Para além da métrica do carbono

Ao longo dos últimos dez anos, as "alterações climáticas" tornaram-se quase sinônimo de "emissões de carbono". A redução dos gases com efeito estufa na atmosfera, medidos em toneladas de "dióxido de carbono equivalente" (CO2e), tornou-se o objectivo primordial na procura da preservação do planeta. No entanto, não é concebível que uma abordagem tão simplista consiga resolver as crises ecológicas altamente complexas e interligadas que enfrentamos atualmente.

Por Camila Moreno, Daniel Speich Chassé e Lili Fuhr

BERLIM –O foco quase exclusivo da política ambiental global na "métrica do carbono" reflete uma obsessão mais profunda relativa à mensuração e à contabilização. O mundo rege-se por abstrações (calorias, quilômetros, quilogramas, e agora toneladas de CO2e) que são aparentemente objetivas e confiáveis, especialmente quando incorporadas na linguagem "especializada" (frequentemente no domínio da economia). Consequentemente, tendemos a ignorar os efeitos da história de cada abstração e as dinâmicas de poder e política que continuam a moldá-la.

Um exemplo-chave de uma poderosa e algo ilusória abstração global é o produto interno bruto (PIB), que foi adotado como a principal medida de desempenho e desenvolvimento econômico de um país após a Segunda Guerra Mundial, quando as potências mundiais se dedicavam à criação de instituições financeiras internacionais que deveriam refletir o poder econômico relativo de cada Estado membro. No entanto, atualmente o PIB tornou-se uma fonte de frustração generalizada, uma vez que não reflete a realidade da vida das pessoas. À semelhança da luz alta dos faróis de de um carro, as abstrações podem iluminar muito, mas podem igualmente tornar invisível aquilo que seu feixe de luz não alcança.

Ainda assim, o PIB continua a ser, de longe, a medida dominante da prosperidade econômica, refletindo a obsessão relativa à universalidade que acompanhou a expansão do capitalismo em todo o mundo. Os pensamentos complexos, matizados e qualitativos e que refletem as especificidades locais não são tão atrativos quanto as explicações lineares, abrangentes e quantitativas.

Quando se trata de alterações climáticas, esta preferência traduz-se no apoio determinado a soluções que reduzem ligeiramente as emissões “líquidas” (net, em inglês) de carbono - soluções que podem ser um obstáculo a grandes transformações econômicas ou comprometer a capacidade das comunidades para definir problemas específicos e criar soluções adequadas. Esta abordagem remonta à Cúpula da Terra realizada no Rio de Janeiro, em 1992, onde a política em matéria de clima entrou numa via acidentada e violenta de alternativas esquecidas. Ao longo dos últimos 25 anos, foram cometidos, pelo menos, três erros críticos.

Em primeiro lugar, os governos introduziram a unidade de cálculo CO2e para quantificar de forma coerente os efeitos de gases com efeito de estufa distintos, como o CO2, o metano e o óxido nitroso. As variações entre estes gases (em termos do seu potencial de aquecimento, do tempo que permanecem na atmosfera, do lugar onde são emitidos e da forma como interagem com os ecossistemas e as economias locais) são consideráveis. Uma única unidade de medida simplifica a questão de forma considerável, dando aos decisores políticos a possibilidade de prosseguirem com uma solução global destinada à concretização de um objetivo primordial específico.

Em segundo lugar, a cúpula da ONU sobre as alterações climáticas destacou as técnicas“de fim-de-linha” (métodos que visam a jusante a remoção dos contaminantes da atmosfera, como em uma chaminé). Isso permitiu aos decisores políticos desviar a atenção do objetivo mais desafiador do ponto de vista político, o de limitar, em primeiro lugar, as atividades que produzem tais emissões.

Em terceiro lugar, os decisores políticos decidiram concentrar-se nas emissões “líquidas”, considerando os processos biológicos que envolvem solos, plantas e animais em conjunto com os processos associados à combustão de combustíveis fósseis. À semelhança das instalações industriais, os arrozais e os bovinos foram considerados como sendo fontes de emissões, e as florestas tropicais, as plantação de monocultivos florestais e os pântanos como sumidouros de emissões. Os decisores políticos começaram a procurar soluções que envolviam a compensação das emissões no exterior ao invés da sua redução no próprio país (ou na fonte).

Em 1997, ano em que o Protocolo de Quioto foi adotado, uma “maior flexibilidade” estava na ordem do dia e o comércio de certificados de emissões (ou licenças para poluir) foi a opção política privilegiada. Decorridas quase duas décadas, o esforço para compensar as emissões não se consolidou apenas na política em matéria de clima, tendo chegado também ao debate mais abrangente em matéria de política ambiental.

Novos mercados para os chamados “ serviços ecossistêmicos” (ou serviços ambientais) estão surgindo em todo o mundo. Por exemplo, as medidas de compensação de zonas úmidas nos EUA constituem um dos mais antigos mercados desta natureza, implicando a preservação, melhoria ou criação de, por exemplo, uma zona úmida ou de um curso de água que “compensa” os impactos adversos de um projeto em um ecossistema semelhante situado em outro lugar. Para tanto, são emitidos certificados que podem se comercializados. Os regimes de compensação relativa à biodiversidade funcionam quase da mesma forma: uma empresa ou uma pessoa individual pode comprar “créditos de biodiversidade” (cujo produto é utilizado para apoiar a conservação da floresta) para compensar a sua pegada de carbono.

Se estes regimes parecem um pouco convenientes demais, é porque o são. De fato, esses têm por base o mesmo conceito errado do comércio de emissões e, em alguns casos, traduzem (ou equivalem) efetivamente a biodiversidade e os ecossistemas em CO2e. Em vez de alterar o nosso sistema econômico de modo a ajustá-lo aos limites naturais do planeta, estamos a redefinir a natureza para adaptá-la ao nosso sistema econômico e, nesse processo, acabamos por descartar outras formas de conhecimento e alternativas reais.

Atualmente, na sequência da Conferência das Partes (COP21) sobre as alterações climáticas, realizada em Paris, o mundo está prestes a evoluir novamente no mau sentido, ao aprovar a ideia de “ emissões negativas”, que pressupõe que as novas tecnologias serão capazes de remover CO2 da atmosfera. Contudo, estas tecnologias ainda não foram inventadas, e mesmo que o tivessem sido, a sua implementação seria extremamente arriscada.

Em vez de propormos soluções comprovadas (deixar os combustíveis fósseis no subsolo, fazer a transição da agricultura industrial para a agroecologia, criar economias que não gerem resíduos e restaurar os ecossistemas naturais), contamos com uma inovação milagrosa para nos salvar, um deus ex machina, no momento oportuno. A insensatez desta abordagem deveria ser óbvia.

Se a métrica do carbono continuar a moldar a política em matéria de clima, as novas gerações apenas conhecerão um mundo com restrições às emissões de carbono e, se tiverem sorte, com baixas emissões de carbono. Em vez de prosseguir em uma visão tão simplista, devemos procurar estratégias mais ricas destinadas a transformar os nossos sistemas econômicos para trabalhar no - e com - o nosso ambiente natural. Para tanto, é necessária uma nova forma de pensar que estimule o compromisso ativo de recuperar e conservar os espaços onde as abordagens alternativas podem crescer e florescer. Não será fácil, mas valerá a pena.

Tradução: Teresa Bettencourt

Fuente: Project Syndicate

Temas: Crisis climática

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