Bolsonaristas e ruralistas aprovam projeto que abre caminho a novo genocídio indígena
Presidentes da Câmara e da Comissão de Constituição e Justiça manobram para aprovar proposta que permite anular Terras Indígenas e inviabiliza demarcações.
Publicada por Greenpeace
Sob liderança de parlamentares ruralistas e bolsonaristas, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou, por 40 votos contra 21, o Projeto de Lei (PL) 490/2007. A votação terminou, hoje (23) à tarde, após uma batalha de requerimentos e questões regimentais apresentados pelos oposicionistas, que tentaram retirar a proposta da pauta durante todo o dia.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e a presidente da CCJ, Bia Kicis (PSL-DF), manobraram para retardar o início da sessão do plenário principal, permitindo que a reunião da comissão fosse prolongada e o PL fosse aprovado. Desde o meio da manhã, Kicis rejeitou, um a um, os inúmeros requerimentos, pedidos de audiência pública e os apelos pelo diálogo com o movimento indígena, que pede, há semanas, para ser ouvidos sobre a proposta, como determina a Constituição e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O PL 490 é uma bandeira de Jair Bolsonaro e da bancada que diz representar o agronegócio. Se aprovado, na prática vai inviabilizar as demarcações, permitir a anulação de Terras Indígenas e escancará-las a empreendimentos predatórios, como garimpo, estradas e grandes hidrelétricas. A proposta é inconstitucional, na avaliação do movimento indígena e dos juristas.
Kicis suspendeu a reunião da comissão marcada para ontem, após um protesto pacífico de indígenas contra o PL 490 ser reprimido com violência pela polícia, do lado de fora da Câmara. Num ato considerado incomum e autoritário, ela pautou a proposta como único item da pauta de hoje.
A violência policial deixou três indígenas feridos e outros dez passando mal. Os manifestantes protestavam pacificamente, no estacionamento do Anexo 2 da Câmara, quando foram reprimidos de forma violenta pela PM, com balas de borracha, bombas de gás lacrimogêneo e efeito moral. Crianças e idosos estavam entre os manifestantes.
Em nota, 170 organizações (indígenas e aliados das lutas dos povos originários) manifestaram repúdio à repressão feita contra a mobilização, em Brasília. “Os indígenas que saíram de suas comunidades, em um momento em que a pandemia ainda aterroriza o país, para exporem nas ruas a sua indignação diante desse violento avanço de diversos setores sobre os seus territórios são aqueles dispostos a ajudar a sociedade a construir esse novo caminho”, destaca trecho da nota.
“O que nós queremos é que a lei seja cumprida, que a Constituição Federal seja respeitada. Esse projeto de lei pode anular as demarcações de terras indígenas no país, é uma agressão aos povos originários”, comenta Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
A manifestação faz parte do Acampamento Levante da Terra (ALT), que está instalado ao lado do Teatro Nacional, em Brasília, há três semanas, para protestar contra a agenda anti-indígena do governo e do Congresso, e também em defesa de decisões favoráveis no Supremo Tribunal Federal (STF). Cerca de 850 indígenas, de 48 povos diferentes de todas as regiões do Brasil, participam do acampamento. Estão todos vacinados e seguindo os protocolos sanitários (distanciamento, uso de máscara e higienização constante das mãos).
Inconstitucionalidade
“Nossa Constituição não pode ser mudada por qualquer interesse egoísta, individual, de que tem olhar de cobiça para as Terras Indígenas. Esse olhar que a gente vê em todos os discursos que querem emplacar o PL 490. Pura cobiça nos recursos naturais das terras indígenas, que são garantidas pela Constituição Federal”, criticou a deputada Joenia Wapichana (Rede-RR).
De acordo com a parlamentar, o procedimento legislativo na CCJ foi falho, justamente por não identificar a inconstitucionalidade da matéria. Ela lembrou que qualquer regulamentação do Artigo 231 da Constituição, que dispõe sobre os direitos indígenas, deveria ser feita por meio de Lei Complementar, e não por meio de um Projeto de Lei Ordinária, como é o caso do PL 490.
Vários parlamentares oposicionistas lembraram que o Supremo Tribunal Federal (STF) deverá se pronunciar sobre vários dos pontos previstos no PL 490, a exemplo do “marco temporal”. Trata-se de uma tese ruralista que defende que as comunidades indígenas só teriam direito às terras que estivessem sob sua posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
“Tentam apressar esse assunto dentro de um Projeto de Lei para que justamente haja uma competição com o Supremo. Isso é um absurdo”, frisou Joenia.
Preconceitos e discriminação contra os indígenas
Entre ontem e hoje, deputados governistas fizeram falas que podem ser consideradas preconceituosas e discriminatórias contra a mobilização e os povos indígenas em geral. A deputada Alê Silva (PSL-MG) chegou a comparar reservas indígenas a “zoológicos humanos” e acusou os manifestantes do lado de fora do Congresso de “arruaceiros” e “boçais”.
Ontem, Arthur Lira acusou os indígenas de fazer uso de drogas no teto do parlamento. “Na semana passada, chegaram aqui alguns representantes dos índios invadiram o Congresso Nacional, subiram ao teto das cúpulas e ficaram usando algum tipo de droga”, afirmou sem nenhuma evidência.
Joênia Wapichana também anunciou que irá fazer uma denúncia contra outra líder da tropa de choque bolsonarista, Carla Zambelli (PSL-SP), no Conselho de Ética. De acordo com Wapichana, ao encontrar com Zambelli nos corredores da Câmara ela afirmou que “os seus índios são assassinos” e que Joênia não representaria os indígenas na Câmara.
Fonte: Instituto Humanitas Unisinos