Sem petróleo, carvão, gás… e floresta: títulos “verdes” atraem investidores para negócios insustentáveis

Idioma Portugués
País Brasil
- O Joio e O Trigo.

Regras não padronizadas do setor privado são atual régua para emissão de títulos verdes no mercado de capitais; governo brasileiro caminha para mais uma regulação socioambiental permissiva aos produtos financeiros.

Por oferecer serviços para que os próprios fazendeiros produzam bioinsumos, isto é, agentes biológicos que controlam pragas em lavouras e substituem agrotóxicos, a Solubio emitiu um título de crédito verde no mercado de capitais em 2022. O recurso de R$ 150 milhões, captado por meio de aplicações de investidores, foi usado para financiar equipamentos e insumos nas fazendas de ao menos 130 produtores rurais.

A empresa de consultoria e avaliação ESG (Ambiental, Social e Governança) NINT Natural Intelligence, contratada para avaliar se o certificado de recebíveis do agronegócio (CRA) era verde mesmo, corroborou o rótulo usando alguns critérios.

Com base nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), a primeira emissão de título verde da Solubio de 2022 promove “ações contra a mudança global do clima”. Já pelo Green Bond Principles, que são diretrizes ESG da Associação Internacional do Mercado de Capitais (ICMA, na sigla em inglês), o CRA Verde da empresa contribui com uma “gestão ambientalmente sustentável de recursos naturais vivos e uso da terra”.

A consultoria ignorou, no entanto, o histórico ambiental dos produtores rurais a serem beneficiados pelo crédito do título para sua avaliação. 

Entre eles está Daniel Franciosi, sócio das empresas Grande Leste Agronegócios, Franciosi Agronegócios Ltda e Sementes Multiplicar, ao lado dos irmãos João Antônio Franciosi e Ubiratan Francisco Franciosi. A família Franciosi atua na região de São Desidério, extremo oeste da Bahia, onde os sócios acumulam autos de infração por desmatamento.

João Antônio foi multado pelo corte raso de 1.679 hectares de vegetação de Cerrado sem autorização de órgão ambiental competente em 2012. Depois disso, houve outras infrações registradas pelo Ibama em nome dos sócios, que se seguiram até 2022.

A Solubio é elegível para a emissão de CRAs Verdes por evitar o uso de agrotóxicos. Já a FS Indústria de Biocombustíveis emite títulos verdes por utilizar o crédito para a compra de milho, matéria-prima que não contempla atividades de exploração de combustíveis fósseis, como o petróleo, o carvão mineral e o gás natural. 

O Joio revelou, porém, que títulos verdes da FS e de outras empresas podem servir como instrumentos de greenwashing, uma vez que utilizam contratos de compra e venda ou aplicam os recursos para o pagamento de fornecedores com histórico de desmatamento ilegal, grilagem de terras e trabalho análogo à escravidão.

Ainda, há títulos não rotulados como verdes mas que podem mudar o status após a emissão, como é o caso de um CRA da FS. O recurso do CRA foi usado para comprar milho da Agropecuária Giacomelli para a produção de etanol da empresa, que afirma ter operações “sustentáveis” por evitar emissões de gases do efeito estufa com sua produção.

- Documento obrigatório para emissões de CRAs, o Termo de Securitização da FS prevê a conversão do título para “climático”. Fonte: Ecoagro.

Sócio da Agropecuária Giacomelli, Neudi Giacomelli planta grãos na região noroeste do Mato Grosso. Em 2013, ele foi multado em R$6,2 milhões pelo Ibama por desmatamento em Feliz Natal. Outras quatro infrações ambientais foram registradas no nome do fornecedor de milho da FS em 2022, no município de Vera. Todas no bioma amazônico.

Mesmo não atrelando suas atividades aos combustíveis fósseis, cadeias produtivas de commodities como o milho contribuem significativamente para a alteração de paisagens naturais na Amazônia e no Cerrado. De acordo com a ONU, o desmatamento é responsável por um quarto das emissões globais de gases do efeito estufa, causadores do aquecimento da Terra.

Atualmente, não há regulação no país que garanta que títulos vendidos a investidores como verdes considerem a norma ambiental vigente na cadeia de suas operações, ou que deixem de financiar empresas e fornecedores envolvidos em irregularidades socioambientais.

“O Brasil tem situações muito mascaradas de viabilizar determinados acessos a recursos mais baratos, mediante a apresentação de uma atividade supostamente verde, que não necessariamente existe ou não é de fato sustentável”, pondera Sergio Pereira Leite, pesquisador do Grupo de Estudos sobre Mudanças Sociais, Agronegócio e Políticas Públicas (GEMAP) e professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).

Alguns produtos financeiros negociados no mercado de capitais, afirma Leite, “não engrenaram”, como a Cédula de Produto Rural (CPR) Verde, mas outras ganharam corpo, como os green bonds, ou títulos verdes, negociados avulsos ou como ativos em fundos de investimento, caso do fundo específico para financiar operações agroindustriais (Fiagro).

“Isso também está ocorrendo na composição das carteiras dos Fiagro, quando essas notas são propagandeadas e se tornam um chamariz, porque você tem aí uma roupagem moderna, sustentável, preocupada com o meio ambiente, que legitima os novos instrumentos e a capacidade de ganho especulativo que se tem através deles.” Para empresas, os títulos verdes significam agregar uma parcela do público investidor ambientalmente engajada e, em alguns casos, beneficiar-se de condições atrativas de crédito, já que a tomada de recursos destes produtos pode oferecer taxas menores.

Esta reportagem foi produzida em parceria com a Rainforest Investigations Network do Pulitzer Center.

Fonte:  O Joio e O Trigo

Temas: Agronegocio

Comentarios