Brasil: CTNBio: jogo armado para liberação comercial de transgênicos
Ontem a CTNBio liberou o uso comercial de um algodão transgênico da Monsanto. Novidade? Nenhuma. A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, que fica alocada no Ministério de Ciência e Tecnologia, tem seu jogo armado para ser uma esteira rápida de liberação comercial de transgênicos
Boletim Número 247 - 18 de março de 2005
Car@s Amig@s,
Em janeiro deste ano a Monsanto foi condenada a pagar multa de 1,5 milhão de dólares por ter subornado funcionários do governo indonésio para que esta mesma variedade de algodão que a CTNBio liberou aqui (a Bollgard) fosse autorizada para uso comercial lá sem a realização de estudos de impacto ambiental (veja Boletim 240). A nova Lei de Biossegurança agiliza essa situação e vai direto ao ponto. A CTNBio, a critério próprio, pode contrariar a Constituição e dispensar a realização de estudos prévios de impacto ambiental. Detalhe: antes mesmo da entrada em vigor da nova lei a CTNBio já o fez.
A Comissão não é um órgão governamental e seus membros se reúnem uma vez por mês em Brasília para deliberar sobre uma pilha de pedidos de pesquisa e uso comercial de transgênicos. Dos oito pesquisadores titulares que atualmente compõem a Comissão, quatro são especialistas em biotecnologia. São pesquisadores que desenvolvem organismos transgênicos, o que está bastante longe da especialidade em biossegurança, ou seja, na avaliação de impactos da transgenia na saúde e no meio ambiente. Desses quatro pesquisadores, dois são conselheiros do CIB (Conselho de Informações sobre Biotecnologia), ONG de promoção da biotecnologia financiada pela Monsanto, Bayer e outras empresas de agrotóxicos e transgênicos.
E os outros quatro especialistas? Estes não trabalham com biotecnologia nem muito menos com biossegurança. Têm suas carreiras dedicadas a outras áreas que não a avaliação de riscos do uso de transgênicos. A CTNBio também oferece assento a um representante das indústrias, atualmente uma pessoa da Syngenta (outra financiadora do CIB). O conflito explícito de interesses ainda é ampliado pela secretaria executiva da Comissão, que tem como assessor técnico o senhor Gutemberg Delfino, que também participa da ONG da Monsanto. Evidente que o problema não está no fato de pessoas mergulharem no mundo da biotecnologia e de a Monsanto e outras empresas financiarem ONGs que promovam seus interesses. O dramático é ver que essas pessoas decidem sobre tema de tamanha complexidade e que ninguém quer ver isso.
A ausência do olhar de biossegurança na CTNBio, acrescida do fato de as decisões serem tomadas por votos favoráveis de dois terços dos presentes, e não por consenso -- como deveria ser já que se trata de questões relativas a segurança --, faz com que a decisão de ontem não seja surpresa.
Todas essas questões foram insistentemente trabalhadas com os congressistas no intuito de se mudar a situação e oferecer ao país uma lei que de fato promovesse a biossegurança. Palavras ao vento. Prevaleceu o discurso das empresas, de uma defesa hipócrita da (sua) ciência. De repente ciência virou sinônimo de produção de plantas transgênicas. E o sucesso ou não da produção agrícola passou a girar em torno de uma única variável: a semente. Como que num passe de mágica o desempenho de uma determinada lavoura deixa de ser resultado da interação complexa de uma série de fatores bióticos, abióticos, econômicos, culturais e políticos. Basta plantar transgênico (e pulverizar um tanto de Roundup -- não nos esqueçamos) que as produções aumentarão, o custo abaixará e as pragas passarão longe. Chegaram a dizer inclusive que o clima será beneficiado e que assim contribuiremos com o Protocolo de Kyoto. Muitos embarcaram nessa, conscientemente ou não.
Vivemos hoje uma crescente privatização e orientação comercial da geração de conhecimento científico. Ao mesmo tempo, os atores envolvidos nessa dinâmica têm ocupado importantes espaços públicos de decisão política.
Cientistas independentes, ou críticos, felizmente existem e estão nos mais diferentes cantos deste e de outros países. A sociedade precisa de um movimento por uma nova ciência, política e economicamente independente e pautada por um novo paradigma que supere o clássico mecanicismo reducionista.
Algodão transgênico já decepcionou em outros paísesEste mesmo algodão da Monsanto foi vendido na Indonésia com a promessa de produzir entre 3 e 4 toneladas por hectare. Produziu em média 1,1 ton/ha. Já na Índia, onde semente do algodão Bt custa 3 vezes mais que as convencionais, a produtividade da lavoura modificada em 2002 foi 35% menor que a das não-transgênicas. O preço alcançado no mercado foi 10% menor já que as fibras do algodão transgênico são mais curtas. Quanto ao uso de agrotóxico, a introdução da nova semente não trouxe redução significativa. Durante os 90 primeiros dias o controle de lagarta no Bt foi 10% melhor, mas ele se revelou mais suscetível a outras pragas, como os insetos sugadores.
Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos
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