Árvore transgênica, a bola da vez
Transnacionais do agronegócio criam estratégias para transformar agricultura e a alimentação em mercadoria. Entrevista a Silvia Ribeiro: "Trata-se de uma das maiores agressões das indústrias e do agronegócio contra a alimentação de todo mundo. “Todas as maneiras de resistir estão diretamente relacionadas à organização dos camponeses e à solidariedade de outros movimentos”
BIOSSEGURANÇA
Raquel Casiraghi e Solange Engelmann de Curitiba (PR)
”Com a possibilidade das árvores transgênicas, o problema da contaminação é ainda mais grave porque o pólen pode viajar de 2.500 a 3.000 quilômetros”, alerta a pesquisadora mexicana Silvia Ribeiro, em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato. Segundo Silvia, trata-se de uma das maiores agressões das indústrias e do agronegócio contra a alimentação de todo mundo. “Todas as maneiras de resistir estão diretamente relacionadas à organização dos camponeses e à solidariedade de outros movimentos”, diz.
As transnacionais querem as árvores transgênicas porque a tecnologia possibilita o uso de grande quantidade de agrotóxicos em áreas de monoculturas, inviável nas convencionais, que são sensíveis aos venenos. Com isso, as empresas podem abalar a biodiversidade e colocar em risco o ecossistema. Silvia também chama a atenção para os efeitos nocivos que os transgênicos exercem sobre a saúde humana. Pesquisas recentes realizadas nos Estados Unidos dão conta de que o alto consumo de soja está causando uma baixa na fertilidade masculina, os homens produzem menos espermatozóides.
Brasil de Fato – Como surgiram os transgênicos?
Silvia Ribeiro – Os transgênicos estão no mercado há dez anos. Os primeiros a cultivarem foram os Estados Unidos, seguidos pela Argentina e Canadá. Durante muito tempo estes três países tinham a maioria dos transgênicos, que estavam no campo. Segundo uma instituição de estatística fi nanciada por empresas, existem 17 países no mundo com plantação comercial de transgênicos. Mas, esses três países ainda representam a maioria, mais de 80%. Juntos com Brasil e China, chegam a 98%. Entre os cultivos comerciais que já estão no campo, quatro estão no mundo inteiro que são: soja (o principal) da Monsanto com 66%, milho, canola e algodão. Além deles, há outros em experimentação: batata, mamão papaia, feijão, mandioca, e isso preocupa porque são cultivos mais próximos das pessoas.
BF – Quais as vantagens dos transgênicos?
Silvia – Nenhuma das promessas das empresas se cumpriram. Elas diziam que os transgênicos são mais nutritivos, bons para saúde, têm melhor qualidade de sabor. Nada disso é verdade. A maioria, mais de ¾ dos transgênicos no mundo, é uma semente resistente a herbicida da própria companhia. Essa, sim, é a realidade. Depois de dez anos fica muito claro que a questão dos transgênicos não tem nada a ver com as necessidades de ninguém, mas com os interesses das empresas. Nos Estados Unidos, que têm mais de 60% dos transgênicos do mundo, as estatísticas já demonstram que aumentou o uso de agrotóxicos.
BF – Por que os agricultores estão plantando transgênicos?
Silvia – Simplesmente porque não têm opção. São três empresas que detêm 100% das sementes transgênicas no mundo. A maioria é da Monsanto, que agora tem 88%; o restante é da Syngenta, DuPont, Basf, Dow e Bayer. Todas as outras empresas estão associadas a estas. As empresas só estão produzindo transgênicos para vender seus próprios agrotóxicos, pois todas são grandes fabricantes de agrotóxicos, antes de produzir sementes. As sementes chegaram depois para se apropriar de um mercado maior e vender os agrotóxicos. Nos Estados Unidos, os transgênicos têm um rendimento menor que os cultivos convencionais. Como só existem essas empresas por lá, são elas que vendem os transgênicos e não transgênicos. Há cinco anos, quando a Europa decretou a moratória contra o milho transgênico, os agricultores dos EUA tentaram voltar para o milho convencional, mas as empresas disseram que não tinha sementes. Eles são obrigados a usar transgênicos porque não tem outra coisa no mercado, isso é uma manipulação muito grande do mercado. Tem um informe do Ministério da Agricultura dos EUA, feito em 2003, onde analisaram os resultados econômicos dos transgênicos no país. Como encontraram somente resultados negativos, o Ministério da Agricultura não entende por que os agricultores continuam usando transgênicos, não há uma explicação direta. A razão porque disseram isso principalmente com a soja, mas também com o milho é que produzem menos e custa mais e, além disso, usam mais agrotóxicos. Em alguns lugares dos EUA se usa ate 30% mais venenos e produz 10% a 15% menos.
