Brasil - campo: Luta para sobreviver e por outro desenvolvimento rural
Parecem camponeses sem-terra que reclamam a reforma agrária no Brasil, já que também marcham por estradas e ocupam prédios governamentais e empresariais, mas são diferentes. Se mobilizam para permanecer em suas terras e construir uma sociedade mais justa e ambientalmente sã. O Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) encarna em muitos aspectos novas formas de organização dirigidas a combater injustiças econômicas e sociais
Rio de Janeiro, 08/06/2006 – Os ativistas do MPA protestaram com mais freqüência este ano, “com resultados muito positivos”, disse à IPS Aurio Scherer, um dos coordenadores do movimento que atua no Rio Grande do Sul. Os últimos protestos, nos dias 23 e 24 de maio, conseguiram do governo medidas para adiar o pagamento de empréstimos destinados a investimentos e reduzir as dívidas contraídas para gastos de produção.
Os problemas climáticos e a queda de preços provocaram insolvências. O ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, reconheceu a “crise de preços” no setor. Outra “excelente conquista” foi, segundo Scherer, a promessa do governo de tornar permanentes as regras da previdência social rural, “uma das principais políticas de distribuição da renda” no Brasil, que permite à mulher camponesa se aposentar aos 55 anos de idade e os homens aos 60, recebendo um salário mínimo. Estes são algumas conquistas materiais de uma organização nova, que ganhou caráter nacional em poucos anos num contexto como o agrário, marcado pelo grande agronegócio exportador e por desequilíbrios sociais e econômicos crescentes.
Entretanto, o MPA nasceu em 1996 com ideais mais amplos e generosos, além da luta cotidiana por políticas de preços, comercialização e crédito favorável aos pequenos agricultores, sempre ameaçados pelas oscilações do clima e do mercado. Resgatar e valorizar o modo de vida camponês através de um projeto popular de desenvolvimento agrícola, de “orientação socialista”, são objetivos do movimento que organiza os agricultores em suas lutas diárias para melhorar suas condições de vida e contra as ameaças do agronegócio, isto é, a expansão dos monoculturas de exportação.
“Defendemos outro modelo produtivo e tecnológico, baseado na produção camponesa e na agroecologia”, resumiu para a IPS Altacir Bunde, um dos dirigentes nacionais do MPA. A agricultura camponesa se opõe ao agronegócio por razões ambientais, já que este tem um “absoluto desprezo” pelo meio ambiente e destrói recursos naturais, alem de exercer diferentes formas de violência contra camponeses, indígenas e outras populações tradicionais do campo, disse Horácio Martins de Carvalho, agrônomo especializado em questões rurais. A agroecologia, além de promover uma agricultura em harmonia com a natureza, oferece “alimentos saudáveis” à população, um dos princípios do movimento.
O camponês expressa “uma ampla diversidade de modos de ser, de viver e produzir, antagônicos com os do agronegócio burguês”, representando, assim, “o único ator social que poderá protagonizar mudanças sociais no campo”, afirmou Carvalho à IPS. Os 4,1 milhões de famílias dedicadas à pequena agricultura produzem 80% dos alimentos consumidos pelos brasileiros e ocupam 85% da mão-de-obra empregada no campo, destacou Bunde. Esse setor é, por isso, “o caminho para uma sociedade mais igualitária no campo”, afirmou.
O MPA também se opõe ao conceito de agricultura familiar, que considera uma formulação acadêmica que descarta a sobrevivência do camponês e promove a “integração” do pequeno produtor à agroindústria, como ocorre na produção do tabaco. O movimento luta contra a “semi-escravidão” imposta pela indústria multinacional a quem planta fumo, disse Scherer. A dependência é total, a indústria lhes oferece insumos a preços maiores do que os do mercado e se encarrega, inclusive, de contratar créditos para seus pequenos provedores familiares, promovendo “a armadilha” do endividamento, acrescentou.
O cultivo do fumo, uma das atividades mais rentáveis para pequenas propriedades familiares ainda é uma importante atividade econômica e emprega cem mil famílias no Rio Grande do Sul, reconheceu Scherer. Por isso, sua substituição por outros cultivos deve ser “lenta e gradual”, mas já começou, inclusive porque o consumo de tabaco diminuirá em razão de políticas sanitárias. O MPA surgiu exatamente nesse Estado, onde são numerosos os pequenos agricultores, em grande parte descendentes de imigrantes europeus. Uma forte estiagem no final de 1995 prejudicou a agricultura local, levando mais de 25 mil agricultores quebrados a se reunirem em “acampamentos da seca”, nos quais nasceu a idéia de organizar o movimento.
Scherer aderiu ao MPA, deixando a atividade sindical. O “sindicalismo se tornou obsoleto, acomodado e lento”, não oferece respostas para os problemas camponeses, inclusive porque cada sindicato tem sua atuação limitada ao município, enquanto o movimento é uma forma de organização mais ágil, menos hierárquica, explicou. Assim, o MPA se afasta das organizações sindicais, com a confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, aliando-se ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e a outras entidades da Via Campesina, uma rede internacional de movimentos sociais do campo.
Assim com a luta dos sem-terra conduziu em décadas passadas a um tipo de organização nova como o MST, replicada em muitos países latino-americanos, a forma de associação do MPA também é nova e enlaça um setor tradicionalmente isolado inclusive pelo entorno rural. A diferença a respeito do MST é que os pequenos agricultores “têm terra e lutam para não se transformarem em sem-terra”, diante de políticas que priorizam o agronegócio, definiu Scherer. O MPA se organiza em “grupos de base” nas comunidades camponesas, com 10 a 15 famílias, em média, representados em coordenações municipais ou regionais, quando vários municípios formam um conjunto, informou Bunde. Este tipo de direção coletiva, outro princípio do movimento, se repete nos planos estadual e nacional.
Desde o começo, no Rio Grande do Sul em 1996, e a lenta expansão para cinco Estados em 2000, o movimento cresceu aceleradamente nesta década e alcança 19 dos 26 Estados brasileiros. Agora, observa desafios mais amplos. O auge dos combustíveis de origem vegetal no Brasil, com o etanol e o biodiesel, oferece uma grande oportunidade para a agricultura camponesa. Será “estratégico conciliar a produção agroecológica de alimentos e da energia renovável de biomassa”, evitando o que ocorreu nos últimos 30 anos com o álcool combustível no Brasil, totalmente dominado pelo agronegócio da cana-de-açúcar, disse Scherer. (IPS / Envolverde)
Fonte: Envolverde