Carta pública ao Congresso Mundial da IUFRO: Plantações não são Florestas!
Carta pública de organizações brasileiras ao Congresso Mundial da União Internacional de Organizações de Pesquisa Florestal (IUFRO), os dias 29 de setembro a 5 de outubro de 2019 em Curitiba, Brasil
Entre os dias 29 de setembro e 5 de outubro, estará ocorrendo em Curitiba, Paraná, o Congresso Mundial da IUFRO (União Internacional das Organizações de Pesquisa Florestal). Trata-se de um evento que tem o apoio do governo federal brasileiro e da FAO, onde se reunirão empresas, pesquisadores e governos para debater sobre “as inovações tecnológicas, bem como para atualização sobre os mais recentes resultados de pesquisa e as tendências para o futuro da pesquisa florestal e agroflorestal em todas as partes do globo”. No entanto, a “pesquisa florestal” que a IUFRO está promovendo se concentra no incentivo a plantações industriais de árvores, na promoção das árvores transgênicas e na publicização de falsas soluções para a crise climática, como o “armazenamento de carbono” em monoculturas de árvores.
A invasão das empresas transnacionais de celulose nos territórios dos povos e comunidades tradicionais intensificaram significativamente os conflitos no campo, ameaçando a manutenção e destruindo seus modos de vida. Os milhões de hectares de terra que foram usados para o cultivo de árvores exóticas, implementado no Brasil por empresas transnacionais, levam o falso nome de “reflorestamento”. Na verdade, o monocultivo de árvores tem formado verdadeiros desertos verdes, impactando drasticamente na sociobiodiversidade do país.
Observando o avanço dos monocultivos de árvores exóticas e sentindo seus efeitos, diversas organizações de todo mundo se unem para repudiar o Congresso Mundial da IUFRO, afirmando categoricamente que plantações não são florestas!
21 de setembro 2019
Dia Internacional de Luta contra as Monoculturas de Árvores
Carta pública de organizações brasileiras ao Congresso Mundial da IUFRO – União Internacional de Organizações de Pesquisa Florestal –, que ocorrerá entre os dias 29 de setembro a 5 de outubro de 2019 em Curitiba, Brasil
No Brasil, país que detém vários biomas, com florestas existentes em cada um deles e com ampla diversidade de plantas, animais e comunidades humanas, um grupo restrito de empresas e pesquisadores, com apoio do governo, insiste na implantação de monoculturas de árvores exóticas, para exportação de celulose e madeira, chamando essa prática de “reflorestamento”.
Isso não é real, pois as florestas envolvem ecossistemas diversos e interdependentes, mesclando funções realizadas por diferentes tipos de animais, vegetais e fungos, articulados por uma multiplicidade de fatores bióticos e abióticos. Dentre outras coisas, as florestas são responsáveis pela produção e reprodução dos ciclos hídricos em todas as regiões, com papel crucial em áreas tropicais, onde os solos necessitam de ampla cobertura vegetal para armazenar água e preservar nascentes. Grandes áreas cobertas por uma única espécie vegetal não são florestas, mas monoculturas que incentivam a seca, e constituem “desertos verdes”, tanto no sentido ambiental quanto no social e no cultural.
Neste sentido, as monoculturas de árvores representam um modelo nefasto para as comunidades e seus territórios. Seu avanço no Brasil tem destruído tecidos sociais e expulsado do campo populações camponesas, indígenas, povos e comunidades tradicionais – como quilombolas, geraizeiros, dentre outras. Invadindo terras, desestruturando importantes sistemas produtivos locais e destruindo a produção de alimentos, comprometendo a segurança alimentar e a base econômica daqueles territórios, esse modelo não apenas esteriliza os solos como também – e principalmente – vem eliminando aspectos fundantes da memória e da cultura nacionais, que deles dependem. Trata-se da destruição de atividades produtivas e hábitos sociais amistosos ao ambiente e historicamente adaptados, em processos coevolutivos, sem qualquer compensação real. Não são gerados empregos, as fontes de água se exaurem, o uso de agrotóxicos dissemina doenças, provocando abortos e malformações fetais, que se expandem socializando a crise e o medo. Em cada região, a história se repete, afetando especialmente as mulheres, crianças e pessoas idosas.
No caso do eucalipto, os impactos se dão de forma acelerada, pois os clones atuais crescem tão rápido que em determinados lugares as empresas cortam as árvores com três anos de idade. Os recursos públicos canalizados para pesquisas que viabilizam esses resultados privativos das empresas evidenciam a injustiça de um sistema que ameaça de forma concreta direitos humanos fundamentais de populações inteiras.
O Brasil foi o primeiro país da América Latina a autorizar o plantio comercial de um eucalipto transgênico. A aprovação foi obtida em 2015 pela Suzano, hoje a maior empresa de plantações de eucalipto e um dos maiores latifundiários do país. Aquele eucalipto transgênico passou por uma modificação genética que resultou em ganho de produtividade industrial, reduzindo o ciclo de corte em 20%. Essa aprovação ocorreu para atender os interesses do capital, ignorando incertezas sobre impactos ambientais e socioeconômicos dessa tecnologia. A introdução das árvores transgênicas pode significar um grande impulso para outro ciclo de expansão das monoculturas de árvores pelo país e, portanto, gerar mais e maiores danos.
O eucalipto transgênico contém gene marcador que confere tolerância a antibióticos, gene npt-II, que pode se fazer presente no mel e em outros produtos apícolas. Seus impactos sobre a saúde são desconhecidos e, por isso, ele gerará um impacto econômico sobre centenas de milhares de apicultores, que perderão acesso a mercados internacionais de produtos orgânicos. No momento, outras árvores transgênicas (eucaliptos e cítricos) estão sendo avaliadas no Brasil, com apoio da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).
Para atender nossa população, o governo deveria promover diversificação de plantios, em pequena escala, para múltiplos fins e sob o controle das comunidades locais. Deveria estimular a adoção de modelos de base agroecológica ao invés de beneficiar transnacionais que se apropriam de incentivos financeiros e fiscais enquanto destroem possibilidades de vida de nossos povos e comunidades. É importante frisar que hoje enfrentamos uma situação particularmente nefasta e inédita, na qual o presidente da república se declara inimigo do ambiente natural e estimula a destruição da floresta amazônica, da mata atlântica, do cerrado, da caatinga, do pantanal, do pampa e da zona costeiro-marinha, ameaçando inclusive a todos os brasileiros que se manifestam em defesa da socio-eco-biodiversidade até aqui preservada. Todos os biomas estão altamente ameaçados pelas políticas desse governo, que incentiva o agronegócio, o garimpo, a mineração e o desprezo aos direitos dos povos indígenas e comunidades quilombolas, entre outros. O governo está desmontando a fiscalização e as legislações ambientais e trabalhistas, excluindo a sociedade civil das decisões sobre essas políticas e incentivando invasões dos territórios indígenas, camponeses, quilombolas e de outras comunidades tradicionais. Além disso, está a facilitar o porte de armas de fogo, ao mesmo tempo em que dissemina ódio contra os movimentos sociais e ambientalistas, aumentando os níveis de violência no campo e nas cidades.
Tudo isso beneficia as grandes empresas que lucram com monoculturas de árvores. O Governo Bolsonaro evidencia sua cumplicidade com aquelas empresas ao anunciar, em junho deste ano, que o Ministério da Agricultura pretende apoiar a expansão da área ocupada com monoculturas de árvores em mais dois milhões de hectares até 2030. Repete, como marketing, o falso argumento de que essas plantações ajudariam a reduzir a pressão sobre as florestas, que seguem devastadas para a plantação de pasto e monoculturas. Aliás, e por si, só a expansão dessas plantações se destaca entre as causas de destruição de áreas conservadas em todos os biomas do Brasil. A forma como o governo brasileiro está lidando com essa tragédia levou um grupo de advogados ambientais e de direitos humanos a denunciar o presidente Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional de Haia, por crimes ambientais e contra a humanidade.
Entretanto, desde que surgiram no Brasil as primeiras plantações, nasceu também a resistência. Desde então, é crescente a indignação de mulheres e homens diante da real situação de pobreza promovida pelas plantações: pobreza ambiental, social, econômica e espiritual. Enquanto as monoculturas de árvores se espalhavam, muitas pessoas se uniram na luta contra elas, no campo, nas cidades, nas universidades. Foi criado o Dia Internacional de Luta contra as Monoculturas de Árvores, onde o povo reafirma que quer viver em liberdade e com dignidade nas suas terras, e não morrer de fome, encurralado pelas plantações. Conscientes de que somos portadores de direitos, querendo viver com dignidade, com acesso a alimentação de qualidade, e sem venenos, reafirmamos: PLANTAÇÕES NÃO SÃO FLORESTAS!
Apesar destes tempos adversos, continuamos firmes na luta contra o deserto verde e todas as monoculturas que fazem do Brasil um “paraíso” para as empresas de agrotóxicos, à custa de tragédias para as trabalhadoras e os trabalhadores do campo. Rejeitamos os ecocídios e defendemos os direitos das comunidades, com suas identidades, suas culturas, seus modos de vida, em seus territórios tradicionais e com respeito às gerações que ainda estão por vir. Solidarizamos-nos com as comunidades em luta, que resistem ao avanço das plantações, que promovem retomadas e ocupações de territórios arruinados pelas monoculturas de árvores. Repudiamos toda forma de perseguição, criminalização, assédio, cooptação, truculência e violência, estimuladas e aplicadas por parte de empresas, governo e órgãos de repressão. Ressaltamos que as lutas são justas e necessárias, porque a terra deve cumprir sua função social. O povo precisa da terra para bem viver, e é inaceitável que interesses de algumas poucas empresas, alguns fundos de investimento nacionais e internacionais e outros atores prevaleçam sobre os direitos humanos, a história e a cultura de nosso povo, em nossa terra, só para poder lucrar ainda mais. Demandamos maior atuação de órgãos competentes, como o Ministério Público e a Polícia Federal, em apoio aos povos e populações locais, bem como a todas as entidades e organizações que atuam em defesa dos seus direitos.
