Ruralistas tentam aprovar sementes estéreis

Idioma Portugués
País Brasil

"A bancada ruralista avalia que chegou o momento de enfiar goela abaixo da população os pontos mais nocivos da pauta dos capitais do agronegócio para os quais militam diuturnamente... Trata-se da terceira tentativa dos ruralistas, afora iniciativa similar do ex-deputado Cândido Vacarezza, de introduzir, no Brasil, a semente “terminator”. Consta que, em todos os casos, as proposições foram formuladas por funcionários da Monsanto."

7 de outubro de 2015

Por Gerson Teixeira
Do Outras Palavras

Tirando proveito da perda de influência do PT no governo e, em contrapartida, da crescente hegemonia do PMDB num governo fragilizado na opinião pública, e do controle absoluto do mesmo PMDB sobre as duas casas do Congresso, a bancada ruralista avalia que chegou o momento de enfiar goela abaixo da população os pontos mais nocivos da pauta dos capitais do agronegócio para os quais militam diuturnamente.

Há pouco, aprovaram a ratificação de ofício dos títulos das grandes extensões de terras na faixa de fronteira. Pautaram para votação em regime de urgência, no plenário da Câmara, o projeto de lei (PL) que subscrevem, propondo a plena liberalização do acesso à terra no Brasil por estrangeiros. Por meio de Comissão Especial recentemente criada pelo deputado Eduardo Cunha, iniciaram o processo de alteração da legislação sobre proteção de cultivares, de modo a adequar a legislação vigente ao padrão UPOV 1991. Com a eficácia dessa iniciativa, a proteção intelectual não se dará mais sobre as sementes, e sim, sobre os grãos. Também estão conseguindo celeridade à proposta de emenda constitucional (PEC) 215, entre outras ações do gênero.

Neste momento, pautaram para votação na Comissão de Agricultura, o projeto de lei (PL) 1117, de 2015, do deputado Alceu Moreira, do PMDB do Rio Grande do Sul, propondo alterações na Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105, de 2005) e na lei que liberou os transgênicos, para aprovar a as tecnologias genéticas de restrição de uso na agricultura (GURT).

Trata-se da terceira tentativa dos ruralistas, afora iniciativa similar do ex-deputado Cândido Vacarezza, de introduzir, no Brasil, a semente “terminator”. Consta que, em todos os casos, as proposições foram formuladas por funcionários da Monsanto.

Vale frisar que, neste momento, como ministra da Agricultura, Kátia Abreu, que foi a autora do primeiro PL sobre o tema em 2005. Com a poderosa influência da ministra no governo, mais a presidência da Comissão de Agricultura nas mãos do seu filho, somado, ainda, às presidências da Câmara dos Deputados e do Senado por seus correligionários, temos, na atualidade, um cenário de “céu de brigadeiro” para o processo legislativo da matéria.

Conforme dito, em 2005 a atual ministra da Agricultura, então deputada, apresentou o Projeto de Lei nº 5.964, propondo a liberação da utilização das tecnologias genéticas de restrição de uso no Brasil. O PL foi aprovado na Comissão de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural e rejeitado na Comissão de Meio Ambiente, sendo arquivado em 2007. Naquele ano, o então deputado Eduardo Sciarra (PSD-PR) reapresentou o PL, que só não foi aprovado em 2009 graças às atuações dos movimentos sociais e de vários parlamentares na Comissão de Constituição e Justiça, tendo à frente o PT.

Com a combinação das mudanças na legislação sobre cultivares com o terminator entraremos no “estágio armagedon” da modernização conservadora da agricultura iniciada na década de 1970. Daí em diante será utopia a soberania alimentar do país, bem como a preservação da biodiversidade. Tampouco teremos a perspectiva de um padrão diferenciado de agricultura.

O projeto do deputado Alceu Moreira, ao reeditar os termos dos PLs anteriores, impede a utilização, a comercialização, o registro, o patenteamento e licenciamento de sementes que contenham tecnologias genéticas de restrição de uso, salvo nos casos de “plantas biorreatoras” e plantas que possam ser multiplicadas vegetativamente. Exceto, também, quando o uso da tecnologia comprovadamente constituir uma medida de biossegurança benéfica à realização da atividade. Bem, neste último caso, tudo passará a ser “benéfico para a atividade”. Até porque, uma das providências do PL é a de deslocar para a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) o poder disciplinador sobre o assunto, que na atualidade é regido pelo Regulamento da Lei de Biossegurança.

Assim, a suposta manutenção da proibição da semente terminator para alimentos é puro engodo, pois na prática estarão espalhadas várias culturas contaminando inteiramente as demais plantas. A este respeito vale informar que em 2005, a Federação de Cientistas alemães apresentou à Convenção de Diversidade Biológica um parecer concluindo que: “que plantas com tecnologias genéticas de restrição de uso (GURTs, em inglês) produzem pólen genéticamente modificado capaz de fertilizar cultivos próximos e plantas silvestres ou invasoras aparentadas.

Os transgenes contidos no pólen geneticamente modificado e (potencialmente) qualquer proteína expressada por esses genes estarão, assim, presentes na semente da polinização cruzada, independentemente se essa semente se tornou estéril”.

