Soja transgênica e impactos ambientais. "In dubio pro natura e In dubio pro salute", por Francisco Roberto Caporal
Experiências do passado recente são suficientes para sustentar a defesa consistente da adoção do Princípio da Precaução e recomendar a realização de mais estudos e mais pesquisas antes da liberação do uso de semente transgênicas no nosso meio ambiente
Sabe-se que as tecnologias da chamada Revolução Verde, um pacote centrado no uso de produtos químicos de síntese, trouxeram inúmeros problemas ambientais, para não falar das doenças graves como o câncer da mama ou da próstata, as má formações congênitas e tantas outras enfermidades que hoje estão comprovadamente relacionadas com a contaminação por agrotóxicos. Hoje, um pouco tarde, certamente, a maioria dos Agrônomos e dos cientistas, constrangidos, reconhecem o erro cometido ou, pelo menos, admitem que faltou informação sobre os efeitos maléficos daquelas tecnologias amplamente recomendadas.
Ressalte-se que, ao pregar o Princípio da Precaução, não se está negando o avanço da ciência e sequer questiona-se a validade da engenharia genética e de sua aplicação em muitos campos. O que está em jogo não é a ciência nem a metodologia que nos permitiram conhecer e chegar a desenvolver plantas transgênicas. Quando se defende a adoção do Princípio da Precaução se está fazendo referência a um determinado tipo de aplicação de outro “pacote tecnológico”, talvez de maior risco que o anterior, como o que vem sendo defendido por um setor minoritário da sociedade e por algumas poderosas empresas.
Para que não fiquem dúvidas sobre as incertezas, pois é só isto que nos reserva a realidade atual -dúvidas e incertezas-, basta buscar a resposta para uma só pergunta: o que ocorrerá nos próximos anos ao nosso meio ambiente, se cultivarmos, sucessivamente, perto de 4 milhões de hectares de soja, no Rio Grande do Sul, usando o mesmo e uniforme “pacote da soja transgênica”?
Além dessa, poderiam ser feitas outras perguntascomplementares, para as quais também não se tem respostas. Por exemplo: o que ocorrerá a biodiversidade de nossos agroecossistemas? Qual a capacidade de resistência que terão estes agroecossistemas diante de tal homogeneização? E mais: se forem usadas as dosagens recomendadas de um mesmo herbicida ao longo dos anos, o que vai ocorrer? Provavelmente, ambos os casos levarão a profundos desequilíbrios ambientais que, por sua vez, obrigarão a usar-se dosagens mais altas ou outros herbicidas complementares, para o controle das plantas adventícias que se tornarão resistentes ou de outras plantas que se tornarão invasoras. Aliás, isto já vem ocorrendo em zonas onde a soja transgênica entrou antes que aqui.
E o que vai acontecer com o solo? Passados alguns anos, o que vai ocorrer com os organismos benéficos do solo, que ajudam a manter os equilíbrios ecológicos necessários? O que vai ocorrer com a microfauna e com a microflora do solo? Sobre isto, especialistas em ciência do solo estão preocupados, pois já verificaram que o herbicida utilizado na soja transgênica se fixa aos colóides do solo (adsorção) e ainda não se sabe o que poderá advir deste processo. Ademais, há relatos de que já foram encontrados resíduos deste herbicida nas águas subterrâneas.
Ninguém provou, até a presente data, que o “pacote tecnológico da soja transgênica” não será responsável por futuros desequilíbrios ambientais. Por isto mesmo, cabe, perfeitamente, a adoção do Princípio da Precaução. Este Princípio, que tem apoio na Constituição Federal e está amparado na legislação brasileira e consagrado no Direito Ambiental, recomenda que, diante da dúvida, diante da incerteza, devem ser tomadas todas as medidas necessárias para prevenir riscos futuros possíveis. Como lembra o renomado jurista Paulo Affonso Leme Machado, nestes casos é preciso verificar se “há unanimidade no posicionamento dos especialistas.” Sabemos que não há. Ele ainda recomenda verificar se “há certeza científica ou há incerteza científica do risco ambiental”. Pelo que se sabe não há suficientes estudos para garantir certeza de que não há riscos. E o jurista vai mais além, dizendo que mesmo quando houver certeza de que não há riscos ambientais, “esta certeza precisa ser demonstrada”. E isto ainda não ocorreu.
O que não se pode, com o conhecimento atual, é repetir os mesmos erros do passado, quando entusiasmados com as promessas da Revolução Verde (que ia “acabar com a fome do mundo”), optou-se por um caminho de contaminação ambiental e danos à saúde, que hoje são sabidamente irreversíveis. Portanto, não dá para correr o mesmo risco do passado. Por isto mesmo é preciso caminhar para o futuro e a agricultura do futuro será baseada nos princípios da Agroecologia, será uma agricultura de base ecológica, pois não haverá o Desenvolvimento Sustentável que todos almejamos se seguirmos com o mesmo pacote da Revolução Verde, agora “esverdeado” ou “engenheirado”.
O autor é Engenheiro Agrônomo e Doutor em Agroecologia. E-mail: frcaporal@terra.com.br
Santa Maria, RS, Brasil