

Foi esta a quantia.

Os da ciências exatas nos ajudem.

Se temos 10 mil alunos, portanto:

 

R$ 250.000,00 ÷ 10.000 = 25 reais

É isso que valeu cada aluno nesta negociata.

E se temos 1000 professores?

 

R$ 250.000,00 ÷ 1.000 = 250 reais

Seriam 250 mil reais divididos por cinco centros escolhidos pela empresa. Cada centro enviará cinco propostas das quais a Aracruz escolherá a que mais lhe convir.

Os poderosos não podem pensar sobre todas as coisas, por isso contratam outros para pensar por ti. E quando muitos estão pensando, contratam vários para não pensarem.

No Protocolo de Intenções (suspeitas intenções) está dito que a universidade deverá citar, quando divulgar suas atividades o “apoio” da Aracruz. Será que esta empresa está preocupada com sua imagem.

Lembram. Durante a copa do mundo a empresa buscou vincular-se à euforia com a seleção canarinho. Pagou milhões a figuras conhecidas e disseminou nos intervalos dos jogos a idéia que ela faz um papel bonito.

Mas a realidade mostra outra coisa.

Indígenas Tupinikin e Guarani estão a buscando retomar suas terras invadidas pela empresa. São mais de quarenta mil hectares.

Comunidades quilombolas, principalmente do Sapê do Norte estão em busca de seu reconhecimento e de seus territórios, dominados pela empresa. São mais de cem mil hectares.

Camponeses do mundo todo erguem a voz para resistir às monoculturas, ocupam terras improdutivas ou outras que produzem a morte através de sementes trangênicas, agrotóxicos e expulsão das famílias do campo.

Chamam o espaço produzido pela empresa de: DESERTO VERDE

Por que será?

As mudas romperam o silêncio

 

 

Havia um silêncio, sepulcral

sobre dezoito mil hectares roubados dos povos tupi-guarani sobre dez mil famílias quilombolas expulsas de seus territórios sobre milhões de litros de herbicidas derramados nas plantações

 

Havia um silêncio promíscuo

sobre o cloro utilizado no branqueamento do papel a produzir toxinas que agridem plantas, bichos e gentes sobre o desaparecimento de mais de quatrocentas espécies de aves e quarenta de mamíferos

do norte do Espírito Santo

 

Havia um silêncio intransponível

sobre a natureza de uma planta que consome trinta litros de água-dia e não dá flores nem sementes sobre uma plantação que produzia bilhões e mais bilhões de dólares para meia dúzia de senhores Havia um silêncio espesso

sobre milhares de hectares acumulados no Espírito Santo, Minas, Bahia e Rio Grande do Sul

 

Havia um silêncio cúmplice

sobre a destruição da Mata Atlântica e dos pampas pelo cultivo. homogêneo de uma só árvore: o eucalipto. Havia um silêncio comprado sobre a volúpia do lucro Sim, havia um silêncio global sobre os capitais suecos sobre as empresas norueguesas sobre a grande banca nacional

Por fim havia um imenso deserto verde em concerto com o silêncio.

De repente milhares de mulheres se juntaram e destruíram mudas a opressão e a mentira As mudas gritaram de repente e não mais que de repente o riso da burguesia fez-se espanto tomou-se esgar, desconcerto.

A ordem levantou-se incrédula c1anlando progresso e ciência imprecando em termos chulos

obscenidades e calão Jornais, rádios, revistas, a internet e a TV, as empresas anunciantes executivos bem-falantes assessores rastejantes técnicos bem-pensantes os governos vacilantes a direita vociferante e todos os extremistas de centro fizeram coro. eco, comício e declarações defendendo o capital: "Elas não podem romper o silêncio'" E clamaram por degola.

De repente não mais que de repente milhares de mulheres

destruíram o silêncio

Naquele dia nas terras da Aracruz as mulheres da Via Campesina foram o nosso gesto foram a nossa fala.

Autoria desconhecida

Se quiser ajudar os saberes, através da pesquisa e do ensino, que comece a devolver as terras tomadas, pague pela água e energia que usa, pague impostos e gere empregos, recupere as naturezas destruídas e por último, nos respeite!

E a empresa procura passar a idéia de que camponesas, indígenas e quilombolas são contra o progresso e a ciência. Se assinado este protocolo a UFES dará o álibi que a Aracruz está precisando.

E a Universidade, como ficará nessa história?
Associará a sua imagem a de uma empresa que invade terras indígenas e quilombolas, não consegue obter o selo verde, desvia, transpõe e seca bacias e rios, possui irregularidades ambientais e inviabiliza a agricultura camponesa, passou por CPI, tem vários processos no ministério público, teve e tem atividade proibidas ou limitadas em estados e municípios, desemprega e não emprega, desmata e exporta produto semi manufaturado que não gera impostos, não promove o desenvolvimento regional e nos mantém dependentes cultural, econômico, técnico e cientificamente.

Exportamos natureza por preços reduzidos, ficamos com a ilusão de uma balança comercial positiva.

Para a educação, para a saúde, para a habitação, para a reforma agrária e para uma sustentabilidade ambiental, econômica, social e cultural, para isso o modelo atual de desenvolvimento não trás soluções.

E a UFES se revela em seus atos! Demoras, polêmicas e negativas em aprovar as políticas afirmativas para afrodescendentes, indígenas e pobres. Rapidez e complacência em apoiar as grandes empresas.

Sem pânico. Possuímos nossos álibis. Qual mal há nos investimentos das grandes empresas na ciência nacional, não é isso que queremos? Qual o problema em aceitar a ajuda desta empresa, pois já aceitamos da Petrobrás e de outras tantas? Você prefere a universidade com dinheiro não importando de onde venha, ou uma universidade sem recursos?

Relaxe, curta as férias!

Nós cidadãos, pagadores de impostos, representantes de organizações sociais e membros de organizações não governamentais viemos a público para tornar manifesto nossa indignação com estes fatos relatados e pedimos que a comunidade universitária e população em geral reaja a estas tentativas de privatização do pouco que ainda resta deste patrimônio social que é a universidade pública, gratuita e autônoma!

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