Revista Proposta #130
Esta edição é lançada no contexto do agravamento das crises alimentar, ambiental e climática que se interligam. Vivemos tempos de novas ameaças diante da realidade da fome e da pandemia da Covid-19 que estão a exigir urgência nas respostas afirmativas baseadas em direitos humanos, cidadania e democracia.
Editorial
É recorrente ouvir que o sistema alimentar dominante e a agricultura industrial fornecem grandes volumes de alimentos nos mercados globais. Mas é fundamental entender os problemas provocados e os impactos que geram para os sistemas alimentares sustentáveis baseados em princípios ecológicos e no Direito à Alimentação e Nutrição Adequadas. A contaminação da água, do solo e dos alimentos com o uso de agrotóxicos e transgênicos, a perda da biodiversidade e a uniformização das paisagens com a destruição das relações ecológicas nos desmatamentos, criam condições para o desenvolvimento de patógenos e doenças como o SARS-CoV-2.
A padronização alimentar, persistindo a fome, e deficiências nutricionais convivem com o aumento da obesidade e doenças ligadas à alimentação. A pandemia e as distintas crises em que vivemos nos convocam a reavaliar nosso relacionamento com a natureza, da qual somos parte.
Para enfrentá-las será necessário superar essa separação e, ao mesmo tempo, contestar as propostas de financeirização e mercantilização crescente da natureza com o cercamento dos bens comuns e a despossessão dos povos indígenas, comunidades tradicionais e camponesas. Sabemos que o desafio é imenso, mas tempos difíceis também evocam a história que nos inspira. Em 1946, Josué de Castro em seu célebre livro Geografia da Fome - O Dilema Brasileiro: Pão ou Aço, dizia que o silenciamento sobre a fome devia-se a interesses econômicos e políticos e a preconceitos. Passados 75 anos de sua obra que foi dedicada a romancistas da fome no Brasil – como Raquel de Queiroz, que escreveu O Quinze e José Américo de Almeida, autor de A bagaceira –, voltamos a ver e protestar contra esse flagelo da indignidade humana nos tempos atuais. Por isso, construímos nossa pauta de reflexões colocando no centro o Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas e à Soberania Alimentar, que nos orientam como princípios para repudiar as iniquidades, e, ao mesmo tempo, anunciar as resistências e propostas.
Falamos das expressões da fome e da pobreza; defendemos que o comer é um ato político; anunciamos a fundamental importância das políticas de abastecimento alimentar para a relocalização dos sistemas alimentares e o reconhecimento do papel da agricultura familiar e camponesa, articulado com o respeito a nossa sociobiodiversidade e o papel das mulheres na promoção da agroecologia. E buscamos analisar criticamente os impactos da Cúpula dos Sistemas Alimentares hegemonizado pelas corporações.
Nos 25 anos da formulação histórica do conceito de Soberania Alimentar pela La Via Campesina Internacional, queremos reafirmar o direito dos povos a alimentos nutritivos e culturalmente adequados, acessíveis, produzidos de forma sustentável e ecológica, e seu direito de decidir o próprio sistema alimentar e produtivo, acima das exigências dos mercados e das empresas. Sua concretização como perspectiva histórica vai se construindo com a defesa de sistemas alimentares baseados nos princípios da agroecologia como proposta emancipatória dos sujeitos de direitos nos campos, nas florestas, nas águas e nas cidades.
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Fonte: Revista Proposta - FASE