Monoculturas de árvores exóticas no Brasil, resistência dos movimentos populares e repressão oficial
Sob mais um ataque da mídia nacional, dezenas de entidades e militantes sociais, que há vários anos constroem a Rede Alerta Contra o Deserto Verde, assinaram uma carta dirigida ao presidente Lula, procurando problematizar os últimos acontecimentos em torno dos incentivos oficiais às monoculturas de árvores exóticas no Brasil, da resistência dos movimentos populares e da repressão oficial: " A ofensiva das empresas de plantações afeta de forma ‘violenta', diariamente, dezenas de milhares de pessoas que vivem cercadas por eucaliptos e pinus, monoculturas que diminuem as possibilidades de sobrevivência dessas populações"
Mais um alerta presidente!
A ìntegra do documento:
Carta aberta ao Governo Federal
8 de março 2006: 2.000 mulheres ocupam o viveiro da Aracruz Celulose.
Você entende isso?
Ao Exmo. Senhor
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva
A corajosa e inédita ação das mulheres camponesas que arrancaram milhões de mudas de eucalipto no viveiro da Aracruz Celulose no RS gerou polêmica, debates, artigos; gerou reações das mais diversas e adversas. De certa forma, o deserto verde entrou na pauta nacional, mesmo que para a grande mídia a destruição de mudas de eucalipto tenha sido interpretada como “ato criminoso e terrorista” dos mais graves, cometido por lideranças criminosas e uma massa de mulheres manipuladas.
Contudo, quem se dispõe a analisar a questão sabe que essas mulheres camponesas não são terroristas ou criminosas: representam um segmento do povo brasileiro que tem grande preocupação com a justiça no campo, com o cuidado com a terra e a vida. Então, que contradição é essa?
O ato das mulheres provoca uma reflexão sobre estes trinta e nove meses deste Governo do Sr. Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, suas enormes contradições e os apelos da sociedade civil ao longo destes três anos para que o governo mude estruturalmente suas políticas nessa área. No que tange à monocultura de eucalipto e pinus, sobretudo a Rede Alerta contra o Deserto Verde denuncia há anos os grandes impactos negativos dessas monoculturas sobre as comunidades rurais locais (indígenas, quilombolas, camponesas, geraizeiras, sem-terra, pescadores), sobre o meio ambiente e sobre as regiões em geral, dos pontos de vista econômico, social, cultural e ambiental. A Rede se articula e promove ações e elabora materiais sobre os impactos no Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, e no estado da Bahia. A Rede se opõe à expansão desenfreada das monoculturas de árvores no Brasil e no mundo, e ao consumo ilimitado de papéis descartáveis por uma minoria da humanidade, sobretudo nos países do Norte, que se acham no direito de consumir, prejudicando a vida de populações em outros cantos do mundo.
Neste momento de debate sobre o deserto verde , é bom lembrar que:
1. Um dos primeiros setores que o Sr. Presidente recebeu em 2003, como Presidente recém-empossado, foi o Setor de Plantações de Monoculturas de Árvores. Os empresários propuseram ampliar, num prazo de 10 anos, a área plantada no Brasil de 5 para 11 milhões de hectares, ou seja, o plantio de 600 mil hectares de monoculturas de árvores a mais por ano. Este pedido foi atendido prontamente, incentivando a elaboração e aprovação do Plano Nacional de Florestas (PNF) no qual o Governo Federal se comprometeu com uma ampliação das plantações de árvores em 2 milhões de hectares até 2007.
No entanto, um dos setores que o Sr. Presidente não recebeu em 2003 foi um conjunto de Redes com mais de 800 entidades, incluindo a Rede Alerta contra o Deserto Verde.O objetivo da audiência era debater com o Presidente a proposta empresarial de ampliação das monoculturas de árvores e soja no Brasil. Posteriormente, a Rede Alerta contra o Deserto Verde solicitou em carta, ainda no ano de 2003, e em função dos 30 anos de experiências desastrosas com a monocultura de eucalipto para comunidades vizinhas, que o governo fizesse um grande debate com a sociedade antes de elaborar qualquer novo plano de expansão das plantações. Mas o Governo criou o Conselho Nacional de Florestas (CONAFLOR), para que acompanhasse a execução do PNF, claramente excludente para as populações tradicionais impactadas.
2. Para garantir a ampliação do setor, enganosamente chamado de “florestal”, o BNDES priorizou o setor de plantações de árvores - para produção de ferro-gusa e celulose de exportação - como setor prioritário nas suas políticas. Foram aplicados 1,5 bilhões de reais na fábrica da Veracel Celulose (50% da Aracruz Celulose e 50% da multinacional finlandês-sueca Stora-Enso), criando apenas 400 empregos diretos e indiretos na fábrica, mas sendo o maior investimento privado do Governo Federal. Outros bilhões de reais foram repassados para outras empresas. Além disso, até 2010, o Governo Lula garante mais 17,5 bilhões de reais para todo o setor. Com todos estes investimentos, o setor conseguiu ampliar a área total de plantações de árvores no Brasil de 5 para 6 milhões de hectares nos últimos 3 anos.