BF – Se os transgênicos não rendem financeiramente, por que os agricultores continuam plantando?
Silvia – Porque nos Estados Unidos e Canadá não há opção. E na Argentina os agricultores já estão escravizados com a plantação de soja. Lá a expansão foi tão forte que produziu uma autêntica reforma agrária ao contrário: 40% dos estabelecimentos grandes e pequenos desapareceram no processo de plantio da soja transgênica. Como o investimento para a produção da soja transgênica é maior, os pequenos não resistiram e foram comprados pelos maiores. Isso produziu uma concentração da terra impressionante. E agora, na Argentina a maioria das terras está plantada com soja, e os agricultores não conseguem sair dessa estrutura de dependência. É importante o Brasil analisar o que se passou com a Argentina. No resto do mundo a liberação dos transgênicos tem uma relação direta com a corrupção. Para liberar a comercialização dos transgênicos na Indonésia, a Monsanto subornou 140 funcionários públicos. Tenho certeza de que no México as empresas também pagaram para um monte de gente. Além disso, estão padronizando as leis referentes à biossegurança. É curioso que a lei de biossegurança do Brasil e do México é muito parecida. A do México foi escrita pelas empresas: Syngenta, DuPont e Bayer, juntamente com alguns centros cientistas da Academia Mexicana de Ciência que trabalham para estas empresas.
BF – O mundo consome toda a soja transgênica produzida?
Silvia – Sim, mas isso também é uma campanha. Por exemplo, no Brasil a introdução do trigo transgênico foi forçada pelos EUA para criar uma dupla dependência: de compra dos produtores e para acabar com cultivos locais que davam mais autonomia. No caso da soja é a mesma coisa. Hoje, o produto é encontrado em qualquer supermercado, tem componente de soja em 70% a 80% dos produtos. Além disso, toda a ajuda alimentar no mundo, por causualidade, é de soja e trigo. Também tem muita propaganda dos benefícios da soja. Porém, já tem estudos sobre a soja transgênica que são assustadores. Um deles saiu numa resenha publicada no ano passado no jornal Washington Post, um dos maiores diários dos Estados Unidos. Foram feitos também experimentos voluntários e foi comprovado que como a soja tem muito fitoestrogênio, está causando uma baixa na fertilidade masculina, os homens produzem menos espermatozóides. A pesquisa contatou que isso tem uma relação com o aumento do consumo de soja.
BF – Por que a Argentina está brigando com a Mosanto para não pagar os royalties ?
Silvia – Na Argentina os royalties são ilegais, porque o país não permite patente de plantas. Além disso, a soja transgênica não tem patente na Argentina, porque a Monsanto esqueceu de registrar a patente da soja RR. Começaram a vender e acharam que não teriam problema. Depois quando tentaram registrar já era tarde. Outro fator é que na Argentina, os agricultores têm o direito de replantar as sementes nos anos seguintes. Por isso, os agricultores argentinos, mesmo os industriais, não querem pagar nada, porque estão protegidos pela lei, e porque o país não reconhece esta patente.
BF – Quais os países que reconhecem a patente da Monsanto?
Silvia – No Norte, a maioria deles, no Sul são poucos. É por isso que a Monsanto tentou fazer acordos direto com os países. No Brasil estão fazendo acordo com as cooperativas, que cobram os royalties e ficam com uma parte dos recursos. Isso é horrível porque tentam favorecer alguns intermediários para fazer a cobrança.
BF – Então os royalties são um problema para as empresas?
