Missão internacional de investigação constata impactos sobre os direitos humanos no Brasil causados por monocultivos para produção de agrocombustíveis

Por FIAN
Idioma Portugués
País Brasil

A FIAN – Organização Internacional de Direitos Humanos, trabalhando no âmbito do Direito Humano à Alimentação Adequada, junto com as agências de cooperação das igrejas Misereor, Pão para o Mundo e EED da Alemanha; a ICCO da Holanda; a HEKS da Suíça; assim como também de um representante da Organização de produtores agrícolas de África Ocidental ROPPA e de um acadêmico da Universidade de Halifax no Canadá, a pedido de organizações brasileiras da sociedade civil, realizou uma missão internacional de investigação para verificar in locus os impactos no Direito Humano à Alimentação Adequada a partir da expansão das monoculturas para agroenergia no Brasil. Entre os dias 03 a 10 de abril, a missão visitou 3 Estados do Brasil: Mato Grosso do Sul, Piauí e São Paulo.

MISSÃO INTERNACIONAL DE INVESTIGAÇÃO CONSTATA IMPACTOS SOBRE OS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL CAUSADOS POR MONOCULTIVOS PARA PRODUÇÃO DE AGROCOMBUSTÍVEIS

A “CESTA BÁSICA” É NOSSA TERRA

10 de Abril de 2008

ANTECEDENTES:

A FIAN – Organização Internacional de Direitos Humanos, trabalhando no âmbito do Direito Humano à Alimentação Adequada, com status consultivo ante à ONU, junto com as agências de cooperação das igrejas Misereor, Pão para o Mundo e EED da Alemanha; a ICCO da Holanda; a HEKS da Suíça; assim como também de um representante da Organização de produtores agrícolas de África Ocidental ROPPA e de um acadêmico da Universidade de Halifax no Canadá, a pedido de organizações brasileiras da sociedade civil, realizou uma missão internacional de investigação para verificar in locus os impactos no Direito Humano à Alimentação Adequada a partir da expansão das monoculturas para agroenergia no Brasil. Entre os dias 03 a 10 de abril, a missão visitou 3 Estados do Brasil: Mato Grosso do Sul, Piauí e São Paulo.

CONSTATAÇÕES PRELIMINARES DA MISSÃO INTERNACIONAL:

1. Visita ao Mato Grosso do Sul

Uma delegação da missão visitou o povo indígena Guaraní Kaiowá no Município de Dourados, Mato Grosso do Sul, que enfrenta sérias violações ao direito humano à alimentação por causa de falta de acesso e controle sobre suas terras ancestrais.

No ano 2005 morreram 25 crianças Guaraní Kaiowá por desnutrição devido à interrupção temporal do programa Cesta Básica de assistência alimentar. Embora o programa tenha sido retomado, os índices de desnutrição, risco nutricional e desnutrição severa se mantêm entre a população indígena de Dourados.

Atualmente a reserva de Dourados tem 3.500 hectares para 14 mil pessoas. Estas terras são escassas (0,3 ha por pessoa ou 25 ha por família extensa) e não são suficientes para produzir os alimentos necessários para esta população. Esta situação de acirramento afeta diretamente os costumes, tradições e hábitos culturais da população e altera totalmente os processos de produção de alimentação e de organização social das comunidades. Esta situação se traduz também num incremento aos conflitos e a violência internos.

Muitos indígenas ante a falta de alimento e outras fontes de renda alternativas se vêem obrigados a trabalhar no corte de cana [1]. Nos últimos três tem ocorrido uma ampla expansão da terra para o cultivo da cana no Estado de Mato Grosso do Sul, onde se encontram 11 usinas em funcionamento e um total de pelo menos 43 novas usinas aprovadas para construção no próximo período. Muitos membros do povo Guaraní Kaiowá estão em situação de super-exploração e sujeitos ao trabalho escravo. Prova disto é que somente no ano de 2007 foram libertados ao redor de 800 trabalhadores indígenas em regime ou situação análoga de trabalho escravo nas usinas no Mato Grosso do Sul.

