Monocultura da soja no sul do Maranhão: a "sojeira" da soja

É para desvendar a "sojeira" social e ambiental da soja, e do agro-negócio em particular, que eu queria apresentar alguns dados e constatações. Vou, portanto, falar um pouco da "sojeira" da soja. Mas não culpem a mim. O que eu vou dizer já foi dito em todos os pré-seminários, foi escrito em jornais e publicações científicas, foi publicado em documentos da CPT. Eu tentei só fazer um resumo e colocar as coisas de forma didática. A minha quer ser a voz do povo e dos agricultores

Acredito que um objetivo importante do nosso seminário seja a busca da verdade, ou, como se diz na linguagem jornalística, o outro lado. Contra a verdade hegemônica e o pensamento único sobre o agro-negócio e soja queria mostrar o que pensa o povo. Pois, no que diz respeito ao desenvolvimento do Cerrado e do Sul do Maranhão, de um lado está a opinião do governo (Ministério da Agricultura e equipe econômica), dos setores do agro-negócio e da grande imprensa, que repetem em todos os tons: "Exportar é o que importa", cantando loas, em particular à soja, a rainha das exportações. Do outro lado, está grande parte da comunidade cientifica: agrônomos, pesquisadores, economistas, políticos, cientistas sociais, como também, e sobretudo, os trabalhadores e os sindicatos rurais, juntamente com as pastorais sociais da Igreja (Comissão Pastoral da Terra -CPT, em particular), que não se cansam de alertar: a soja é um grande negócio econômico, mas tem um alto custo social e ambiental. Alguém, brincando com trocadilho escreveu: "a soja é um grande negócio econômico mas é uma grande ‘sojeira’ social".

É para desvendar a "sojeira" social e ambiental da soja, e do agro-negócio em particular, que eu queria apresentar alguns dados e constatações. Vou, portanto, falar um pouco da "sojeira" da soja. Mas não culpem a mim. O que eu vou dizer já foi dito em todos os pré-seminários, foi escrito em jornais e publicações científicas, foi publicado em documentos da CPT. Eu tentei só fazer um resumo e colocar as coisas de forma didática. A minha quer ser a voz do povo e dos agricultores.

1º. O agronegócio é gerador de violência

O agronegócio, cantado insistentemente pela grande mídia como o que mais dá certo hoje no país, é violento. A CPT no seu recente documento: "Conflitos no campo: Brasil 2003" afirma, respaldada em dados de pesquisa de campo, que mais do que pela grande propriedade, isto é o latifúndio tradicional, a violência no campo é causada hoje por um modelo agrícola calcado no agro-negócio exportador, que vem se expandindo e engolindo os ecossistemas do Cerrado, da Amazônia e do Pantanal.

Hoje, em nome do agro-negócio e do "progresso que ele traz", se mata e se desmata nos Cerrados e na Amazônia. Em 2003 a violência foi maior nos estados onde há implantação de agronegócio.

Dos 73 assassinatos de trabalhadores em 2003, 33 ocorreram no Pará, 9 em Mato Grosso. Os estados do agronegócio (MT, PA, TO, MA) são os estados onde há mais violência incluindo as 238 situações de trabalho escravo encontradas pelas equipes volantes do Ministério do Trabalho, que libertou, em 2003, 5.010 trabalhadores escravos.

2º. O agronegócio concentra terras, águas e rendas.

O agronegócio produz muito, exporta muita soja, arrecada muitos dólares, mas a um custo sócio-ambiental altíssimo.

Para funcionar precisa de muita terra e muita água (a irrigação de suas monoculturas consome 70% de água doce do país), e concentra renda, pois os maiores incentivos fiscais do governo vão para a agricultura de exportação, isenta de ICMS na produção e na comercialização.

3º. O agronegócio gera desemprego

Suas máquinas modernas, possantes, substituem a mão-de-obra no campo, num país cujo maior problema é o crescimento do desemprego. E quando o agronegócio usa mão-de-obra, usa mão de obra escrava!

Em cada 100 hectares se empregam apenas 2 trabalhadores. Aliás, este é o problema de toda a grande indústria mundial. As 500 maiores empresas transnacionais controlam 58% do PIB mundial, e empregam somente 1,8% da população mundial economicamente ativa.

4º. O agronegócio é devastador da natureza

De acordo com um pesquisador da Embrapa, apenas 6% da área do Cerrado se encontra intacta.

Imensas áreas de florestas e do Cerrado estão sendo ilegalmente desmatadas, muitas vezes com o sistema do "correntão" (dois tratores possantes ligados por uma corrente de aço), secando nascentes (ex: as nascentes do Rio Balsas) e mananciais, sugados pelo ralo das monoculturas, dos pastos de capim, das carvoarias...

Os agrotóxicos despejados por avionetas e tratores, estão contaminando o solo, água, ar e as plantações camponesas, causando doenças e mortes.
Nós queremos o desenvolvimento do Cerrado, mas com o máximo de Cerrado em pé.

5º. O agronegócio vai promover o êxodo rural em níveis alarmantes

Êxodo rural quer dizer: inchaço das periferias das cidades, migração forçada para os outros estados (ex. Amazonas e Roraima), ou para o exterior. O Maranhão é o estado que mais exporta mão-de-obra e de onde mais se emigra.