No entanto, a demarcação de 11.009 hectares das terras dos povos indígenas Tupinikim e Guarani no Espírito Santo, terras onde predomina imperiosa a cultura de eucalipto, ainda não foi efetuada pelo Governo Federal; um dos problemas alegados pelo Governo é que não há recursos para indenizar a Aracruz Celulose, invasora dessas terras. Em 2004, 3000 famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra ocuparam uma área da Veracel Celulose na Bahia. Fazem parte do contingente de milhares de famílias no Extremo Sul da Bahia e Norte do Espírito Santo que aguardam um pedaço de terra para trabalhar; novamente, o Governo Federal alega que não dispõe de recursos suficientes para viabilizar o assentamento dessas famílias, nem para alcançar as metas do Plano Nacional da Reforma Agrária.
3. Só depois de ter aprovado e planejado, através do Plano Nacional de Florestas (PNF), a ampliação das plantações de árvores no Brasil, o Governo Lula resolveu atender às críticas da Rede Alerta contra o Deserto Verde no sentido de elaborar um relatório, em 2005, sobre os conflitos relacionados à expansão das plantações de árvores e definir estratégias para minimizar os conflitos identificados. O resultado foi um relatório de 236 páginas, apontando inúmeros conflitos, provando de fato que a monocultura de eucalipto e pinus - as duas principais espécies plantadas no país - provocam sérios problemas onde foram implantados pelas empresas do Setor; o que muda apenas é o grau dos impactos negativos, que depende do contexto local.
O relatório governamental de conflitos foi engavetado pelo Ministério do Meio Ambiente, atendendo à pressão das empresas do Setor de Plantações que simplesmente não gostaram de ver publicado um relatório com tantas questões relacionadas a uma atividade que essas empresas consideram tão ‘sustentável'. Engavetados também continuam todos os demais relatórios de violações de direitos, denúncias, artigos, publicações, depoimentos, gritos, etc., enviados e entregues ao Governo Federal, e que trazem mais elementos dos conflitos entre empresas e camponeses, indígenas, geraizeiros, quilombolas, pescadores e trabalhadores. Tudo isso não resultou em nenhuma disposição por parte do Governo Federal para rever os planos de expansão em favor do setor empresarial.
4. Com os bilhões de reais de recursos recebidos do BNDES e de outros bancos, as empresas de eucalipto e pinus conseguem se ampliar e lucrar como nunca. Para derrotar e abafar as resistências locais, investem amplos recursos no financiamento de campanhas políticas de candidatos(as) a vereador, deputado, governador e presidente, dos quais dependem para ter o apoio necessário para seus planos. Investem nos meios de comunicação a nível nacional e regional para manipular a opinião pública sobre as “vantagens” do eucalipto, e sobre os “terroristas” e “criminosos” que combatem o eucalipto. Investem também em ONGs, comunidades e sindicatos, para desmobilizar a sociedade civil e combater os focos locais de resistência.
A ofensiva das empresas de plantações afeta de forma ‘violenta', diariamente, dezenas de milhares de pessoas que vivem cercadas por eucaliptos e pinus, monoculturas que diminuem as possibilidades de sobrevivência dessas populações. Trata-se de uma violência silenciosa e constante, sem cobertura do Jornal Nacional ou da Veja, ou de qualquer outro meio de comunicação a nível nacional. Os trabalhadores no eucalipto continuam ganhando uma miséria e sacrificam sua saúde para lidar diariamente com venenos. Ativistas contra o deserto verde, que apóiam as comunidades impactadas, estão sendo processadas. Trabalhadores quilombolas que retiram resíduos de eucalipto para fazer carvão para sobreviver são perseguidos pelas polícias e milícias armadas das empresas. Índios são feridos no Espírito Santo pela polícia e pela Aracruz, quando apenas defendem seus direitos e buscam reconstruir seu modo de vida no meio do eucaliptal.
Ao longo dos últimos anos, revoltados com essa situação, trabalhadores, camponeses, quilombolas, sem-terra, e outros cidadãos de vários estados estão se revoltando cada vez mais com os incentivos para a expansão de eucalipto e pinus. Mostram sua indignação com diversos atos, porque acham que este plantio que serve, sobretudo, para encher o bolso dos empresários é contra a vida, contra a ética, contra a decência e contra a dignidade.
8 de março, 2006: 2000 mulheres ocupam o viveiro da Aracruz Celulose. Você entende isso? Rede Alerta Contra o Deserto Verde
Fonte: rb.gro.sajaracmurof@sajaracmurof, Nº 16, 4/2006 - Propriedade da Terra