Brasil: mega-biodiversos e mega-obras

Idioma Portugués
País Brasil

Indígenas da nação Gavião residem ou estão exilados em uma ilha, próxima da cidade de JI-Paraná, estado de Rondônia, uma ilha não porque esteja cercada de água, mas sim porque está cercada por soja, pecuária e hidrelétricas – a tríade perfeita dos pedaços mais cobiçados do planeta, a Amazônia e o Cerrado

As cabeças dos indígenas cobertas com penas – quase pássaros em corpos de humanos. Os corpos pintados com símbolos. Indígenas da nação Gavião residem ou estão exilados em uma ilha, próxima da cidade de JI-Paraná, estado de Rondônia, uma ilha não porque esteja cercada de água, mas sim porque está cercada por soja, pecuária e hidrelétricas – a tríade perfeita dos pedaços mais cobiçados do planeta, a Amazônia e o Cerrado – uma ilha também imaginária porque depois de anos de colonização dos sulistas natos quase não se imaginaria mais que outras linguagens eqüidistantes da linguagem branca estariam vivas na forma de música, na forma de dança, na forma de língua, na forma de velhas senhoras, velhos senhores, jovens e crianças, na forma de peixes e pirão de farinha e na forma de terras demarcadas e por demarcar.

Era noite do dia 03 de maio, quando os Gavião, sob os olhares de indígenas da nação Araras e da nação Caripunas e não-índios, se pintaram não para a guerra, mas sim para festejarem com danças e cantos, e como quem canta seus males espanta, provavelmente, a manifestação de semi-círculo em semi-circulo, de instrumentos de sopro em sopro, de vocábulos de infinito em infinito e de passos minuciosamente cartográficos, uma manifestação descomunal, sentenciou o que seria a jornada entre os dias 4, 5 e 6 de maio em que se discutiria os projetos de hidrelétricas e de uma hidrovia para o rio Madeira. Eles tomaram de conta daquela noite e dos dias posteriores como tomavam de conta de suas terras de Ji-Paraná e como tomaram de conta, um dia, das terras de onde foram expatriados. Exatos 14 quilômetros de Porto Velho, capital de Rondônia – as nações indígenas dormindo no CAP (Centro Arquidiocesano de Pastoral), em comunhão com militantes do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), atingidos pela UHE de Samuel e pelas PCH’s do governador Ivo Cassol, e militantes do GT Energia, da Rede Brasil e da Rebrip. As manobras realizadas para aglomerar nações indígenas, ribeirinhos e militantes ambientalistas do Brasil, do Peru, Bolívia e Estados Unidos numa ilha imaginária, o CAP, compreenderiam um esforço, não de guerra, e sim de paz, paz do homem para os rios, a floresta, os animais e para consigo mesmo.

Megabiodiversidade amazônica– tão aventada– que só faz sentido quando o não-índio descobre que, para começo de papo, ele desconhece ou conhece muito pouco a respeito das culturas indígenas e da floresta amazônica. Conhece tão pouco. Nações indígenas que foram exterminadas e outras que foram extraídas de suas terras e empurradas para terras mais distantes. Hectares e mais hectares de floresta que desapareceram para dar lugar a pasto e monoculturas – outros hectares podem ser inundados pelos reservatórios das duas barragens, em solo brasileiro, e mais duas, em solo boliviano. No planejamento do setor elétrico, os anos passam devagar – o licenciamento e o financiamento de mega-obras da parte do governo, bancos e iniciativa privada precisariam ser mais ágeis, pois estas mega-obras demandam tempo e dinheiro. Se obras como Jirau e Santo Antônio demandam mais de vinte bilhões de reais e anos para as suas construções, quantos anos levariam e quantos bilhões de reais custariam para radiografar a megabiodiversidade amazônica?

Esta pergunta que não quer calar tenta botar em pratos limpos a questão do planejamento estratégico deste país não como uma mera formalidade para o setor elétrico e para os grandes consumidores. Estes dois setores da economia planificam a realidade, segundo seus custos e seus ganhos, para dez anos ou vinte. O que são vinte bilhões de reais comparando com os dividendos por anos a fio e as ações em alta na bolsa de valores? O que são famílias desabrigadas, perda da diversidade da fauna aquática e áreas inundadas comparadas com o ganho para o futuro em energia e desenvolvimento social e econômico? Para isso ou não há planejamento ou se planeja muito mal. Um outro planejamento para o setor elétrico seria necessário para receber essas várias relações em seu seio.

Mayron Régis, jornalista -Fórum Carajás/GT Energia

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