Agroecologia, saúde e mulher
"Muitas trabalhadoras do MST já entenderam bem esse jeito de lidar com a natureza. Elas compreendem que para termos saúde, precisamos viver em um ambiente saudável, que a saúde das pessoas não está separada da saúde do ambiente e que, por isso, devemos cuidar do espaço do qual somos parte. Essas trabalhadoras, antes de produzir qualquer alimento, procuram primeiro entender como a natureza funciona. Resgatam os saberes de seus ancestrais. Aprendem e ficam atentas aos sinais da natureza. Escutam o que a terra diz."
Agroecologia não é só produzir de forma saudável, mas é cuidar do meio ambiente em que se vive
Há muito tempo os seres humanos têm se relacionado com a natureza como se ela fosse uma fonte inesgotável de recursos, como se nunca fosse acabar. O mundo capitalista em que vivemos nos molda como uma sociedade de consumo irracional que não pensa nas conseqüências futuras enquanto busca o bem-estar imediato.
Muitas trabalhadoras do MST já entenderam bem esse jeito de lidar com a natureza. Elas compreendem que para termos saúde, precisamos viver em um ambiente saudável, que a saúde das pessoas não está separada da saúde do ambiente e que, por isso, devemos cuidar do espaço do qual somos parte. Essas trabalhadoras, antes de produzir qualquer alimento, procuram primeiro entender como a natureza funciona. Resgatam os saberes de seus ancestrais. Aprendem e ficam atentas aos sinais da natureza. Escutam o que a terra diz. Pedem sua licença e junto a ela produzem o seu sustento. Sabem que cuidando do ambiente estão cuidando das pessoas, dos próximos. E que produzir alimento saudável é uma forma de cuidado.
Pensando assim, muitas trabalhadoras e trabalhadores do MST e de outras organizações e grupos têm procurado resgatar e desenvolver novos modos de produção agrícola menos agressivos ao meio ambiente, que sejam capazes de proteger os bens comuns da natureza, como água, terra, sementes e toda a biodiversidade, além de incorporar novos modos sociais, culturais e políticos no campo. Essa busca ocorre com o objetivo de fugir do estilo convencional de agricultura, imposta pelo agronegócio, que passou a ser hegemônico em grande parte do mundo, após a década de 60 e 70.
O Agronegócio tem uma expressiva participação na economia do país, mas, em contrapartida, ele é o principal causador da destruição e envenenamento da natureza, com uma atividade econômica altamente dependente do capital estrangeiro e uma política de industrialização do campo através da alta mecanização e artificialização da natureza. Sua proposta é acabar com a fome, mas no Brasil, quem produz 70% dos alimentos é a agricultura familiar. O agronegócio é um modelo fortemente hierarquizado e masculino.
Assim, em nosso país, muitos problemas de saúde, tanto para quem trabalha com agrotóxicos, como para quem consome alimentos contaminados, podem ser atribuídos ao seu consumo indiscriminado. Doenças de pele, problemas na visão, doenças renais, doenças no fígado, alteração dos hormônios, problemas neurológicos, respiratórios e até mesmo o câncer são alguns exemplos. Infelizmente, muitos desses casos nem sempre são notificados nos serviços de saúde como decorrentes do uso e consumo de alimentos com agrotóxicos. Sem essa relação, fica mais difícil de se ter uma idéia dos impactos na saúde causados pelos agrotóxicos e estabelecer uma política de controle mais eficiente.
Bandeira de luta
No MST, a agroecologia tem sido uma forte bandeira, pois para os trabalhadores e trabalhadoras, agroecologia não é só produzir de forma saudável, mas é cuidar do meio ambiente em que se vive, da terra, da água; é ter soberania sobre as sementes; é valorizar os conhecimentos tradicionais; é trazer outro modelo de produção que leve alimentos saudáveis para toda a população.
A agroecologia tem crescido frente ao avanço do agronegócio e se apresenta como uma forma de superação desse modelo predatório, que causa males à saúde das pessoas e à natureza. Contudo, ainda não possui grande alcance, frente à entrada que o agronegócio tem nos meios de comunicação, no mercado e Estado. Por isso, a importância das organizações, dos grupos nas universidades, das articulações, dos movimentos sociais do campo, levantar essa bandeira em diálogo e construção com a sociedade.
A agroecologia traz isso consigo: o cuidado, o acolhimento. Quem a pratica cuida e é cuidado, acolhe e é acolhido. Um acolhimento que se expande e se transmuta em expectativa de vida, em esperança, em solidariedade, em dignidade. É a agroecologia dando sentido à vida.
A agroecologia vem resgatar o espaço que a mulher possui na produção agrícola. Para além disso, vem resgatar o ‘Sagrado Feminino’ daquela que é provedora da vida: a sua relação com a natureza, com os saberes de seus ancestrais, o seu cuidado com o próximo, sua sensibilidade, sua consciência sobre si mesma.
30 de outubro de 2018
Por Juliana Lúcia Costa Santos Moraes e Ana Flávia Quintão Fonseca*
Em conjunto com o Setor de Saúde do MST
*Este texto faz parte da cartilha Mulheres, Agroecologia e as lutas por saúde: 30 anos do SUS, 20 anos do Setor de Saúde do MST- MG, que está em processo de construção, em parceria com a Escola de Saúde Pública de Minas Gerais.
** Editado por Wesley Lima.
Foto: Mulheres na Jornada de Agroecologia do Paraná. Foto: Divulgação/MST
Fuente: MST