Na realidade, as pressões das multinacionais pela liberação de sementes terminator, visaram, visam e visarão, sempre, o impedimento da reprodução das sementes por terceiros, incluindo os próprios agricultores. Isto estaria assegurado via imposição de uma espécie de “patente biológica”, mais difícil de “piratear” do que no caso da patente jurídica.

Sobre o assunto, vale registrar que grande parte dos 1,45 bilhão de agricultores, em todo o mundo — principalmente agricultores de pequena escala — dependem da semente colhida como principal fonte de sementes para o novo ciclo agrícola. Calcula-se que cerca de 60% das sementes utilizadas pelos agricultores brasileiros são guardadas de uma safra para a outra.

Com o ‘terminator’ estes agricultores estarão na dependência total de fontes externas de suprimento desse insumo, pondo fim, assim, à prática milenar de seleção, melhoramento e troca de sementes entre agricultores de pequena escala, comunidades indígenas e tradicionais, que constituem um verdadeiro seguro de países como Brasil para a segurança alimentar e para a preservação da biodiversidade.

A alegação de supostas vantagens para a biossegurança, com a utilização de plantas estéreis, não passa de ardiloso recurso adicional de marketing das multinacionais em seu lobby contra a moratória dessas tecnologias na Convenção da Biodiversidade. Na verdade, tais vantagens não se confirmam na prática, pois, como afirmamos, antes, existe sim polinização cruzada com outras variedades da espécie, cujas sementes poderão não ser estéreis. Como a característica de restrição ao uso envolve um complexo de muitos genes, ela dificilmente será transmitida por completo (junto com o gene “de interesse” tipo inseticida) no cruzamento fortuito ou aleatório com outras plantas na natureza. A transmissão vai acontecer de maneira imprevisível e incontrolável, fazendo com que a presença do complexo genético terminator no campo (inclusive dos tais “biorreatores”) seja muito mais um risco do que uma garantia para a biossegurança.

Corroborando a avaliação acima, o “Grupo Ad Hoc de Especialistas Técnicos sobre Tecnologias de Restrição de Uso Genético”, formado para assessorar a Convenção sobre Diversidade Biológica apontou em seu relatório que: “…as plantas GURTs produzem pólen geneticamente modificado capaz de fertilizar cultivos próximos e plantas silvestres ou invasoras aparentadas. Os transgenes contidos no Pólen geneticamente modificado e (potencialmente) qualquer proteína expressa por esses genes estarão, assim, presentes na semente de polinização cruzada, independentemente se essa semente tornou-se estéril”.

Portanto, as tecnologias de restrição de uso impedem que a semente germine, mas não impedem a produção e dispersão de pólen. Dessa forma, a característica da esterilidade pode ser transmitida para outras plantas, inclusive para plantas silvestres.

Cumpre assinalar que a Conferência das Partes (COP-8) da Convenção da Biodiversidade, de 2006, em Curitiba, reafirmou a proibição ao plantio de sementes GURT adotada na COP-5. Apesar de as decisões dos países membros de uma convenção já em vigor não serem “vinculantes”, os países que as violam perdem respeito e credibilidade em futuras negociações, podendo ser cobrado pela “falha” por interlocutores inclusive em negociações sobre outros temas, sejam militares, comerciais, etc. Assim, no mínimo, é do interesse nacional que o Congresso não exponha o país a vexames ou se desmoralize internacionalmente, sendo aconselhável, neste caso, como em outros, que o Brasil mantenha a coerência entre compromissos assumidos junto a outras nações e sua própria legislação nacional.

As conseqüências da proposição em referência, na ampliação do monopólio transnacional das sementes seriam desastrosas para economia, para os agricultores e para a soberania nacional. Em um cenário onde 100% das sementes precisassem ser compradas pelos agricultores, no Brasil, somente no caso do milho, por exemplo, o gasto anual com sementes aumentaria de R$ 162 milhões para R$ 1,17 bilhão.

No caso do milho, a região mais penalizada com a obrigatoriedade de compra de sementes a cada safra seria o Nordeste. Desta forma, além de onerar significativamente a agricultura brasileira, a tecnologia terminator teria um impacto catastrófico nos segmentos mais pobres da população rural, conforme dito, antes.

Portanto, a modificação genética de plantas para produzir sementes estéreis tem sido objeto de ampla condenação pela sociedade civil, por organismos científicos e pelos governo s de numerosos países, por considerá-la, no mínimo, uma forma imoral e antiética de aplicação da biotecnologia. Não bastassem tais implicações para os interesses coletivos e da soberania nacional, a iniciativa mostra-se absolutamente inoportuna. Ocorre às vésperas da Convenção do Clima de Paris, onde a temática ambiental, em geral, será objeto das discussões e negociações pelos países membros da “COP do Clima”.

Nesses termos, recomenda-se, em primeiro lugar a luta pela distribuição do PL para a Comissão de Meio Ambiente. Alguém pode achar que foi descuido ou ignorância a não distribuição do PL para o Meio Ambiente? Também devemos lutar pela distribuição da matéria para a Comissão de Relações Exteriores pelas razões postas no texto.

De resto, cumpre aos paridos políticos e organizações de trabalhadores e da sociedade civil, em geral, comprometidos com os valores da soberania nacional e os demais interesses maiores da sociedade brasileira a mobilização contra mais esse ato de lesa pátria da bancada ruralista.

Fonte: MST

Temas: Transgénicos

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