Transgênicos: ¿ciência precisa ou tiro no escuro?
É importante que no debate sobre produtos transgênicos sejam apresentadas opiniões de personalidades como o geneticista Crodowaldo Pavan nesta mesma seção, na edição 135. Para ampliar essa discussão, estamos aqui para apresentar uma visão contrária
Organismos transgênicos, ou geneticamente modificados, são seres vivos resultantes do 'cruzamento' artificial entre espécies por meio da engenharia genética. Com essa técnica pode-se introduzir genes de quaisquer seres vivos no código genético de outro e incorporar em determinada espécie uma ou mais características encontradas naturalmente em outras espécies.
Embora a técnica possa parecer bastante precisa, um olhar mais cuidadoso mostrará que muito pouco se sabe sobre o assunto. A quantidade considerável de 'efeitos não esperados' já detectados em organismos transgênicos mostra que a dita ciência moderna está muito mais brincando com uma caixa de surpresas do que manejando o previsível.
Um dos fenômenos pouco citados nos materiais de divulgação sobre o tema é o 'efeito posicional'. Sabe-se que a posição dos genes na cadeia de DNA exerce influência sobre sua atividade. Quando se insere um novo gene na cadeia de DNA de um organismo, não se pode prever onde ele se encaixará na seqüência de genes. A cadeia se rearranja e altera sua disposição física no núcleo da célula. Como resultado, genes antes inativos passam a se expressar, assim como genes antes ativos são desativados. Assim começam a surgir os 'efeitos não esperados' da transgenia.
É necessário também considerar que nunca se insere apenas o gene de interesse no organismo receptor. Além dos vetores virais para introduzir o material genético na cadeia de DNA, usam-se marcadores com resistência a antibióticos, que servem para atestar que o gene de interesse foi realmente inserido. Muitos cientistas alertam que essa resistência pode ser transferida para quem consome alimentos transgênicos, o que tornaria sem efeito tratamentos à base de antibióticos.
Um efeito não esperado já conhecido é a superprodução de lignina na soja resistente a herbicida (63% dos transgênicos plantados no mundo) em altas temperaturas. Com mais lignina, o caule das plantas fica mais quebradiço, prejudicando as operações mecanizadas e levando a perdas na produção. Nos EUA, em anos mais quentes as perdas chegaram a 40%. Parece também ser em parte conseqüência desse efeito o fato de a soja transgênica ser, em média, 10% menos produtiva que a convencional.
Há resultados mais assustadores. Criadores de suínos em Iowa, EUA, viram as taxas de natalidade de seus rebanhos diminuírem em 80% ao alimentarem suas porcas com milho Bt - o segundo maior cultivo transgênico do mundo. As porcas apresentavam todos os sintomas de gravidez, mas não pariam um único leitão. Até agora, nenhum cientista conseguiu explicar o fenômeno.
Também 'inexplicavelmente', numa pesquisa conduzida pela Monsanto (maior produtora mundial de sementes transgênicas), verificou-se que vacas alimentadas com soja transgênica produziram leite com 3% a mais de gordura do que as vacas alimentadas com soja convencional.
Ao contrário do que se poderia imaginar, pouquíssimos testes para identificar tais efeitos foram realizados antes da liberação comercial desses produtos. Nos países onde eles foram liberados (96% dos transgênicos estão nos EUA, Canadá e Argentina), usou-se um conceito fortemente atacado no meio científico, o da 'equivalência substancial', segundo o qual, comparando-se os níveis de uma lista limitada de químicos, como nutrientes e toxinas, entre um organismo transgênico e seu similar convencional, pode-se concluir que eles são 'equivalentes'.
Não é à toa que, no mundo todo, a rejeição dos consumidores aos alimentos transgênicos só tem aumentado. Na Europa, mais de 80% da população prefere não consumi-los. Uma pesquisa feita pelo Ibope a pedido do Greenpeace em 2001 mostrou que no Brasil esse índice é de 74%.
Enquanto a ciência não garante a segurança desses produtos para a saúde e para o meio ambiente, nosso país vê crescer sua competitividade no mercado internacional ao se manter fornecedor de produtos não transgênicos. Desde 1995 aumentamos nossas exportações, enquanto os países produtores de transgênicos diminuíram as suas. Nada mais lógico que lutarmos pela proibição temporária aos transgênicos.
Não nos posicionamos contra a ciência. Ao contrário: exigimos que mais pesquisas sejam feitas e, somente com a comprovação científica da inexistência de danos, se aprovem esses produtos em escala comercial.
Flávia Londres, Engenheira agrônoma, assessora técnica da organização não-governamental AS-PTA (Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa), é membro da coordenação da Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos