Conversas Cidadãs debate uso de agrotóxicos. ‘Estamos aniquilando a nós mesmos’: Larissa Mies Bombardi
"Um terço dos agrotóxicos vendidos no Brasil são proibidos na União Europeia. Ela destaca que o produto mais popular, o Glifosato, que tem mais de 194 milhões de toneladas vendidas ao ano no País, será proibido na França a partir de 2022 e é considerado potencialmente cancerígeno pela Organização Mundial de Saúde (OMS)."
Por
Luís Eduardo Gomes
“Estamos aniquilando a nós mesmos”, é assim que a pesquisadora Larissa Mies Bombardi, do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), define os atuais níveis de consumo de produtos químicos na agricultura brasileira. Autora do atlas “ Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia”, Larissa foi a palestrante da noite de terça-feira (23) do Conversas Cidadãs, evento realizado em parceria entre o Sul21 e o Instituto Goethe.
Instigada pelo mediador e editor do Sul21, Marco Weissheimer, sobre a importância da discussão sobre agrotóxicos no Brasil atual, a pesquisadora destacou que este é um tema central na conjuntura política brasileira, tanto no presente, quanto para o futuro, pois os eleitores que vão às urnas no domingo (28) também estarão decidindo pelo modelo de agricultura e de regulação de agrotóxicos que terão pela frente. Salientando que a próxima composição do Congresso estará fortemente ligada a setores que defendem o agronegócio – e que mesmo uma vitória de Fernando Haddad (PT) não garantiria um futuro próximo positivo para o setor -, Larissa acredita que uma eventual vitória de Jair Bolsonaro (PSL) daria ainda mais poder ao grupo que tem se caracterizado por defender o lobby dos agrotóxicos.
Ao abrir sua palestra, a pesquisadora disse que costuma tomar emprestada uma frase do escritor uruguaio Eduardo Galeano, tirada do livro “Veias Abertas da América Latina”, para explicar a importância da discussão sobre agrotóxicos: “A autodeterminação começa pela boca”. Para a professora, pensar a autodeterminação nesses termos é um dos grandes desafios sociais modernos e um verdadeiro “ato político”, dado que não se pode pensar a produção do alimento sem levar em conta a distribuição fundiária do País.
Larissa aponta que, a partir dos anos 2000, o Brasil voltou a ser extremamente dependente do agronegócio, com os produtos primários passando os manufaturados na pauta de exportações. “Sete dos 10 produtos mais exportados vêm do agronegócio”, diz. Ela destaca que a maior parte desses produtos exportados são produzidos em monocultura. Aponta, por exemplo, que a área cultivada pela monocultura de eucalipto no Brasil é equivalente a duas vezes e meia o tamanho da Bélgica e quase uma vez o tamanho de Portugal. No caso da cana de açúcar, essa monocultura ocupa uma área equivalente a três vezes e meia a Bélgica. Já a soja, que ocupa 33 milhões de hectares, sendo a maior monocultura do País, ocupa um espaço equivalente a 11 Bélgicas.
O atlas informa que, entre 2002 e 2016, a produção de soja quase dobrou no Brasil. Outra monocultura, a da cana de açúcar, também apresentou um aumento expressivo, enquanto foram reduzidas as áreas destinadas à produção de arroz, feijão, trigo e mandioca. “A gente tira do alimento o valor de uso e atribui o valor de troca. É isso que a gente tem vivido, o que impacta tanto a questão da saúde humana, como ambiental”, diz.
Além de a pauta exportadora levar a uma maior concentração em produtos oriundos da monocultura em detrimento de alimentos que chegam à mesa dos brasileiros, também traz de arrasto o fato de que são produções que demandam maior uso de agrotóxicos. De todo o agrotóxico produzido no Brasil, 52% é vendido para ser utilizado em lavouras de soja. “O Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxico, consome um quinto de tudo que é vendido no mundo. E a gente vem numa escalada muito grande desse consumo. Em 15 anos, mais do que dobrou”, diz.
Ela destaca que, entre 2007 e 2014, o Ministério da Saúde registrou 25 mil notificações de contaminação por agrotóxico, sendo 2.181 delas em crianças. Contudo, ela diz que o próprio ministério considera que apenas um a cada 50 casos de intoxicação são notificados, o que levaria a uma estimativa de 1,2 milhão de casos no período. Nestes oito anos, foram registradas 1.186 mortes por intoxicação, ou uma cada dois dias e meio.
Envenenamento
Outro dado presente no levantamento de Larissa é que um terço dos agrotóxicos vendidos no Brasil são proibidos na União Europeia. Ela destaca que o produto mais popular, o Glifosato, que tem mais de 194 milhões de toneladas vendidas ao ano no País, será proibido na França a partir de 2022 e é considerado potencialmente cancerígeno pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Outros dois que contam entre os mais vendidos no Brasil já são proibidos na UE, sendo o Acefato (3º mais vendido) vetado desde 2003, mas liberado por aqui mesmo com a Anvisa tendo produzido uma nota técnica apontando que trata-se de um produto neurotóxico e provavelmente cancerígeno.
Essa tolerância maior no Brasil também se reflete nos índices permitidos de resíduos de agrotóxicos em outros produtos. Por exemplo, o café vendido no Brasil pode conter um índice de resíduo de Glifosato 10 vezes maior do que na UE. Na cana de açúcar, a tolerância é 20 vezes maior. Na soja, 200 vezes maior. Na água potável, 5.000 vezes maior. “Se uma criança de 20 kg ingerir 200 g de soja num dia, ela terá extrapolado em 20% o que seu corpo poderia consumir”, diz.
A professora salienta ainda que o chamado PL do Veneno, que tramita no Congresso Nacional, pode desregulamentar ainda mais o mercado de agrotóxicos. “Hoje, para aprovar um novo agrotóxico, é preciso a liberação dos ministérios da Agricultura, do Meio Ambiente e da Saúde. Se o projeto passar, a autorização dependerá só da Agricultura”, diz, acrescentando ainda que uma das medidas propostas prevê a autorização provisória sem precisar passar nem mesmo por uma avaliação técnica, desde que tenha sido autorizado previamente em três países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). “Se, de um lado, a gente tem na OCDE países da União Europeia e o Japão, que são rigorosos, temos também o México, o Chile e a Turquia, que são bem ruins nesse sentido”, diz, ao explicar o que pode acontecer.
Na segunda parte do Conversas Cidadãs, foi exibido o documentário “ Substantivo Feminino”, que conta a história de 30 anos de ativismo e luta de Giselda Castro e Magda Renner, que ajudaram a pautar a Constituinte de 1988 e a mudar a forma como se discutia meio ambiente no Brasil.
24 de outubro, 2018
Fonte: Sul 21