Hidrelétricas na Amazônia e violações de direitos: Rondônia hoje, Pará amanhã?

Idioma Portugués
País Brasil

"A Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente da Plataforma de Direitos Humanos -Dhesca Brasil- manifesta seu apoio ao pleito dos atingidos e das atingidas e a decisão da Justiça Federal determinando que os consórcios responsáveis pelas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, em Rondônia atendam imediatamente as necessidades básicas das populações afetadas."

Quinta, 20 de março de 2014

"Tendo em vista a situação de calamidade pública que enfrenta a população de Rondônia em decorrência das enchentes em níveis e intensidade nunca antes vivenciados, a Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente da Plataforma de Direitos HumanosDhesca Brasil – manifesta seu apoio ao pleito dos atingidos e das atingidas e a decisão da Justiça Federal determinando que os consórcios responsáveis pelas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, em Rondônia atendam imediatamente as necessidades básicas das populações afetadas pelas enchentes e realizem novos estudos ambientais", afirma nota pública da Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente, Dhesca Brasil, em apoio aos atingidos pelas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira, publicada no dia 14-03-2014.

Eis a nota.

Tendo em vista a situação de calamidade pública que enfrenta a população de Rondônia em decorrência das enchentes em níveis e intensidade nunca antes vivenciados, a Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente da Plataforma de Direitos HumanosDhesca Brasil – manifesta seu apoio ao pleito dos atingidos e das atingidas e a decisão da Justiça Federal determinando que os consórcios responsáveis pelas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, em Rondônia atendam imediatamente as necessidades básicas das populações afetadas pelas enchentes e realizem novos estudos ambientais. A decisão da Justiça Federal responde à Ação Civil Pública (ACP) do Ministério Público Federal, Ministério Público do Estado (MP/RO), da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RO), da Defensoria Pública da União e da Defensoria Pública do Estado em Rondônia contra o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a Energia Sustentável do Brasil (Usina de Jirau) e a Santo Antônio Energia (Usina de Santo Antônio), estabelecendo um “nexo de casualidade” entre as obras das duas hidrelétricas e o agravamento dos danos causados pelas enchentes históricas do Rio Madeira.

De acordo com dados da Defesa Civil Estadual, até o dia 1 3 de março deste ano, essas enchentes haviam desalojado mais de 12.300 pessoas. Além disso, segundo a Secretária Municipal de Planejamento (SEMPLA) de Porto Velho, o prejuízo das mesmas pode chegar a R$ 1 bilhão até meados de março, atingindo a produção agropecuária, a soberania alimentar, a saúde e os transportes hidroviário e rodoviário da região. Os danos das inundações vêm se somar às inúmeras violações de direitos humanos e ambientais decorrentes da construção das duas hidrelétricas, como foi o caso das centenas de famílias expulsas de seus espaços de reprodução física, simbólica e material. Os impactos negativos do projeto já haviam sido identificados pela Relatoria do Direito ao Meio Ambiente, que em novembro de 2007 e abril de 2010 realizou missões de investigação e incidência em Rondônia após recebimento de denúncias de violações de direitos por parte de organizações locais, nacionais e internacionais. A Relatoria de Direito Humano ao Meio Ambiente esteve também no Pará em 2009, avaliando denúncias similares como consequência do projeto de construção da hidrelétrica de Belo Monte.

Durante essas investigações e nos relatórios das missões, a Relatoria identificou diversas ilegalidades nos processos de licenciamento dos dois projetos das hidrelétricas do Madeira e de Belo Monte, além de violações de direitos humanos fundamentais, como o do princípio de autodeterminação dos povos, da consulta prévia, livre e informada, do direito humano à informação e participação efetiva e ativa, do direito à saúde, a um meio ambiente equilibrado e à proteção da biodiversidade, à alimentação, à terra e território e acesso à moradia adequada, além de agressões ao patrimônio histórico e arquitetônico, crescimento desordenado das cidades, graves violações de direitos trabalhistas e crescimento de casos de exploração sexual. Os riscos de aumento de enchentes e da incapacidade das hidrelétricas de controlá-las já eram preocupações presentes.