Rejeitamos o discurso de que precisamos de mais plantações de monoculturas de árvores, falsamente chamadas de “reflorestamentos”, para resolver o grave problema do aquecimento global. Segundo esse argumento falso, as monoculturas de árvores sugariam da atmosfera o CO2 que causa o aquecimento global. Na verdade, o combate ao aquecimento exige suspensão da queima de derivados do petróleo, carvão mineral e gás natural, além de proteção das florestas e coberturas vegetais características de cada bioma, respeitando ainda os direitos das populações que vêm conservando esses ambientes há gerações, por meio de relações de interdependência. Não aceitamos falsas soluções, como as plantações de carbono, que, além de ampliar a crise do clima, terão impactos nefastos sobre populações que habitam os territórios cobiçados por essas plantações.
Congresso da IUFRO
É nesse contexto que se realizará no Brasil o XXV Congresso Mundial da IUFRO (sigla inglesa que significa “União Internacional de Organizações de Pesquisa Florestal”). O evento ocorrerá entre os dias 29 de setembro a 5 de outubro/2019, em Curitiba/PR, reunindo empresas, cientistas, órgãos governamentais e profissionais do setor florestal. O lema deste ano é “pesquisa florestal e cooperação para o desenvolvimento sustentável”. No entanto, a “pesquisa florestal” que a IUFRO está promovendo se concentra no incentivo a plantações industriais de árvores, na promoção das árvores transgênicas e na publicização de falsas soluções para a crise climática, como o “armazenamento de carbono” em monoculturas de árvores que serão cortadas em poucos anos de vida, quando o carbono será novamente emitido, voltando para a atmosfera.
Vale ressaltar que, para a FAO, organização das Nações Unidas que se inclui entre os patrocinadores da IUFRO, as monoculturas de eucalipto são florestas! A FAO tem promovido uma definição internacional de florestas que atende apenas aos interesses das empresas madeireiras e das indústrias de plantações de árvores. Quando a FAO chama de floresta um conjunto de árvores de uma única espécie, está desprezando a biodiversidade e os sistemas ecológicos a ela associados, abrindo margem para que monoculturas em grande escala e até as transgênicas sejam consideradas “florestas” e contempladas por incentivos relacionados à mitigação do efeito estufa. Com isso, ao ignorar todas as relações entre plantas e demais seres vivos, inclusive humanos que compõem uma floresta, a FAO contribui para sua invisibilidade e destruição, o que é ainda mais grave se considerarmos a missão pela qual a FAO foi criada: eliminar a fome e a insegurança alimentar e nutricional do mundo – dois dos impactos mais graves que ocorrem onde as monoculturas de árvores se instalam e expandem.
Outro patrocinador desse congresso em Curitiba é o FSC, sigla inglesa que significa “Conselho de Manejo Florestal”. Fundado em 1993 como resposta às preocupações sobre o desmatamento global, o FSC é um fórum que define o que seria um “bom” manejo florestal. Apresentou-se inicialmente para certificar o manejo industrial de corte de madeira em florestas. Depois incorporou a certificação de plantações empresariais de árvores, com um jargão de que essas plantações seriam ambientalmente adequadas, socialmente benéficas e economicamente viáveis, capazes de promover mudanças positivas para as comunidades locais. É o principal selo verde da atualidade para plantações de monoculturas de árvores. Mas, na verdade, o FSC promove uma lavagem verde muito útil para as empresas de monoculturas de árvores. Com esse selo, as empresas se apresentam como ambiental e socialmente responsáveis, enganando os consumidores. A maquiagem promovida pelo selo verde oculta o fato de que monoculturas em grande escala de eucalipto, certificadas ou não, que substituem a vegetação nativa por plantações estão na raiz dos impactos que destroem comunidades e territórios e consequentemente a vida da biodiversidade planetária.
Por fim, queremos expressar nosso REPÚDIO à propaganda que esse primeiro Congresso Mundial da IUFRO no Brasil vem realizando sobre as monoculturas de árvores em grande escala. Rejeitamos as excursões para visitar plantações e uma série de sessões técnicas “de marketing” que, incluídas na programação, servirão para mistificar os falsos benefícios e maquiar os danos decorrentes do modelo “florestal” brasileiro.
Nosso REPÚDIO também a esse evento, que tem como organizador o atual governo federal do Brasil, o qual opera como aliado das empresas e algoz das florestas, das áreas conservadas e de todas as comunidades que vivem e dependem desses territórios.
Denunciamos ainda que as queimadas, que têm horrorizado o planeta e ocultam a morte de comunidades, a extinção de espécies e a destruição de culturas, são passo consistente para o avanço do capital sobre a floresta, em especial das monoculturas de soja e milho, e também de eucalipto, antecedendo a desertificação da Amazônia Legal.
Plantações não são Florestas! – Diga não ao Deserto Verde!
Assinam (entidades e movimentos brasileiros).
Apoiam esta declaração (entidades não brasileiras).
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Fonte: WRM