Brasil: Sistemas agroecológicos produzem mais até durante a seca
Pesquisas mostram que em empreendimentos que praticam a agroecologia, o milho comum rende mais que os transgênicos modificados justamente para resistir à estiagem prolongada.
Por Cida de Oliveira
Da Rede Brasil Atual
11 de setembro de 2017
A dinâmica de acumulação e concentração de riqueza do atual sistema socioeconômico hegemônico, que tem entre seus pilares a produção agrícola baseada na monocultura altamente mecanizada, com uso de agrotóxicos e sementes transgênicas, está na raiz da crise ambiental global marcada pelas mudanças climáticas. O alerta foi feito pelo professor de Agroecologia da Universidade da Califórnia em Berkeley, Miguel Altieri, em aula ministrada neste domingo (10) na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnológicos, em Brasília. O curso integra a programação do Agroecologia 2017, que compreende o 6º Congresso Latino-americano de Agroecologia, o 10º Congresso Brasileiro de Agroecologia e o 5º Seminário de Agroecologia do Distrito Federal e Entorno.
"A causa do desafio ecológico que a humanidade enfrenta é o sistema socioeconômico imperante, e em particular, a dinâmica da acumulação de capital", disse.
"A crise ambiental planetária é agravada por um modelo de desenvolvimento incapaz de assegurar respeito pelo meio ambiente e pelas pessoas pobres do mundo. É importante estar consciente de que as mudanças climáticas são apenas um dos problemas ecológicos perigosos, que se originaram pelas transformações humanas da terra."
No entanto, segundo Altieri, as mudanças climáticas são também oportunidade de transformação social para adaptação a essas alterações. "E também para questionamento dos valores que condicionam a iniquidade e estabelecer uma relação sustentável da civilização moderna com a natureza."
Para o professor da Universidade da Califórnia, o discurso desenvolvimentista dominante coloca a economia acima da cultura e da saúde ecológica, "ignorando os interesses das gerações futuras, os pobres e vulneráveis e os outros seres vivos".
Alternativa
Nessa perspectiva, a agroecologia e suas bases científicas constituem a melhor alternativa de enfrentamento e mudança.
Em sua aula, Altieri destacou as etapas da transição de um modelo convencional de produção agrícola para o agroecológico, em que os insumos caros e danosos ao meio ambiente são substituídos por sistemas biológicos e ecológicos para balancear o fluxo de nutrientes do solo, com maior concentração de matéria orgânica e biológica e menor perda de recursos genéticos e de biodiversidade.
Esse conjunto de processos caracteriza a agroecologia como ciência dedicada à produção de alimentos saudáveis para todos e a proteção ambiental articulada com justiça social e acesso democrático à terra.
Entre os exemplos que ele mostrou está o de agricultores familiares de Santa Catarina, que melhoraram a qualidade do solo ao adotar a técnica de plantio direto orgânico, que dispensa herbicidas, e o uso de palhada de diversas culturas na superfície do solo como estratégia para reduzir a erosão e o estresse pela falta de umidade e devido às baixas temperaturas. O resultado foi a melhoria do desempenho das culturas, com menos espaço para as plantas daninhas.
Maior bosque
Outra experiência positiva é a da Reserva Natual El Hatico, no Valle del Cauca, na Colômbia. Com 285 hectares, situada no vale do rio Cauca, a reserva tem o maior bosque seco tropical, dos quais 110 hectares são cultivados com cana de açúcar e 135 hectares voltados à produção de leite e carne bovina, bubalina e ovina, com gestão racional de recursos agroforestais.
Em 1994, a produtividade a propriedade estava em queda, com dependência cada vez maior de insumos químicos. A situação, agravada pelas mudanças climáticas, levou a família Molina Durán a refletir sobre as condições em que entregaria o patrimônio às futuras gerações. Foi quando implementaram o manejo agroecológico, que integra agricultura, pecuária e florestas. Em 2014, atingiu uma produção de 10,28 toneladas de cana por hectare por mês.
Na seca
Altieri mostrou ainda a pesquisa do Instituto Rodale, da Pensilvânia, nos Estados Unidos, que acompanha dados referentes ao desempenho do milho e da soja no país durante a transição da agricultura química para a orgânica desde 1981.
Os pesquisadores descobriram que, no caso do milho, o rendimento do orgânico foi 31% superior ao sistema convencional em anos de seca.
E que o rendimento notável não se repetiu com o milho transgênico, geneticamente modificado para resistir à seca, em comparação às variedades não resistentes. A diferença foi de apenas 7 a 13.3%.
Se fosse adotada no estado da Califórnia, é muito provável que a produção agroecológica teria evitado a queda de 30% na safra de milho e soja transgênica e prejuízos de 1,5 milhão de dólares com a seca de 2014, uma das maiores da história dos Estados Unidos – diretamente associadas às mudanças climáticas.
*Editado por Leonardo Fernandes
Fonte: MST