OMC - Um filme velho e sem graça
Não é um filme novo. Nós, as organizações e os movimentos sociais , já vimos essa fita em vários momentos anteriores das negociações comerciais internacionais, como no fim da Rodada Uruguai pré-OMC ou na Ministerial de Doha. E já sabemos os resultados previsíveis do processo. Por isso, insistimos em tentar alterar esse cenário previsível para que a lógica das negociações de comércio internacional possa ser profundamente alterada no sentido de atender aos interesses dos povos. Isso pode evidenciar a lógica de mais e mais concessões que a OMC impõe aos países menos desenvolvidos
Pelo direito de ter políticas nacionais!
Nenhum acordo é melhor do que um mau acordo!
No final do mês de Julho será realizada a reunião do Conselho Geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), etapa importante para as negociações de comércio internacional dentro da chamada “Rodada Doha”. A princípio a conclusão desta rodada estava prevista para a reunião ministerial de Hong Kong, em dezembro deste ano. Porém, diante dos impasses apresentados até agora, os negociadores já falam abertamente em estender o debate desta fase até 2006.
De acordo com o calendário das negociações, a reunião do Conselho Geral da OMC, em julho, deveria produzir um primeiro texto de aproximação entre as diferentes propostas que estão na ordem do dia. Este texto seria adotado como contribuição para a resolução da reunião ministerial do final do ano, em consonância com o chamado “Pacote de Julho”. É importante lembrar que o Pacote de Julho do ano passado desenhou uma estratégia para tentar concluir a Rodada já abaixo das pretensões originais.
Ao observar a situação em que se encontram as negociações nos vários grupos no interior da OMC é possível imaginar o nível de dificuldade que aguarda os representantes dos diversos países na reunião do Conselho Geral. De um lado, parece cada vez mais clara a impossibilidade política dos governos representantes dos principais mercados (EUA, Canadá, União Européia e Japão) em fazer concessões no principal tema de reivindicação dos governos dos chamados países em desenvolvimento – a agricultura. Por outro lado, esses mesmos governos ampliam a pressão em outras áreas que seguem em discussão (bens industriais e serviços, principalmente) visando obter ganhos por meio de fórmulas de rebaixamento de tarifas ou da imposição de “parâmetros” para a ampliação das ofertas em serviços.
Ao invés da barganha tradicional entre concessões em agricultura em troca de concessões em outras áreas, o que está em jogo é, aparentemente, um jogo de soma zero em que só um lado perde. Neste jogo, parece não restar alternativa para os chamados países em desenvolvimento , como o Brasil, a não ser aceitar as perdas do processo negociador desenhado em troca apenas do direito de continuar negociando. Ou, em um cenário ainda pior , uma disputa política e por mercados entre os próprios países em desenvolvimento e menos desenvolvidos, sob o olhar atento dos representantes das principais economias que aproveitariam para pressionar cada vez mais sem ter que oferecer nenhuma nova concessão. Tudo isso acentuado pela assimetria de poder entre os países e pelas questionáveis regras de construção de consenso que regem a OMC.
Nesse quadro, o que se pode esperar é pura e simplesmente um acordo vazio do ponto de vista de seus conteúdos, mas que salve as aparências e garanta a continuidade do processo negociador. Afinal, após os fracassos em Seattle e Cancun, uma nova reunião ministerial terminar sem acordo poderia sinalizar uma crise sistêmica e estrutural na OMC. Ainda assim, mesmo um acordo medíocre só seria possível com a disposição de governos de países considerados médios, como o Brasil, de impor novas perdas as suas sociedades. Estes países estarão sendo pressionados a se comprometerem com algum acordo, qualquer que seja, sob ameaça de serem responsabilizados por um eventual fracasso.
Não é um filme novo. Nós, as organizações e os movimentos sociais , já vimos essa fita em vários momentos anteriores das negociações comerciais internacionais, como no fim da Rodada Uruguai pré-OMC ou na Ministerial de Doha. E já sabemos os resultados previsíveis do processo. Por isso, insistimos em tentar alterar esse cenário previsível para que a lógica das negociações de comércio internacional possa ser profundamente alterada no sentido de atender aos interesses dos povos. Isso pode evidenciar a lógica de mais e mais concessões que a OMC impõe aos países menos desenvolvidos e colocar em discussão a própria OMC. O caminho de tentar maquiar o fracasso e os limites da negociação até o final do ano – reforçado pela pressão dos setores nacionais que se dispõem a resumir a política de negociação do país a uma tentativa de conseguir vantagens setoriais de mercado em troca de enormes concessões – só acabará impondo novas perdas.