O avanço avassalador do agronegócio, se não for freado em tempo, provocará a retomada do movimento de êxodo rural no Brasil, que tem se mostrado estável desde meados da década de 90.

(O exemplo nos vem da Argentina, onde a expansão avassaladora do agronegócio levou quase à extinção dos movimentos camponeses. O agronegócio na Argentina expulsou todo mundo do campo e reina soberano. Por isso, A Argentina é o único país latino-americano, onde o movimento social mais forte é urbano e não rural: os piqueteiros.)

6º. O agronegócio é mais perigoso do que o latifúndio

A diferença entre o latifúndio e o agronegócio é que o primeiro, apesar de constituir um dos problemas sociais mais antigos do país, é um conceito "defensivo" (defende a sua propriedade privada, mesmo improdutiva); o agronegócio é "agressivo": ele exige a expansão territorial, destrói o meio ambiente e engole as terras dos pequenos agricultores e posseiros.

7º. O agronegócio produz só para exportar.

O que importa é exportar, sobretudo soja, a estrela do agronegócio. O aumento das exportações é verdadeiramente enorme. As da soja cresceram 35,2%, e passaram de 6,08 bi de US$, para 8,125 bi de US$.

Acontece que a situação da agricultura brasileira é ambígua, pois, ironicamente, em 2003, o Brasil teve que importar arroz, milho e trigo. Assim, o mesmo Brasil moderno do agronegócio que exporta, tem que importar alimentos básicos como arroz, milho, feijão, trigo e leite. Desta forma o agronegócio moderniza o país, mas na base de uma enorme contradição. Quem produz, produz para quem paga mais, não importa onde ele esteja na face do planeta, e não importa se às custas de privar o próprio país deste produto, obrigando as industrias nacionais a importá-lo de outros países. Desta forma a ganância dos que seguem o agronegócio vai deixando o país vulnerável no que se refere à soberania alimentar.

8º. O agronegócio não produz alimentos para alimentar os brasileiros

É preciso que o povo brasileiro saiba uma verdade escondida pelo mundo do agronegócio: a soja, o milho, os grãos produzidos pelo agronegócio são exportados para engordar as vacas, os porcos, as galinhas do primeiro mundo.

Segundo os dados do Censo Agropecuário do IBGE são as pequenas unidades que produzem a grande maioria dos produtos do campo. Esta realidade precisa ser esclarecida, pois há o mito de que quem produz no campo são as grandes propriedades. Não é assim.

Dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros, mais de 60% vêm da agricultura familiar.

Ela produz quase 70% de feijão, 84% da mandioca, 58% dos suínos, 54% da bovinocultura do leite, 49% do milho e 40% das aves e dos ovos. Mesmo na produção de carne bovina, a pequena propriedade rural contribui com 62,3%; enquanto a média propriedade com 26,4%; o latifúndio com 11,2%. A produção leiteira depende da pecuária familiar em 71,5%. O latifúndio produz apenas 1,9% do leite que bebemos.

"A Via Campesina" já tinha mandado um recado ao governo brasileiro e aos governos do mundo. Adaptando o adágio latim "Primum vivere, deinde philosophari", grita aos governos: "primum edere deinde vendere", quer dizer: "primeiro comer, depois vender".

9º. O agronegócio não deixa recursos (impostos) para os municípios

Por fim, é bom que o povo saiba, porque não é dito suficientemente claro, que o agronegócio da soja não deixa recursos para o município de Balsas, pois - como já foi dito - o agronegócio exportador tem isenção de ICMS. O que fica para Balsas é: desmatamento, perda da biodiversidade, desemprego migração, água poluída, rios envenenados, periferias inchadas, povo cada vez mais pobre.

O agronegócio vai bem, mas o povo vai mal. Esta é a história da "sojeira" da soja, que enriquece uns poucos ricos, ajuda a pagar a divida externa... E só.

A quem interessa esse modelo?

Por isso, em nome da verdade e, sobretudo, em nome da solidariedade à população camponesa do nosso Maranhão, temos a obrigação de denunciar que o agronegócio não é a solução nem para a economia nacional/estadual, nem para os problemas do campo.

10º. Cerrado: alternativas e protagonistas

Mas o nosso seminário não vai ser só para denunciar.
Depois das denúncias e protestos, as propostas, surgidas das oficinas. Queremos buscar alternativas e identificar protagonistas para um novo, um "outro" desenvolvimento do Cerrado. Queremos o desenvolvimento do Cerrado, com o máximo de Cerrado em pé e preservado. Acreditamos que isso é possível.

Existem no Cerrado outros Protagonistas, além dos grandes empresários, que têm outras propostas que não a monocultura da soja, e acreditamos que estas propostas são economicamente viáveis, portadoras de desenvolvimento social e ecologicamente não agressivas, mas sustentáveis.

Temos que escutar - como diz Leonardo Boff – o grito da Terra e o grito dos Pobres, más também o grito da Água, o grito dos jovens (que se suicidam em Alto Parnaíba) e o grito das gerações futuras.

Precisamos tomar providencias para preservar pelo menos o que resta, esperando que as gerações futuras sejam mais sábias, mais prudentes e mais responsáveis do que a nossa geração.

* Sacerdote diocesano que trabalha na Diocese de Balsas/MA. Pronunciamento no Seminário Bioma-Cerrado, realizado no Maranhão, de 7 a 10 de Julho/04.

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