Desde a década de 70, o povo Guaraní Kaiowá reclama seus territórios ancestrais. Por alguns anos já se encontra pendente a continuidade do processo legal de demarcação, aprovação e registro das terras identificadas como território ancestral deste povo. A pressão sobre o processo de demarcação de terras tem gerado violência interna e violência contra os indígenas e funcionários envolvidos no processo de demarcação, por parte dos fazendeiros que possuem terras no entorno das aldeias. O clima de tensão e ameaças se agrava no atual contexto de expansão da cana para a produção de álcool, agudizando a situação de vulnerabilidade do povo Guaraní Kaiowá.

2. Visita ao Piauí

Outra delegação da missão visitou a fazenda Santa Clara no Estado de Piauí, projeto de cultivo de mamona para a produção de biodiesel pela empresa Brasil Ecodiesel.

O projeto fica no Município de Canto do Burití a 330 km sul da capital estadual Teresina. O terreno de ao redor de 39.000 hectares foi temporalmente doado à empresa no ano 2004 pelo Governo Estadual Piauiense num contrato de uso por 10 anos. O mesmo instalou 20 agrovilas de 35 casas e assentou 700 famílias no ano 2005, que por sua maioria não eram agricultores antes, uma vez que moravam nos povos e pequenas cidades vizinhos em condições maioritariamente precárias. Atualmente vivem ao redor de 610 famílias assentadas.

A missão de investigação identificou os seguintes principais problemas:

a) Situação econômica/ ingressos

Os produtores da fazenda Santa Clara se encontram submetidos a um sistema rígido de pagamentos pela produção de mamona. A empresa pratica a redução de pagamentos quando os produtores não alcançam a meta de 3000 kg ano estabelecida no contrato. Ademais, segundo informações dos produtores, nenhuma família tem conseguido alcançar esta meta que tem se mostrado muito alta para o padrão produtivo da região, gerando desta forma acúmulo de dívidas com a empresa.

Pode-se também constatar que quanto à negociação dos preços, falta uma participação real dos produtores familiares e igualmente uma garantia de ingressos mínimos correspondentes a um salário mínimo mensal por família. Na prática o preço está insuficiente para cobrir as necessidades básicas das famílias. Isto provoca insegurança alimentar, fome e alimentação inadequada a população envolvida no projeto.

b) Terra

Existe uma confusão profunda a respeito da futura entrega das terras aos produtores familiares. Segundo eles a empresa lhes prometeu a entrega de três hectares com titulo definitivo após 10 anos de uso. A empresa mesma falou de 18,9 hectares a serem entregues a eles. Porém, segundo o Instituto de Terras do Piauí (ITERPI), só existe um contrato de uso entre o Governo do Piauí e a Brasil Ecodiesel. Não tem nenhuma garantia de que os assentados receberão qualquer lote de terra após os 10 anos.

c) Organização

A empresa esta intimidando os produtores nos seus esforços de organização. Esta medida foi executada mediante o corte de pagamentos por conta da participação dos trabalhadores numa manifestação por melhores condições de trabalho.

d) Modelo de produção

Obviamente existe uma concorrência entre a produção da mamona e de cultivos de alimentos para subsistência. Os produtores expressaram que prefeririam aumentar o cultivo de produtos como mandioca para seu consumo próprio.

3. Visita ao Estado de São Paulo

Uma terceira delegação da missão teve a oportunidade de visitar o Estado de S ã o Paulo, Estado muito avan ç ado em termos financeiros e empresariais, com cerca de ¾ da superfície agrícola de alguns municípios dedicadas ao monocultivo da cana para a produ ção de a çú car e álcool. Nos municípios de Riberão Preto, Guaiba e Araraquara a delegação se encontrou com sindicatos de trabalhadores rurais, agentes da Pastoral do Migrante e agentes do Ministério Público. A delegação pôde constatar que as condições de trabalho no setor canaveiro implicam uma série de violações aos direitos trabalhistas, mas também ao direito à alimentação e à saúde dos trabalhadores empregados neste setor.

Dentro dos principais problemas detectados destacam-se os seguintes:

A morte de cerca de 21 trabalhadores por exaustão desde 2004 no estado de São Paulo. Estas mortes constituem somente a ponta do iceberg de uma situação estrutural de super-exploração dos trabalhadores causada pelo sistema de pagamento por produção que está forçando os trabalhadores a trabalhar muito acima de seus limites, com gravíssimas conseqüências para sua saúde e sua expectativa de vida. Este tipo de relação trabalhista faz com que os trabalhadores não tenham condições propícias para alimentar-se por falta de pausas e pelas péssimas condições de alojamento que impedem a estocagem e a preparação adequada dos alimentos.