É fundamental, portanto, não só parar e alterar esse rumo da negociação no exterior, como rediscutir a pauta derivada deste processo dentro do país: uma espécie de agenda ampliada da OMC que o Congresso vai aprovando sem discutir, e que inclui as discussões sobre acordos de investimento que dão garantias absolutas aos investidores externos, como a privatização dos Correios, do setor de resseguros e as Parcerias Público-Privado (PPP), que tratam de velhas demandas dos EUA e da União Européia, etc.
Do ponto de vista da Rebrip, o processo negociador na OMC é mais um dos elementos da disputa por um projeto de país. Não se trata de negociar simplesmente por negociar, e nem se deseja a obtenção de eventuais ganhos para setores econômicos restritos, como o agronegócio, às custas da imposição de enormes perdas para a grande maioria da sociedade. Especialmente, se os poucos ganhos que o agronegócio pode obter concentram-se no comércio de alimentos. Em um país onde a fome é um problema reconhecido pelo governo brasileiro, este tema deve ser tratado internamente e nos fóruns internacionais em coerência com suas próprias posições, expressas nos programas Fome Zero e Ação contra Fome e a Pobreza. Para isso, é fundamental em todos os espaços de discussão e negociação o direito de defender a agricultura familiar e camponesa, e de garantir salvaguardas à produção voltada para o mercado interno, para a segurança e soberania alimentar.
Não se trata de fazer mais concessões na área de bens industriais que podem complicar ainda mais a já difícil situação do emprego no país. Essas concessões também podem gerar novas pressões para redução dos salários, uma vez que reforçarão o chamado “discurso de competitividade”. Tampouco é possível fazer novas concessões na área de serviços, quando o país ainda se debate com o processo de desregulamentação dos anos 90, que gerou enormes prejuízos na prestação de serviços públicos de qualidade, e resultou em um grande e indefensável aumento de tarifas que apenas garante os lucros das empresas que participaram das privatizações.
O Brasil deve exercer o direito de defender a saúde pública, a indústria nacional e o amplo acesso a medicamentos, e não ceder às constantes pressões da indústria farmacêutica, representada nas negociações por países como os EUA.
Do ponto de vista das organizações e movimentos sociais, temos um longo caminho até Hong Kong, de resistência e discussão, que não se esgotará nessa reunião ministerial, já que o processo negociador da OMC provavelmente continuará nos próximos anos.
Em defesa do direito a proteger a agricultura familiar e camponesa e a segurança alimentar dos brasileiros e brasileiras
No Brasil, 4,1 milhões de estabelecimentos agrícolas são cultivados por agricultores familiares e camponeses. Estes estabelecimentos empregam 77% da mão-de-obra ocupada no setor agrícola, ou seja, aproximadamente 14 milhões de trabalhadores.
No ano de 2003, mesmo dispondo de apenas 30% da área, a produção familiar foi responsável por cerca de 38% do Valor Bruto da Produção Agropecuária Nacional e por 10,1% do Produto Interno Bruto Nacional.
Neste mesmo ano, em produtos como o feijão, o leite, o milho, a mandioca, suínos, cebola e banana, a participação da agricultura familiar foi superior ou próxima a 50% da produção total, o que mostra que a produção agrícola de base familiar não pode ser descrita apenas como sendo uma “agricultura de subsistência”, configurando-se como uma peça chave no abastecimento agroalimentar do país.
O direito de proteger a agricultura familiar e camponesa e a segurança alimentar e nutricional dos países em desenvolvimento encontra-se ameaçado pelas negociações em curso no âmbito da OMC.
Às vésperas da reunião do Conselho Geral crescem as pressões para que os países em desenvolvimento façam novas concessões no acesso a mercados de produtos agrícolas, serviços e produtos industriais, sem que os países desenvolvidos avancem na eliminação dos subsídios à exportação e na redução do apoio doméstico à sua já tão protegida agricultura.
A Declaração de Doha, que orienta politicamente a atual rodada de negociações da OMC, reconhece que as necessidades dos países em desenvolvimento, em especial a segurança alimentar e o desenvolvimento rural, devem ser levadas em conta enquanto parte integrante da agenda de comércio da organização. As questões relacionadas ao desenvolvimento rural e a segurança alimentar têm sido, no entanto, sistematicamente negligenciadas no jogo de forças que hoje se encontra estabelecido no cenário internacional, mantendo-se, na prática, uma série de mecanismos que hoje permitem a entrada, nos países em desenvolvimento, de produtos agrícolas altamente subsidiados nos países desenvolvidos.