Vale lembrar, inclusive, que o Relatório da Missão de 2007 ressaltava a necessidade de realização de um novo Estudo de Avaliação Ambiental, conforme parecer técnico 12/2007 do Ibama:

Dado o elevado grau de incerteza envolvido no processo; a identificação de áreas afetadas não contempladas no Estudo; o não dimensionamento de vários impactos com ausência de medidas mitigadoras e de controle ambiental necessárias à garantia do bem- estar das populações e uso sustentável dos recursos naturais; e a necessária observância do Princípio da Precaução, a equipe técnica concluiu não ser possível atestar a viabilidade ambiental dos aproveitamentos Hidrelétricos Sabnto Antônio e Jirau, sendo imperiosa a realização de novo Estudo de Impacto Ambiental, mais abrangente, tanto em território nacional como em territórios transfonteiriços, incluindo a realização de novas audiências públicas. Portanto, recomenda - se a não emissão da Licença Prévia.

Portanto, entre as recomendações da Relatoria que não foram contempladas pelo Estado brasileiro, estavam a paralisação dos processos de licenciamento e a concomitante instauração de um debate público a respeito das reais necessidades energéticas do país.

A situação atual de Rondônia, não é um fato isolado. Ela se dá no contexto de uma política energética do governo brasileiro que pretende construir muitas outras hidrelétricas na Amazônia, como Belo Monte, Teles Pires e a hidrelétrica no Tapajos no Pará, entre outras. Essa política, por sua vez, depende e provoca uma desregulamentação da política ambiental por meio de ilegalidades e da flexibilização dos processos de licenciamento, do enfraquecimento e sucateamento de órgãos de proteção às populações afetadas como a FUNAI, e de criminalização de movimentos e populações que lutam pela sobrevivência dos seus modos de vida e por uma relação harmônica e de interdependência com o meio ambiente. Embora a luta destas comunidades, constituídas em grande parte por populações negras, rurais e urbanas, indígenas e tradicionais, seja caracterizada pelo governo brasileiro e empreiteiras como obstáculo ao chamado progresso e desenvolvimento, na prática ela beneficia a sociedade brasileira como um todo quando questiona as injustiças e desigualdades, a insustentabilidade ambiental e o privilegiamento dos interesses econômicos dos setores empresariais envolvidos em grandes obras como as hidrelétricas.

Por isso, além de garantir a satisfação das necessidades básicas da população atingida pela enchente do Rio Madeira e exigir novos estudos ambientais das obras, o Estado brasileiro deveria responsabilizar os consórcios das hidrelétricas pelos danos sociais e ambientais verificados nas áreas de influência das duas hidrelétricas, que agravaram as consequências da cheia histórica verificada no Rio Madeira nos últimos meses, de forma a coibir repetições.

O Estado brasileiro deve também suspender as licenças de instalação das usinas não só do Madeira como também de Belo Monte e do Rio Tapajós. As violações de direitos e o mal dimensionamento dos impactos negativos nos licenciamentos ambientais, além do superfaturamento das obras, tem sido recorrentes em todos os projetos de hidrelétricas. Uma mudança radical da política energética brasileira para um projeto descentralizado, seguro e social e ambientalmente justo e a garantia, proteção e promoção dos direitos humanos e ambientais deve ser prioridade do Estado. Este processo passa por eliminar os incentivos do governo, por meio de recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a setores eletrointensivos, como alumínio, cimento, papel, zinco e níquel, que exportam energia barata, geram poucos empregos e são responsáveis por conflitos ambientais. Recomendamos também que o Estado brasileiro estabeleça mecanismos para garantir que as decisões sobre políticas energéticas não privilegiem apenas os setores empresariais, desconsiderando assim a diversidade de saberes e práticas das populações nos territórios impactados e os impactos negativos decorrentes de obras como hidrelétricas. Promover uma transformação no modo de produção e consumo de energia, a partir da perspectiva dos direitos humanos, é, hoje, condição essencial para que o governo cumpra com seus deveres frente às necessidades e os direitos de todos e todas.

14 de março, 2014

Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente
Cristiane Faustino da Silva
Relatora da Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente
Marijane Lisboa
Ex-Relatora da Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente
Guilherme Zagallo
Ex-Relator da Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente
Fabrina Furtado
Assessora da Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente
Cecília Mello
Ex-Assessora da Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente
Juliana Neves Barros
Ex-Assessora da Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente

Fonte: IHU

Temas: Megaproyectos

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