Brasil - Retrocesso ambiental: urgência em desmatar
Congresso quer votar nesta semana medidas para ampliar desmatamento. Vamos regredir para o estágio em que se acreditava que recursos naturais são inesgotáveis?, pergunta Leandro Mitidieri, Procurador da República, mestre em Direito Constitucional pela UFF.
Leandro Mitidieri, especialista em Direito Constitucional pela Universidade de Pisa e Coordenador do Grupo de Trabalho de Unidades de Conservação do MPF, em artigo publicado por El País, 14-05-2017.
Eis o artigo.
As propostas de diminuição dos direitos sociais dominam o noticiário. Mas o espírito do momento, de barco afundando pelas investigações de corrupção e pela crise, está gerando outras propostas apressadas, afinal “quem está para morrer, anda depressa”, teria dito Humboldt. As manifestações de abril mostraram o que os índios estão experimentando. Agora é preciso conhecer as ameaças que sofre o meio ambiente.
O Brasil caminhava, principalmente de 2003 a 2009, para cumprir a Meta 11 das “Metas de Aichi”, acertadas no âmbito da Convenção sobre Diversidade Biológica, consistente na proteção, até 2020, de pelo menos 17% de áreas terrestres e de águas continentais e 10% de áreas marinhas e costeiras. Entre 2005 e 2012, o país foi um dos que mais contribuiu para a mitigação das mudanças climáticas, resultado obtido também pela criação de unidades de conservação, com o desmatamento, que chegou a 27.000 km² em 2004, baixando para 4.500 km² em 2012. Foi nesses termos que, na Conferência do Clima em Paris (COP 21), o Brasil se comprometeu a zerar o desmatamento ilegal na Amazônia brasileira até 2030 e a reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% até 2025 e em 43% até 2030, tendo como referência os níveis de 2005.
Quando ainda se lutava pela consolidação dessa nova atitude e pela efetivação do arcabouço de unidades de conservação existentes, irrompe um ataque, nunca antes visto, ao que foi duramente alcançado, com um pacote de medidas provisórias e propostas legislativas de redução e extinção de várias dessas áreas protegidas.
O Congresso, com apoio do Governo, quer votar nessa semana as Medidas Provisórias 756 e 758 de 2016 (veja aqui), que, em conjunto com um esboço de projeto de lei, atingem, no total, 1,1 milhão de hectares no Pará, mais 1 milhão de hectares no sul do Amazonas, totalizando cerca de 2,2 milhões de hectares sob ataque (o equivalente ao território de Sergipe), justamente em regiões por onde adentra o desmatamento na Amazônia. Como se não bastasse, a Mata Atlântica não ficou de fora e também está sendo reduzido um parque nacional em Santa Catarina.
Apesar da Constituição exigir lei formal para a supressão de unidades de conservação, adotou-se o regime de urgência das medidas provisórias para esse ataque, ao invés de um processo cuidadoso e amparado em estudos técnicos. Turbinar o desmatamento já altíssimo na região seria urgente e relevante? Se levarmos em conta o fato de que o já combalido Ministério do Meio Ambiente sofreu a assustadora redução de 53% no seu orçamento para 2017 e que o licenciamento ambiental vem sendo dilacerado, temos a ideia do animus reinante.
Nossos tribunais já vêm admitindo o princípio de que é proibido o retrocesso social e ambiental, exceto se ele tem amparo na Constituição. Mas a questão não é só nacional. A flagrante e grave afronta às Metas de Aichi da Convenção sobre Diversidade Biológica (promulgada pelo Decreto 2.519/1998) e à COP 21 da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (promulgada pelo Decreto 5.445/2005) coloca o país dentre aqueles vilões ambientais que descarada e cinicamente desconsideram os compromissos internacionais.
Nesses tempos de pós-verdade, em que se sustenta que desenvolvemos a razão como uma arma para vencer discussões, e não para buscar a verdade, haverá sempre argumentos contra estudos que apontam a relação do aumento da febre amarela com o desmatamento, contra a tese de que a floresta Amazônica evita furacões e outros eventos climáticos extremos ou, ainda, contra teorias como a da “ecologia do medo”, que explica como a ausência de predadores faz com que as presas se comportem de forma mais danosa ao meio ambiente, alimentando-se tranquilamente da mata ciliar por exemplo.
Mas será que vamos regredir para o estágio em que se acreditava que os recursos naturais eram inesgotáveis? Talvez não seja prudente para os próprios produtores duvidarem de que, por exemplo, a floresta amazônica exporta rios aéreos de vapor para irrigar regiões distantes no verão hemisférico, fazendo dela a melhor e mais valiosa parceira de todas as atividades humanas que requerem chuva na medida certa, um clima ameno e proteção de eventos extremos. Ora, é incontestável pelo menos o fato de que o desmatamento alcançou sua maior redução, de 2005 a 2012, simultaneamente a um período de saltos extraordinários da produção agropecuária brasileira.
Operações como a recente “Carne Fria”, que identificou empresas que vêm comprando gado de áreas desmatadas ilegalmente, indicam que a sanha do agronegócio avança incontrolável para assassinar sua própria galinha dos ovos de ouro, que é o meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Fonte e foto: Instituto Humanitas Unisinos