No plano nacional, os interesses ligados à agricultura de exportação procuram reduzir os objetivos estratégicos da agricultura brasileira no plano do comércio internacional aos interesses setoriais do agronegócio. O acesso a novos mercados de produtos agrícolas, inclusive nos países em desenvolvimento, é defendido como sendo a principal meta a ser assumida pelo Governo Brasileiro na atual rodada de negociações na OMC.
Na perspectiva do agronegócio, a luta por um Tratamento Especial e Diferenciado e por mecanismos concretos capazes de proteger a agricultura dos países em desenvolvimento, incluindo aí os Produtos Especiais e Salvaguardas Especiais Agrícolas para Países em Desenvolvimento, são objetivos secundários e, no limite, uma moeda de troca nas mesas de negociação.
Coloca-se assim em risco os meios de vida de milhões de camponeses, agricultores familiares e assentados da reforma agrária e a soberania alimentar de milhões de brasileiros e brasileiras.
Em defesa do acesso, da autonomia e do controle social
A luta para descarrilar a OMC é hoje um dos eixos de unidade e ação dos movimentos sociais e organizações de todo o mundo. O Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (GATS) define as negociações de serviços no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). O GATS visa proteger os investidores e consolidar a liberalização progressiva dos serviços, derrubando inclusive legislações nacionais. Combinada à privatização, trata-se portanto de um instrumento para retirar o controle do Estado, das autoridades locais e da sociedade sobre esses setores, em muitos casos em benefício de empresas transnacionais. Tudo isso tem conseqüências sérias no acesso, principalmente das camadas mais pobres da população.
Água, eletricidade, telecomunicações, saúde, educação são setores especialmente preocupantes. Grupos de pressão que representam os interesses das transnacionais atuam nas negociações e procuram expandir sua abrangência no mercado global nessas áreas. Estes setores representam bases cruciais para o cumprimento dos direitos humanos e dos serviços sociais públicos, assim como os serviços de apoio básico requeridos pela produção agrícola e industrial.
Nem todas as leis que o país aplica internamente, em termos de liberalização, são consolidadas na OMC. Atualmente, em áreas como a de telefonia e energia elétrica, o Brasil aplica uma legislação muito mais liberal que os compromissos que assumiu cumprir no âmbito da OMC. O motivo é a irreversibilidade dos acordos firmados. Por enquanto, se quiser rever sua prática liberal, o país pode. Se assumir na negociação compromissos de abertura, o país corre o risco de ser punido no futuro, caso decida alterar sua maneira de atuar, restringindo alguma atividade.
A experiência da privatização da energia elétrica no Brasil indica os problemas trazidos pela liberalização e pela abertura comercial acelerada: aumento das tarifas, restrição no acesso, perda de controle do Estado, aumento do desequilíbrio nas relações de consumo, dificuldades para regular de maneira independente o setor, reclamações, cortes de fornecimento.
Recentemente, entrou em curso uma nova ofensiva para o aprofundamento do GATS, através dos métodos sabidamente anti-democráticos de pressão e mudança de regras que as grandes potências comerciais ditam na OMC. A consolidação do GATS é um dos principais passos da agenda corporativa da OMC rumo à VI Reunião Ministerial em Hong Kong. Por isso, para parar o GATS, organizações da sociedade civil de todo o mundo estão demandando aos governos que coloquem os interesses dos povos acima das Transnacionais.
As negociações de serviços têm sido usadas pelo governo brasileiro para barganhar acesso para produtos agrícolas nos mercados do norte. A Rebrip já expôs mais de uma vez sua oposição a essa lógica em que os direitos de brasileiras e brasileiros estão sendo tratados como moeda de troca para a obtenção de vantagens relativas de acesso a mercados que só representam ganhos para as elites do agronegócio. Principalmente porque, em alguns casos, tratam-se de serviços essenciais. A educação e a saúde são exemplos de direitos universais que não podem ser barganhados como estratégia de acordos para negócios lucrativos. Os riscos vão da elitização da educação universitária, seleção de clientes de menor risco nos seguros privados de saúde, perda de profissionais qualificados que atendem nos serviços públicos, à flexibilização que precariza esses serviços.
O posicionamento dos movimentos, ONG’s e coletivos brasileiros é fundamental para barrar o GATS. Recusando a consolidação desse acordo e as pressões das empresas transnacionais, o governo do Brasil, assim como o de outros países em desenvolvimento, têm poder para colocar em cheque a ofensiva liberalizante e tirar a OMC dos trilhos a caminho de Hong Kong.
