Brasil: Governo Temer paralisa reforma agrária no Paraná
Cortes orçamentários, suspensão de programas de financiamento e alterações na legislação marcam a gestão Temer no Brasil. Segundo dados disponíveis no Portal da Transparência, cerca de R$ 122 milhões foram destinados à questão da terra em 2016, contra R$ 460 milhões no ano anterior.
A postura do Governo Federal também se revela na Medida Provisória da regularização fundiária – MP759 –, que retornou à Câmara, no último dia 21, para votação dos deputados. O projeto preocupa movimentos sociais e trabalhadores do campo, que acusam a MP de destruir mecanismos estruturados há décadas no Brasil na perspectiva de construir a reforma agrária.
Para Diego Moreira, da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), a MP 759 compromete as conquistas legais da reforma agrária aprovadas na Constituição de 88. “Trata-se de uma ofensiva com o objetivo de acabar com as políticas de distribuição de terra no país e que beneficia o agronegócio”, define.
Moreira avalia a possibilidade de compra de lotes da reforma agrária por ruralistas como um dos pontos mais nocivos do projeto. “Caso aprovada, a única modalidade que poderá garantir a aquisição de áreas para a reforma agrária será via compra e venda, modelo que não altera em nada a estrutura fundiária do país”, situa o dirigente.
Além da MP 759, Temer reduziu o orçamento voltado à reforma agrária: segundo dados do Portal da Transparência, cerca de 122 milhões de reais foram destinados à questão da terra, contra 460 milhões no ano anterior. Também suspendeu o programa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater), que prestava apoio técnico a mais de 930 associações e cooperativas da reforma agrária e da agricultura familiar no país.
“Política” de titulação:
Entre janeiro e fevereiro deste ano, Temer determinou ao Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) que a titulação das terras das famílias assentadas deve ser conduzida como ação prioritária em todas as superintendências regionais. “Com isso, aquele assentado que passou por um processo de luta e conquistou seu lote através da reforma agrária pode não dar conta de pagar suas dívidas – sobretudo após o fim de várias formas de financiamento que até então existiam”, contextualiza Moreira. “Caso enfrente problemas financeiros, só lhe restará vender a terra para o arrendatário, para o fazendeiro ao lado ou para o comerciante da cidade, e estaremos de volta ao ciclo dos grandes latifúndios que durante décadas tentamos combater”, explica.
Titular um território significa conceder ao assentado o documento legal de posse, em substituição ao modelo de Contrato de Concessão de Uso, que impede a venda do lote, mas garante seu pleno uso pela família. A nova postura pode comprometer as relações fundiárias e reinserir a propriedade na lógica de comércio, que o MST combate há muitos anos. O Movimento segue o princípio de que a terra não é e nem deve ser tratada como propriedade privada, mas como um bem de uso comum e de direito coletivo, tanto quanto a água que se bebe e o ar que se respira.
“A meta de ampla titulação vai forçar os assentamentos a seguir a lógica do mercado imobiliário”, aponta Moreira. “Essa medida foi implementada para que o governo pagasse suas dívidas com o setor do agronegócio, que apoiou o golpe contra Dilma Rousseff”. Segundo ele, é estratégico à bancada ruralista – parcela de representantes políticos ligados aos grandes latifundiários do país – desviar o foco institucional do MST.
“O assentado que só tem a alternativa de vender seu lote para pagar suas dívidas, por falta de política de desenvolvimento de assentamentos, mas que recebeu o título da terra, vai ser o novo trabalhador que voltará a morar na periferia e engrossar a fila do desemprego nas grandes e médias cidades”, define Moreira.
Prioridades regionais:
Enquanto nacionalmente o governo Temer determina o foco na titulação das terras, as superintendências regionais no Incra reforçam a política de bloqueio da reforma agrária no país.
“Temer nomeou superintendentes sem a mínima condição profissional de conduzir o Incra e sem a menor noção da questão agrária”, avalia Moreira. “São cargos em comissão ocupados por pessoas que nada conhecem sobre assentamentos ou sobre o MST”. Servidores concursados do Incra, que preferiram não se identificar e concordam com a avaliação do Movimento.
O superintendente do Incra no Paraná apresentou ao Brasil de Fato as prioridades da sua gestão: capacitação de servidores, por meio de cursos e parcerias com Universidades; a digitalização de documentos; e o encaminhamento das titulações nos lotes no Paraná. “Os processos e a atuação do Incra precisam ser profissionalizados e aperfeiçoados”, explicou Barroso. Enquanto isso, desde o golpe que levou Temer à presidência, em maio de 2016, nenhuma nova família foi assentada em todo o estado. Os números a nível nacional confirmam a postura do Governo Federal: em 2016, foram assentadas 1.686 famílias em todo o país. Até então, o menor número de beneficiados pela reforma agrária em um ano equivale a 22.021 famílias, em 2011.
“A inoperância, a ingerência a incapacidade técnica do Incra nos preocupa muito nesse momento. O Instituto foi loteado politicamente, como vários outros espaços e instituições”, situa Moreira. Segundo o dirigente, em todo o Paraná, 11 mil famílias estão acampadas em áreas improdutivas, com potencial para serem regularizadas pela reforma agrária. No país, há mais de 150 mil famílias que resistem em acampamentos na luta pelo direito à terra – muitas delas sobrevivem em condições precárias, à beira das estradas.
Sem telefonistas e sem atendimento no Incra-PR:
Outra denúncia que chegou ao Brasil de Fato revelou mais ataques à política fundiária. Na Superintendência do Incra no Paraná, os contratos terceirizados na sede regional, localizada em Curitiba – que regulam a contratação de recepcionistas, telefonistas e na secretaria – estão vencidos desde novembro de 2016. Há oito meses, faltam 40 funcionários no quadro do Incra, o que, desde então, afeta o andamento dos processos do órgão e o atendimento externo.
O superintendente regional justificou que foi nomeado para o cargo em setembro e esse procedimento deveria ter sido iniciado em agosto. “Só fui informado em outubro que os contratos venceriam. Depois, por uma série de dificuldades na logística administrativa do Incra, tivemos problemas em diversas tentativas de abir nova licitação”, explica Barroso. Ele informa, porém, que o órgão já encaminhou o edital nos moldes legais para regularizar novos contratos.
- Colaborou Thea Tavares.
- Foto por Franciele Petry Schramm.
Fonte: MST - Brasil