Silvia – Não são apenas um problema para a cobrança. Tem outros países muito mais disciplinados, como México, África do Sul, onde os governos tentam cobrar, mas muitos países não querem pagar. Por isso, que as empresas estão deseperadas pela liberação do terminator. Como o terminator é uma patente biológica, não precisa de nenhum controle, nem lei. Ao comprar, o agricultor já paga royalties, se quer voltar a usar têm que comprar outra vez. Esta é um patente biológica sem data para terminar. O terminator é para controlar a agricultura industrial e a agricultura camponesa. Trata-se da maior tentativa que as empresas já fizeram para controlar as sementes no mundo.
BF – Por quanto tempo a agricultura camponesa pode resistir sem contaminação?
Silvia – Isso depende dos camponeses, dos movimentos e da capacidade de resistência. Por exemplo, no México, o milho foi contaminado por transgênicos. Os camponeses não têm certeza do grau de contaminação, porque os métodos para controlar a contaminação pertencem às empresas, por isso ninguém está 100% seguro. As empresas têm que dar para os agricultores o padrão de soja transgênico que colocaram. No México, por exemplo, os camponeses se organizaram para controlar quais são as sementes que entram e saem da comunidade ou da região. Com a possibilidade das árvores transgênicas, o problema da contaminação é ainda mais grave porque o pólen pode viajar de 2.500 a 3.000 quilômetros. Esta é uma das maiores agressões das indústrias e do agronegócio contra a alimentação de todo mundo. Todas as maneiras de resistir está diretamente relacionada à organização dos camponeses e à solidariedade de outros movimentos.
BF – Podemos perceber que a empresa de sementes também está no setor de agrotóxicos e de medicamentos. Por que existe essa relação?
Silvia – Há 15 anos as companhias químicas acharam que uma maneira para assegurar a dependência dos agricultores seria comprar as empresas de sementes. As químicas são mais antigas, têm muito mais dinheiro, e a maioria já era farmacêutica. Estas empresas querem controlar mercados-chave, de necessidades básicas, como: saúde e alimentação.
BF – A indústria química sintetizou o agrotóxico?
Silvia – A maioria dos agrotóxicos foi desenvolvida como arma. Só depois diminuíram as doses para matar insetos; antes era para matar pessoas. Foi a indústria química que comprou as outras e, em alguns casos, também se transformou em farmacêutica. E todas elas têm origem comum, que é a petroquímica. Então, se formos nas raízes dessas empresas, chegaremos até as petroleiras.
BF – Depois dos transgênicos e do terminator o que vem é a nanotecnologia?
Silvia – A base do transgênico vai para o terminator, inclusive não só para o terminator, mas para o que chamam de tecnologia para controlar as características da planta. A questão da nanotecnoligia tem a ver com a questão lógica do capital na agricultura, que é buscar como fazer mais negócios com menos pessoas, e produzindo produtos novos. A nanotecnoliogia não é só na agricultura, é uma tecnologia para manipular a matéria viva e a não-viva em nível dos átomos e das moléculas. A nanotecnologia é a escala dos átomos e moléculas, porque um nananômetro é uma bilhonésima parte de um metro, um milhão de vezes menor que um mílimetro.
BF – O que isso significa?
Silvia – No caso da agricultura já fizeram arroz experimental. Arroz atomicamente manipulado, introduziram um átomo de hidrogénio dentro do arroz para mudar a cor. Os Estados Unidos têm um programa muito grande para usar nanotecnologia na agricultura, e eles estão tentando fazer com que isso se espalhe no mundo antes de qualquer regulação. A Embrapa no Brasil já tem vários experimentos. É a nova forma para ir além dos transgênicos e se apropriar do que compõem os genes. Foram das sementes para os genes e dos genes para os átomos. E quanto menor você vai, maior é o poder que tem porque controla os átomos.
BF – Como é a expectativa da nanotecnologia junto às empresas?
Silvia – O problema é que como a nanotecnologia tem tantas diferentes aplicações, fica difícil controlar. Além disso, as 500 maiores empresas do mundo já têm investimentos nessa área.
Quem é
Silvia Ribeiro é pesquisadora do Grupo de Ação sobre Erosão, Tecnologia e Concentração (ETC), no México.
Brasil de Fato – Edição 163 - De 13 a 19 de abril de 2006