Em defesa do direito de fazer política industrial e gerar empregos
A OMC coloca em risco atualmente nas negociações sobre Acesso a Mercados para produtos Não Agrícolas (NAMA), uma das poucas chances que os países pobres têm para atingir um desenvolvimento que não seja através da produção agrícola. E para aqueles países que já atingiram um certo nível de desenvolvimento, há ameaça de perda de empregos industriais, expropriação dos recursos naturais, florestais e pesqueiros.
No último mês de junho foram intensificados os trabalhos de consultas entre o grupo negociador sobre NAMA. A perspectiva era produzir um texto como primeira aproximação das diferentes propostas durante a reunião do Conselho Geral, em julho. Porém, as opiniões parecem convergir no sentido de que este objetivo está cada vez mais difícil de ser alcançado.
No parágrafo 16 do Mandado de Doha encontra-se a indicação de três grandes temas a serem acordados em NAMA: redução e eliminação de tarifas incluindo-se as tarifas altas, picos tarifários e escaladas tarifárias; redução e eliminação de barreiras não tarifárias e; liberalização de bens ambientais, em particular para os produtos nos quais os paises em desenvolvimento têm interesse exportador.
Até a primeira semana de julho, seis propostas foram apresentadas no processo de negociação em NAMA. A proposta da Argentina, Brasil e Índia (ABI) representa uma variação da fórmula que já foi rejeitada uma vez em Cancun. As demais propostas são reproduções ou variações da chamada Fórmula Suíça. Em todos os casos, a questões centrais dizem respeito a como determinar os coeficientes e a sua relação com as flexibilidades previstas no parágrafo 8 do Mandato de Doha.
Um eventual acordo em NAMA, com base nas propostas defendidas pelos Estados Unidos e seus aliados, teria como conseqüência para os países em desenvolvimento, uma redução tarifária em níveis muito superiores aos realizados nos países desenvolvidos, principalmente no caso de produtos com níveis de tarifas mais altos. Isto resultaria em uma redução drástica das margens de proteção da indústria nacional, com repercussões altamente negativas sobre o nível de emprego.
Entretanto, a ausência de avanços nas negociações em agricultura, principal tema de interesse dos países em desenvolvimento, é determinante para bloquear qualquer progresso em NAMA, já que estes países utilizam destas negociações, bem como das de serviços, como moeda de troca para conseguir concessões em acesso a mercado de produtos agrícolas. Felizmente, este cenário indica que as contradições próprias das negociações tornam mínimas as perspectivas para fechar um acordo agora em julho, que teria graves conseqüências para o emprego e para as políticas industriais nacionais. Mesmo assim, não podemos deixar de ficar atentos pois soluções para destravar as negociações poderão ser construídas até Hong Kong, em dezembro.
Em defesa do direito à preservação do meio ambiente
Do pau-brasil à soja, ou do descobrimento aos dias de hoje, a exportação de produtos primários é fator determinante da devastação ambiental no Brasil. Uma dívida externa que se eterniza e enormes desigualdades sociais são outros resultados deste mesmo modelo agro-exportador, sempre nutrido por políticas e investimentos públicos.
A atual política comercial do governo brasileiro segue, apesar de tudo, nesta mesma direção. Nas negociações em torno da próxima reunião ministerial da OMC, a ser realizada em Hong-Kong em dezembro próximo, prioriza a abertura dos mercados agrícolas dos países desenvolvidos, visando equilibrar as contas externas, gerar crescimento econômico e empregos, exportando bens de baixo valor agregado e alto conteúdo ambiental. Acena para o mundo desenvolvido com a possibilidade de negociar, em troca desta abertura, acordos sobre produtos industrializados, investimentos, propriedade intelectual, serviços e outros de interesse daqueles países.
A liberalização comercial e financeira das últimas duas décadas, estimulando o ingresso de capitais estrangeiros, produtos industriais e agrícolas importados, contribuiu para a fragilização da indústria local e da agricultura familiar. Pelo lado das exportações, o agronegócio é, novamente, o setor responsável pelo equilíbrio das contas externas.
Visto de fora, do ponto de vista dos grandes mercados consumidores de hoje, o Brasil é o país que reúne o maior potencial para “alimentar o mundo”, da ração animal ao alimento humano, passando agora também pelos biocombustíveis. Os países da Europa, a China, o Japão, já tendo consumido grande parte de suas reservas naturais, vêem o Brasil como o grande celeiro, onde estes recursos essenciais podem ser obtidos a baixo custo, em troca de produtos industriais de alto valor, ganhos no setor financeiro, sobre a propriedade intelectual e outros.