Por outro lado, a produtividade média dos cortadores de cana praticamente duplicou desde a década 80 para cá, passando de 6 para 12 toneladas/ homem/ dia atualmente, e a remuneração dos trabalhadores tem diminuído duas vezes ao mesmo tempo. Tendo em conta isto, e que os trabalhadores não podem controlar a quantidade da cana cortada, fica claro que a suposta eficiência da produção do álcool brasileiro e o enriquecimento das empresas que o produzem vem sendo subsidiado às custas da exploração dos trabalhadores.

Além dos sérios problemas relativos às condições de trabalho, a delegação constatou os impactos ambientais do monocultivo da cana, dentre os quais a poluição por queima de cana, a poluição de fontes de água e solos, a causa dos insumos químicos e do vinhoto gerados na produção de etanol, assim como a perda da biodiversidade e o desrespeito das provisões sobre a reserva legal.

A delegação também foi informada sobre o deslocamento dos cultivos alimentares, especialmente do feijão e do gado em relação a outras regiões do Brasil por causa da expansão da cana. As organizações entrevistadas expressaram sua profunda preocupação pela perda da autonomia alimentar no Estado e o aumento dos preços dos alimentos que se vem observando nos últimos meses. Causa preocupação o fato de que não existem planos de zoneamento agrícola e de uso de solos que garantam a proteção da agricultura familiar campesina para a produção de alimentos frente à expansão descontrolada da cana.

Algumas Recomendações

Com fins de garantir a observação dos direitos humanos, a missão recomenda ao Estado brasileiro:

- Agilizar o processo legal de identificação e demarcação dos territórios do povo Guaraní-Kaiowá, garantindo condições de segurança para os funcionários responsáveis em levar adiante este processo.

- No caso da Fazenda Santa Clara é preciso que o Governo do Piauí garanta a manutenção permanente das terras nas mãos das famílias assentadas com títulos seguros.

- É necessário que o Estado garanta a livre organização dos produtores em associações frente às práticas de intimidação e repressão da empresa Brasil Ecodiesel, na Fazenda Santa Clara, Piauí.

- A missão reconhece o trabalho importantíssimo que a Secretaria de Inspeção do Trabalho, em conjunto com o Ministério Público vem desenvolvendo para fiscalizar e garantir a implementação das leis trabalhistas no setor canavieiro no Estado de São Paulo. A missão recomenda o fortalecimento da capacidade institucional destas instituições para que possam garantir inspeções periódicas com especial atenção para emissão da Carteira Assinada de Trabalho (CAT), e para as condições adequadas de alojamento e alimentação.

- Avançar nas negociações e trâmites legais no sentido de solucionar o problema da super-exploração e violação dos direitos trabalhistas e buscar alternativas ao pagamento por produtividade em todo o sistema de produção canavieiro, o que se averigua em São Paulo, mas também ocorre praticamente em todo o país.

- Dar prioridade ao apoio da agricultura familiar, da reforma agraria, da produção diversificada de alimentos básicos para o consumo das famílias para garantir sua segurança alimentar e suas necessidades básicas, antes de incentivar o monocultivo de plantas agroenergéticas para a exportação.

Información visual:

Impresiones Misión investigadora

Entrevista Sofia Monsalve sobre Agrocombustibles y precios

Entrevista FERAESP sobre precios del ethanol

Entrevista con Relatora Nacional de Brasil para derechos al trabajo, alimentación y vivienda

Entrevista con José Batista, cortador de caña

Contacto: Sofia Monsalve, FIAN Internacional, gro.naif@evlasnom , www.fian.org

[1] Têm 10.000 trabajadores indígenas nas Usinas de Mato Groso do Sul y 1.500 na aldeia de Dourados.

Comentarios

09/05/2008
exploração, por silmara silva
na verdade os pais obrigam os filhos pra ajudar porque eles acham que os filhos tem que trabalhar desde cedo porque é melhor trabalhar do que ficar na rua.