Pesquisadora questiona "dose segura" para agrotóxicos nos alimentos e na água
Convidada para a reunião plenária do Fórum Catarinense de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos (FCCIAT), que ocorreu na segunda-feira na sede do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), em Florianópolis, a imunologista Mônica Lopes-Ferreira, pesquisadora do Instituto Butantan, falou sobre os resultados do levantamento que apresentou em agosto deste ano, em que comprova que não há doses seguras para o consumo de agrotóxicos.
A pesquisa utilizou diferentes concentrações de 10 tipos de agrotóxicos, entre ao mais usados no país - abamectina, acefato, alfacipermetrina, bendiocarb, carbofurano, diazinon, etofenprox, glifosato, malathion e piripoxifem.
Mônica estudou a exposição do zebrafish – o peixe-zebra, ou paulistinha – aos defensivos agrícolas. O animal foi escolhido pela surpreendente semelhança genética que tem com o ser humano, que chega a 70%.
O estudo, feito a pedido da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), foi encomendado no ano passado. A divulgação dos dados, há pouco mais de dois meses, causou reação do Ministério da Agricultura, que contestou o levantamento.
Em entrevista ao NSC Total, a pesquisadora comenta os dados e reforça a necessidade de atenção às doses de defensivos usadas no Brasil.
Entrevista: Mônica Lopes-Ferreira
De acordo com a pesquisa que a senhora conduziu, há níveis seguros de agrotóxicos para o consumo humano?
Na análise que eu fiz, dos 10 agrotóxicos que pesquisei, em todas as doses, e foram doses consideradas padrão, (concluí que) a dose diária ideal não é segura. É tóxica, causa mortalidade, anomalias. Isso no teste que fiz, chamado toxicidade aguda. É um teste padronizado, aceito no mundo inteiro, e avalia a toxicidade. Pude verificar que essa dose, considerada padrão ideal, não é boa. Mas além dessa dose, testei outras. Cerca de 10 concentrações para cada agrotóxico. E, em todas, detectei mortalidade ou anomalia (dos peixes). Então, quando digo que é preciso ter cuidado, é porque (agrotóxicos) vão causar anomalias ou toxicidade. Afirmar que não existe (nível seguro) é uma coisa muito radical. O que eu digo é que as doses que testei, e não foram poucas, mesmo doses muito baixas de cada um deles, causaram toxicidade ou anomalia. Acho que esse é um cuidado que a gente tem que ter. E isso se reflete quando vemos a presença desses agrotóxicos nas nossas águas.
A água a preocupa?
O próprio estado aqui detecta agrotóxico nas águas. Isso é um reflexo de que as doses não estão corretas. Se estão sendo detectados nas águas, é porque as doses não são tão seguras. Outra coisa que acho importante: quando entramos em contato, seja na água, seja no alimento, é com a mistura de todos eles. Se individualmente, em diferentes concentrações, (agrotóxicos) já causam essa toxicidade, mortalidade e anomalia, imagine isso tudo junto. É um momento de reflexão, de mais estudos, de debates. Ainda mais agora, que estamos tendo uma liberação muito grande.
Não basta então prestar atenção ao alimento?
A água precisamos demais, para tudo. Para beber, para tomar banho, está na nossa agricultura, vem pelo lençol freático. Quando o próprio estado de Santa Catarina vem fazendo essa sistemática de monitorar os agrotóxicos na água, (mostra) que esse é um assunto importante. E esse monitoramento é só para 27 agrotóxicos. Mas olha quantos estão sendo liberados hoje. Os municípios vão analisar só 27, mas tem 500 liberados. Por isso merece uma atenção oficial. A água é fundamental.
Por que a opção por usar peixes em sua pesquisa?
Esse peixe se chama zebrafish (peixe-zebra). Nós temos 70% de homologia genética (com ele). Em termos de doenças, são 85%. É utilizado no mundo inteiro, são cerca de 6 mil artigos por ano publicados, usando esse animal. E esse teste de toxicidade é um teste referência. Temos a competência técnica e científica, e aparelhagem que permite que façamos esses testes. Por isso a Fiocruz/Ministério da Saúde nos procuraram.
É possível dizer que esses problemas que apareceram nos peixes podem afetar seres humanos?
É possível. Se somos iguais em 70%, a probabilidade (de acontecer o mesmo) conosco é de 70%. Quando vejo uma anomalia, um problema cardíaco, um edema, um animal com problema na coluna, uma deformação na boca, um animal que tem um atraso no desenvolvimento, isso tudo mostra que devemos ter atenção. Se está causando nos animais, tem grandes possibilidades de acontecer em humanos. Isso não é determinante em ciência, há tantos outros testes que têm que ser feitos. Mas significa dizer que não é seguro. Se está causando (problemas) num animal, que é 70% igual a mim, essas doses não são seguras. Se fossem, era para estar tudo ok, tudo normal. Serve de alerta. Você olha a literatura que já existe, sobre a correlação entre agrotóxicos e câncer, infertilidade, problemas endócrinos. A diferença é que agora fiz (testes com) 10 (agrotóxicos), e um leque de 10 concentrações para cada um deles. E dentro dessas concentrações, aquelas que são preconizadas pela literatura, pela Organização Mundial da Saúde, como seguras. Eu estou dizendo que precisa ter atenção. Que não é assim tão segura.
Essas doenças que a senhora citou são os principais problemas que podem aparecer?
Isso tudo só comprova o que está sendo visto em humanos. O teste mostra mortalidade ou (anomalias). Mas isso, vi para todos os agrotóxicos. Nenhum está livre de causar essas coisas. Essa é a grande preocupação.
SC levantou a questão da tributação dos agrotóxicos. Como vê essa iniciativa?
Todas as iniciativas que vêm trazer uma mudança significativa, trazem um movimento que a princípio assusta. Mas que é necessário. A gente precisa caminhar para um mundo melhor. Por que não dando às pessoas a possibilidade de escolha? Estamos vendo e comprovando que os agrotóxicos causam problemas. Mas se existem ainda aqueles que querem utilizar, são livres. A ciência está aí para mostrar que existe o outro lado. Nesse movimento que está acontecendo aqui está todo mundo de parabéns, inclusive pela coragem.
Fuente: NSC Total