Visto de dentro, este modelo é aquele mesmo que já destruiu a Mata Atlântica e agora avança sobre o Cerrado e Amazônia. A monocultura de exportação toma o lugar das atividades econômicas tradicionais, como a agricultura familiar e o agroextrativismo e impede, também, a construção de novos caminhos. O agronegócio corrói o potencial que o Brasil tem para, a partir da utilização sustentável de sua rica biodiversidade, resolver seus graves problemas internos e, ao mesmo tempo, transformar sua pauta de exportações, baseada em uma produção intensiva em trabalho, biotecnologia diferenciada, de alto valor agregado, capaz de fazer frente à escassez de uma série de recursos naturais que já se faz presente no mundo, como no caso do petróleo.
Por isso, ao dever de preservar o meio ambiente no Brasil, deve corresponder, nas negociações comerciais preparatórias à rodada da OMC em Hong-Kong, a defesa de nosso direito à proteção do meio ambiente. Isto significa inverter radicalmente a política atual, que fere duplamente este direito, ao requerer crescente acesso aos mercados agrícolas e oferecer em troca o acesso facilitado a outro setores econômicos, cujo controle soberano é essencial à sustentabilidade.
O direito à preservação do meio ambiente, portanto, é outra face do direito de promover e proteger uma agricultura familiar sustentável, preservar a soberania na concessão e gestão dos serviços públicos, regulamentar a propriedade intelectual, subordinar o investimento externo e as atividades das empresas estrangeiras a estes mesmos interesses.
Em defesa do direito de proteger o acesso da população aos bens essenciais
Regularmente o fantasma da discussão sobre o aprofundamento e (re)formatação de regras nacionais de garantia do cumprimento do acordo TRIPS volta a rondar as pautas das negociações na OMC. O acordo TRIPS (sigla em inglês para Aspectos do Direito de Propriedade Intelectual Relacionado ao Comércio) foi um dos pontos controversos da implementação da OMC na década passada quando passou a estabelecer normas gerais de propriedade intelectual entre os países membros.
Os impactos do estabelecimento do TRIPS, já sentidos nos países em desenvolvimento, sobretudo com a inclusão da proteção patentária de medicamentos e alimentos, prometem aumentar ainda mais com a necessidade dos países se adequarem às cláusulas restritivas de direitos, como foi o caso recente da Índia. A Índia, clássica fornecedora de medicamentos genéricos para o mercado interno e para outros países pobres, a partir de uma emenda em sua Lei de patentes da década de 70, não poderá mais produzir, a partir de 2005, genéricos de medicamentos protegidos.
Os interesses por trás do acordo TRIPS estão cada dia mais claros e apontam exclusivamente para a defesa do monopólio e para o aumento da margem de lucros das empresas transnacionais. Esses lucros são alavancados na medida em que se estende e aprofunda a proteção a produtos essenciais a sobrevivência humana, como remédios e sementes.
Prova dessa afirmação é a forte pressão exercida pela indústria farmacêutica internacional para a desqualificação da medida legal, prevista inclusive no TRIPS, da licença compulsória, uma importante salvaguarda que possibilita alguma diminuição nos enormes efeitos perversos do sistema atual de patentes.
A declaração sobre o acordo de propriedade intelectual e a Saúde Pública, adotada em 2001 na reunião ministerial da Doha da OMC, reconheceu que o acesso a medicamentos devia ter primazia sobre os interesses de comércio. Sua intenção era encorajar os países a interpretar o tratado sobre propriedade intelectual de maneira a promover a saúde pública. Porém, desde então, muitos países têm agido de maneira a colocar os interesses da indústria farmacêutica à frente da saúde pública, dentro da própria OMC e também em negociações regionais e bilaterais. Países como os EUA defendem a ampliação do escopo do atual acordo, o chamado TRIPS plus, em detrimento dos pressupostos da Agenda de Desenvolvimento de Doha.
Diante do quadro desolador que se apresenta atualmente, que divide as nações em produtoras e consumidoras de tecnologia, e, portanto, detentoras ou dependentes das patentes e outras proteções
intelectuais, a sociedade civil não quer novos acordos, ou a ampliação dos atuais, no âmbito da OMC, já que entende que esse organismo multilateral não representa os interesses dos países em desenvolvimento. Ao contrário, queremos nosso direito de proteger o acesso da população aos bens essenciais, a manutenção e respeito às salvaguardas atuais e a humanização do comércio.
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Julho de 2005