Sem licença para destruição
Eleita como a pior empresa do mundo pela Mighty Earth em 2019, a Cargill Agrícola S.A chega a Santarém em um processo marcado por indícios de fraudes e violações de direitos humanos que segue sem respostas, passados mais de 20 anos desde a implantação de um terminal portuário da empresa na região.
A companhia criada nos Estados Unidos compõe o grupo das quatro maiores traders responsáveis pelo controle da importação, exportação e processamento de commodities agrícolas no mercado mundial. Uma das empresas que mais fatura no mundo e a maior empresa de capital fechado dos EUA, a Cargill liderou a exportação de soja brasileira em 2019, com embarque de mais de 17 milhões de toneladas do grão - a maior parte destinada à China. Em 2020, o lucro da empresa, apenas no Brasil, chegou a cerca de R$ 2,1 bilhões.
Em seus anúncios públicos, a companhia ressalta o compromisso em eliminar o desmatamento na sua cadeia de produção até 2030. Palavras como “sustentabilidade” e “produto socialmente responsável” também fazem parte de sua narrativa.
Ao analisarmos a chegada da empresa em Santarém, não é difícil indicar os motivos pelos quais esse discurso é falacioso: a instalação da Cargill é cercada de acusações de fraudes no licenciamento ambiental, de descumprimento dos compromissos assumidos com órgãos ambientais e, principalmente, de violação aos direitos humanos.
Neste estudo, sistematizamos uma série de irregularidades e de impactos observados quase 20 anos após a chegada da empresa no território santareno. Enquanto a empresa se instalou na região sem apresentar um estudo de impacto ambiental, povos indígenas, quilombolas e pescadores artesanais tiveram suas vidas afetadas, sem que fossem previamente consultados, como determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. Foram ao menos nove violações de direitos cometidos pela Cargill.
Na série de impactos provocados pela chegada da empresa, órgãos ambientais, como a Semas, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (a antiga Sectam), tiveram importante papel: além da fiscalização insuficiente, abrandaram um conjunto de condições que deveriam ser estabelecidas para a operação da transnacional.
O exemplo da Cargill em Santarém é emblemático por mostrar a série de violações de direitos que será permitida, caso propostas como o Projeto de Lei 3.724/2004, que indica uma nova legislação de licenciamento ambiental e que já foi aprovado na Câmara, sejam efetivadas – o PL, inclusive, dá poderes para que estados e municípios estabeleçam critérios para o licenciamento, algo que o caso da Cargill mostra ser um erro profundo.
Agora, com a necessidade de renovação de uma licença de operação vencida em 2020, a Semas e a Cargill têm a oportunidade de reparar uma série de irregularidades cometidas até agora. Em um contexto de ataques aos direitos de povos indígenas, quilombolas e tradicionais, não é possível permitir que empresas transnacionais continuem a operar em uma lógica exploratória e violadora com a conivência dos órgãos reguladores.
Para este levantamento, consideramos pesquisas bibliográficas, documentais e entrevistas com entidades e movimentos populares que estiveram historicamente à frente da luta e resistência contra as violações provocadas pela empresa. Nosso especial agradecimento:
• Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Município de Belterra - AMABELA
• Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Município de Santarém - AMTR
• Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Santarém
• Comissão Pastoral da Terra - CPT
• Conselho Pastoral de Pescadores
• Conselho Indígena Tapajós Arapiuns - CITA
• Federação das Organizações Quilombolas de Santarém- FOQS
• Grupo Consciência Indígena - GCI
• Grupo de Defesa da Amazônia - GDA
• Movimento Tapajós Vivo
• Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém - STTR
• Universidade Federal do Oeste do Pará - UFOPA
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Fonte: Sem licença para destruição