Brasil: Licenciamento ambiental sob ataque severo do poder econômico
"O presente da biodiversidade brasileira está ameaçado, por isso não podemos permitir que ocorram outros retrocessos na legislação ambiental. Em tempos de crimes ambientais como aquele que vitimou os habitantes de Mariana e os demais situados nos 700 km do Rio Doce, não admitiremos o esquecimento nem o risco de repetição", escreve Eduardo Luís Ruppenthal, professor da rede pública estadual, biólogo e mestre em Desenvolvimento Rural pela UFRGS, em artigo publicado por EcoDebate.
Eis o artigo.
Eles não sossegam! Depois do retrocesso com a flexibilização do Código Florestal Brasileiro (atual lei 12.651, de proteção à vegetação nativa), que tem a sua constitucionalidade ainda discutida no Supremo Tribunal Federal (STF) através de quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade, o alvo da vez é o licenciamento ambiental. E ainda, não bastasse o crime ambiental da Samarco/Vale/BHP Billiton em Mariana cujo vazamento não foi contido e nem punido, as grandes empreiteiras, as construtoras e as empresas nacionais e internacionais do agro-hidro-mineronegócio, detentoras do poder econômico, estão agindo em favor de mudanças profundas para acabar com qualquer regulação ambiental no país.
Prestes a completar 35 anos da construção do marco legal ambiental brasileiro, o licenciamento possui falhas e questionamentos, principalmente relacionados aos problemas históricos de estruturação dos órgãos ambientais, nos níveis federal, estadual e municipal. Entendemos ser esta uma política deliberada e intencional dos governos como forma de fragilizar a atuação desses órgãos no cumprimento de suas atribuições legais tanto na gestão, no licenciamento e na fiscalização ambiental. Aliado a esse descaso proposital, vemos a complexa questão ambiental ser brutalmente simplificada numa orquestração entre os agentes do poder econômico e os da mídia comercial, esta que não aceita nenhuma política de regulação. Estes dois agentes sociais tratam a questão ambiental como um mero caso de “morosidade”, “atraso” e “entrave” ao “desenvolvimento”, ou traduzindo, como um problema aos seus lucros gananciosamente absurdos.
Atualmente há três propostas de mudanças profundas neste marco legal aparentemente vindas de três frentes. Entretanto, possuem o mesmo propósito de flexibilização. A primeira proposta está no Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e foi apresentada pela ABEMA (Associação Brasileira de Entidades Estaduais do Meio Ambiente), entidade que representa as secretarias estaduais do Meio Ambiente; a segunda, é o Projeto de Lei 3.794, de 2014, elaborado pelo deputado Ricardo Tripoli (PSDB/SP) e está na Câmara Federal; a terceira, é o projeto de Lei 654, de 2015, apresentado pelo senador Romero Jucá (PMDB/RR), está no Senado e é uma das 28 medidas da Agenda Brasil. Sendo esta “Agenda” apresentada como uma forma de “sair mais rápido” da crise, mas entenda-se como uma forma de manter e ampliar o lucro das empresas através da implantação de um processo sumário de licenciamento ambiental de projetos ditos “estratégicos” pelo governo e de “interesse nacional”. Essa medida também está presente no programa “ Uma ponte para o Futuro”, proposta pelo PMDB ao governo quando ainda era aliado, e que estará na pauta em um eventual governo Temer.
As propostas da Abema e dos congressistas, mesmo com diferenças, são destruidoras da legislação ambiental e esclareceremos o porquê nos próximos textos que divulgaremos. Pois, as nuances entre elas constituem a estratégia utilizada pelos campos políticos interessados no desmonte da legislação ambiental, denominada “bode na sala”, ou seja, o aniquilamento total defendido por Romero Jucáé até a proposta “menos pior” que a representada pela Abema.
Estas três iniciativas não nos surpreendem já que os dois congressistas integram o grupo dos “representantes públicos” que atuam em defesa de seus interesses próprios e de seus financiadores de campanha. Quanto à Abema, mesmo que tenha certa legitimidade, é composta por “gestores públicos” que tiveram indicação política com o objetivo de providenciar a liberação das licenças. E assim vimos os órgãos ambientais serem transformados em verdadeiros balcões de licenciamento, onde a visão que impera sobre o meio ambiente é de um “entrave” ao “desenvolvimento”.
Coincidentemente, o direito à informação, o primeiro dos dezesseis direitos humanos violados na construção de grandes empreendimentos, como hidrelétricos, também é violado na discussão desse tema de extrema importância e dos iminentes riscos de retrocessos. Além do silenciamento da mídia comercial, o Conama abriu o período de consulta sobre a proposta da Abema durante o carnaval deste ano, o que fez com que o Ministério Público Federal (MPF) conseguisse prorrogar a definição sobre o tema. Por isso, aconteceram audiências públicas em vários estados. No Rio Grande do Sul, a audiência foi em 11 de abril e promovida pelo Ministério Público Estadual com a colaboração de vários especialistas na área, como os professores e pesquisadores da área ambiental, dentre eles os da UFRGS. Naquele momento ficaram evidentes os interesses por trás das propostas. A Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) caracterizou as propostas como um retrocesso. Sua posição é de que se não houver mudanças profundas nas três referidas propostas, ações judiciais serão necessárias para questionar a sua constitucionalidade dentro do princípio do não retrocesso ambiental, assim como ocorreu diante da flexibilização do Código Florestal.
Nos próximos textos, discutiremos cada projeto e desvendaremos o verdadeiro significado de cada mudança proposta. O presente da biodiversidade brasileira está ameaçado, por isso não podemos permitir que ocorram outros retrocessos na legislação ambiental. Em tempos de crimes ambientais como aquele que vitimou os habitantes de Mariana e os demais situados nos 700 km do Rio Doce, não admitiremos o esquecimento nem o risco de repetição. Os delinquentes do meio ambiente não passarão!
Fuente: Instituto Humanitas Unisinos