"Direitos Universais dos Atingidos por Barragens" são proclamados em Belo Monte
"Todos nascemos livres, somos iguais em dignidade e temos o direito de dizer NÃO às barragens; todos temos direito à participação direta, prévia, informada e deliberativa sobre os projetos que afetarão as nossas vidas; fica estabelecido que a água e a energia não podem ser vendidas como mercadorias; todos as pessoas têm direito a energia elétrica como um bem de uso público e acesso gratuito..."
09/09/2013
Ao final de celebração religiosa dentro do canteiro de obras, atingidos por Belo Monte proclamam "Direitos Universais dos Atingidos por Barragens"
Por Antônio Claret, militante do MAB e missionário na Prelazia do Xingu
Representantes de comunidades da Área Pastoral Belo Monte, onde está sendo construída a 3ª maior hidrelétrica do mundo, participaram de celebração dentro do canteiro de obras (km 50), nesse dia 7 de setembro. A missa foi no espaço ecumênico do canteiro, denominado Murupiara, traduzido pelo funcionário da Norte Energia como ‘lugar onde se reúnem pessoas felizes’. Uma ironia e contradição ao mesmo tempo!
Ao final da celebração, participantes de movimento sociais que vem acompanhando a reação indignada das comunidades, diante da condição desumana imposta aos trabalhadores da obra e da expulsão de atingidos de suas terras, proclamou a Declaração Universal dos Direitos dos Atingidos por Barragens.
São eles: todos nascemos livres, somos iguais em dignidade e temos o direito de dizer NÃO às barragens; todos temos direito à participação direta, prévia, informada e deliberativa sobre os projetos que afetarão as nossas vidas; fica estabelecido que a água e a energia não podem ser vendidas como mercadorias; todos as pessoas têm direito a energia elétrica como um bem de uso público e acesso gratuito, necessário ao bem viver; todos temos o direito à melhoria das condições de vida existentes antes das barragens e à reparação de todas as perdas, materiais e imateriais, individuais e coletivas; todos temos direito ao reassentamento e a não ser tratados como uma mercadoria que se pode comprar ou indenizar; todos temos o direito à negociação coletiva das reparações justas e a liberdade de escolher entre as opções estabelecidas; os indígenas, quilombolas, ribeirinhos e populações tradicionais têm direito a preservar seu modo de vida e suas comunidades; as águas têm o direito de não ser barradas e as árvores de não ser derrubadas para a construção de barragens; fica proibida a exploração sexual das mulheres e crianças como negócio assessório e necessário à construção de barragens; fica proibido o confinamento de trabalhadores em canteiros de concentração de obras; o Estado e os governos têm o dever de proteger os direitos de mulheres e homens, crianças e idosos, sejam atingidos ou trabalhadores, indígenas, populações anfitriãs ou tradicionais, assim como os direitos dos peixes, dos demais seres vivos e da natureza; ficam revogados todos decretos de apropriação concedidos pelo Estado ao capital, empresas nacionais ou internacionais, grandes ou pequenas, bem como os privilégios concedidos ao concreto, ligas de aço, turbinas e geradores, lucros e bolsas de valores; o capital e as empresas têm o dever de pagar a conta da poluição, violação de direitos e impactos causados pelas barragens; todos temos o dever de lutar contra as barragens e pela conquista e ampliação desses direitos.
Padre Jorge, coordenador da Área Pastoral Belo Monte e presidente da celebração, afirmou que a independência do Brasil, ‘esse país bonito’, ainda precisa ser construída, e chamou a atenção para a importância da organização do povo: ‘o engajamento cristão nos liberta das injustiças e da exploração, e nos ajuda a ter esperança’, disse.
Exploração e injustiça
O operário C. relatou em reunião pastoral que eles são obrigados a trabalhar todos os sábados e dois domingos por mês. ‘Ficamos tão cansados que não conseguimos participar de mais nada’, disse. Ainda segundo C., isso se deve ao ritmo acelerado da obra, querendo adiantar o fechamento do lago previsto inicialmente para o final de 2014. Ele informou ainda que os ônibus de Brasil Novo e Vitória do Xingu que transportavam os trabalhadores já foram cortados e que a Norte Energia vai tirar os de Altamira até o final deste ano. ‘Só contratam agora com a condição de ficar confinado no canteiro, e quem quiser ir à casa tem 6% de desconto no próprio salário’.
Dona Antônia, que morava na Comunidade Santo Antônio, totalmente destruída por Belo Monte, foi à celebração e aproveitou para ‘matar saudades’: ‘aqui era terra do Raimundão, quem diria, ficou tudo diferente!’. D. Antônia tem 63 anos, teve 18 filhos (13 vivos), e revelou, com olhar triste: ‘quando passo ali no nosso pedacinho dá vontade de chorar, porque a gente não queria sair. A gente saiu porque é obrigado! Depois que mudei, já passei por três lugares e não me dei bem. Agora estou no 18 (Km 18, Comunidade Leonardo da Vinci). Se fosse para voltar para o lugarzinho debaixo de um barraco de lona, vinha batendo palma’.
Senhor Cândido, da equipe de Qualidade de Vida’ da Norte Energia, justificou a celebração dizendo que ‘faz parte do conjunto de atividades para o trabalhador se sentir bem’. A empresa estranhou a ‘declaração dos direitos’, mas Bruno, também da equipe, disse que entende o que chamou de ‘posicionamento ideológico’.
Fuente: MAB