Brasil: Incorporar Meio Ambiente à Agricultura é erro que nem a ditadura cometeu
"Aspecto deplorável dessa decisão de Bolsonaro é o fato de ela atender a interesses dos setores mais retrógrados do agronegócio. É o caso de entidades como a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), que poucos dias antes do primeiro turno das eleições levou para o então candidato a vice, general Hamilton Mourão, uma pauta de reivindicações."
Decisão de Bolsonaro atende a interesses de setores retrógrados do agronegócio e põe em risco direito previsto na Constituição.
Antes de mais nada, vamos dar o nome certo ao que o presidente eleito Jair Bolsonaro decidiu fazer com os ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura. Não será uma fusão ou união, ou qualquer coisa que coloque as duas áreas em pé de igualdade. Na verdade, será uma incorporação do primeiro ao segundo. A ideia, desde que o então candidato pelo PSL a apresentou pela primeira vez em seu canal no YouTube em 14 de março, foi sufocar o MMA e seus órgãos de fiscalização ambiental.
Um dos aspectos mais lamentáveis dessa decisão do presidente eleito é que ela é um erro que nem mesmo o regime militar – que ele tanto defende – cometeu. Em outubro de 1973, em pleno governo do presidente Emílio Garrastazu Médici, foi criada a Secretaria Especial do Meio Ambiente (Sema) no âmbito do Ministério do Interior.
Isso ocorreu mais de um ano após a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em Estocolmo, na Suécia, em 1972. O governo brasileiro tentava ainda desfazer sua imagem negativa por ter assumido posições contrárias à proteção do meio ambiente naquele evento. Para comandar a Sema foi convidado Paulo Nogueira-Neto, professor de ecologia da USP, que permaneceu no cargo também nos governos de Ernesto Geisel (1974-1979), João Batista Figueiredo (1979-1985) e de José Sarney em seu segundo ano.
Nesses 12 anos, o trabalho da Sema foi decisivo para a criação não só de 26 reservas, estações ecológicas e outras unidades de conservação, totalizando 3,2 milhões de hectares de áreas protegidas, mas também da lei da Política Nacional do Meio Ambiente em 1981. Por sua atuação à frente da Sema, Paulo Nogueira Neto foi convidado pelas Nações Unidas para integrar a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento, que formulou conceito de desenvolvimento sustentável. Assumido pela Assembleia Geral da ONU em 1987, esse conceito tem fundamentado leis, políticas públicas e projetos que extrapolam o âmbito da conservação ambiental em quase todo o mundo.
Interesses retrógrados
Outro aspecto deplorável dessa decisão de Bolsonaro é o fato de ela atender a interesses dos setores mais retrógrados do agronegócio. É o caso de entidades como a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), que poucos dias antes do primeiro turno das eleições levou para o então candidato a vice, general Hamilton Mourão, uma pauta de reivindicações. No cardápio, itens no estilo “liberou geral”, como “liberar do licenciamento de atividade as propriedades rurais” e “as demais licenças devem ser concedidas de forma digital automática e online, bastando declaração do proprietário rural”.
Esses setores retrógrados – e não todo o agro, é importante deixar isso claro –, estão na contramão da produção rural brasileira certificada com base em práticas socioambientalmente corretas e que vem se tornando cada vez mais competitiva no mercado exterior. Uma boa mostra dessa diferença de perspectivas dentro do agronegócio é mostrada hoje pelo jornalista Mauro Zafalon em sua reportagem “Fusão de Agricultura e Meio Ambiente divide ruralistas”, na Folha.
Referindo-se também essa reportagem, a edição de hoje do Boletim ClimaInfo comenta:
(…) os mercados internacionais estão querendo cada vez mais distância do desmatamento e de condições degradantes de trabalho. O jornalista Mauro Zafalon, da Folha, chama atenção para a importância da diplomacia comercial para a manutenção das portas abertas. A isso se dá o nome de processo civilizatório.
Retrocesso no licenciamento
Por trás da ideia de sufocar o MMA não está apenas a enganosa ladainha de Bolsonaro e seus aliados ruralistas sobre a “indústria de multas” ambientais, cuja existência foi devidamente desmentida por técnicos do Ibama e do ICMBio. Está também o desejo de enfraquecer a legislação do licenciamento ambiental, também destacado hoje na Folha pela reportagem “Bancada ruralista quer aprovar novo licenciamento ambiental neste ano”, de Angela Boldrini.
O licenciamento ambiental é um avanço iniciado no Brasil desde a citada Política Nacional do Meio Ambiente de 1981, reiterada pela Constituição Federal de 1988. Sua manutenção depende da compreensão de que produção e conservação são áreas que devem ter estruturas administrativas distintas e independentes uma da outra.
Sem essa separação e independência entre Meio Ambiente e Agricultura, será impossível evitar o prejuízo para o que era assegurado pelo artigo 225 da Constituição, transcrito a seguir.
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
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Por Maurício Tuffani, Editor
Na imagem acima, Parque Nacional de Anavilhanas, no Amazonas, criado em 2 de junho de 1981. Foto: James Auch, sob licença Creative Commons Attribution 2.0 Generic/Wikimedia Commons.
Fonte: Direto da Ciência