A sobrepesca e a degradação dos oceanos
"As espécies e os habitats marinhos têm sofrido por muito tempo impactos prejudiciais dos estressores humanos, e esses estressores geralmente estão aumentando globalmente", escreve José Eustáquio Diniz Alves.
José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate.
Eis o artigo.
Os oceanos cobrem mais de 70% da superfície da Terra. Os estudos científicos mostram que a vida no Planeta surgiu nas águas marinhas. Os oceanos são fontes de biodiversidade e de regulação do clima planetário.
Porém, a humanidade, no Antropoceno, aumentou tanto suas atividades econômicas que provocou uma grande drenagem das riquezas ecossistêmicas e transformou o ar, os solos, os rios, os lagos e os mares em uma grande lixeira para descarregar a poluição e os resíduos sólidos.
O fato é que os oceanos estão sendo degradados de várias formas. Grande parte das emissões de gases de efeito estufa são absorvidas pelas águas marinhas, aumentando a acidificação das imensas reservas hídricas, reduzindo o nível de oxigênio e destruindo os corais e a diversidade marinha.
O relatório da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês), The State of World Fisheries and Aquaculture, publicado em 2016, mostra que o consumo per capita de peixes superou a marca dos 20 quilos anuais pela primeira vez. Contudo, a má notícia é que o aumento da produção está pressionando os estoques tornando-os sustentáveis. O relatório aponta que cerca de 90% dos estoques globais estão no limite máximo de exploração ou em sobrepesca, o que ameaça o futuro da vida marinha.
Ainda segundo o relatório da FAO, a pesca e a aquicultura continuam a ser importantes fontes de alimento, nutrição, renda e meios de subsistência. O objetivo 14 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) diz: “Conservar de forma sustentável os oceanos, os mares e os Recursos para o desenvolvimento sustentável.
Porém, cerca de 8 milhões de toneladas de lixo plástico são lançadas nos oceanos anualmente. Estudo da fundação da navegadora Ellen MacArthur e da consultoria McKinsey, divulgado durante o Fórum Econômico Mundial de Davos (2016), mostra que os oceanos terão mais plásticos do que peixes em 2050. Segundo o documento, a proporção de toneladas de plástico para toneladas de peixes era de uma para cinco em 2014, será de uma para três em 2025 e vai ultrapassar uma para uma em 2050.
Assim, a poluição direta e a mudança climática estão alterando as condições de vida em todos os mares do planeta. A temperatura das águas está aumentando. O fitoplâncton, base de toda a cadeia alimentar, está diminuindo, e as correntes marinhas estão mudando. Além disto, o degelo da Antártica, Ártico, Groenlândia e glaciares está aumento o nível dos oceanos e ameaçando todas as praias do mundo, as áreas urbanas baixas e as áreas litorâneas voltadas para as plantações e a pecuária.
Artigo de Nicola Davis, no jornal Guardian, mostra que o oceano profundo e as criaturas que lá vivem estão enfrentando escassez de alimentos e à mudança de temperatura. O oceano profundo desempenha um papel crítico na manutenção da pesca e remoção de dióxido de carbono da atmosfera, bem como é o lar de uma enorme variedade de criaturas. Mas os alimentos no fundo do mar nas regiões mais profundas do oceano podem cair até 55% até 2100, privando os animais e micróbios que vivem neste habitat.
Artigo de Roz Pidcock (Carbon Brief, 07/03/2017) mostra que metade das áreas oceânicas do mundo vai enfrentar múltiplos ‘estressores climáticos’ até 2030. As mudanças climáticas estão alterando as extensões aquáticas do mundo de várias maneiras, com sérios efeitos sobre as plantas e animais do oceano. Estudo publicado na revista Nature Communications, mostra que mantendo apenas mais 15 anos o nível das emissões atuais, mais da metade do oceano do mundo estará exposta a mais de uma fonte de estresse, afetando tudo, desde as mais ínfimas plantas até as mais poderosas baleias. Em 2050, esse número sobe para cerca de 86% do oceano.
Artigo de John Abraham, no jornal The Guardian (10/03/2017) mostra que os oceanos estão aquecendo 13% mais rapidamente do que o esperado. Nova pesquisa quantificou de forma convincente o quanto a Terra se aqueceu nos últimos 56 anos. As atividades humanas utilizam combustíveis fósseis para muitos propósitos benéficos, mas têm um efeito colateral indesejável de adicionar dióxido de carbono à atmosfera a taxas cada vez maiores. Esse aumento – de mais de 40%, com a maioria desde 1980 – prende o calor no sistema da Terra, aquecendo o planeta inteiro. São essas mudanças que afetam as tempestades e furacões, como as inundações que recentemente afetaram a Califórnia, ou que levaram as tempestades a produzir “inundações de mil anos”, como foi visto nas Carolinas (do Sul e do Norte) com o furacão Matthew. O aquecimento dos oceanos tem consequências profundas.
O exemplo mais visível de degradação oceânica acontece na Austrália. Reportagem da BBC mostra que dois terços de Grande Barreira de Corais sofrem danos sem precedentes. O branqueamento dos corais chegou à porção central da barreira. Ano passado, análises mostraram que a parte norte também sofria com o problema.
Somados, os eventos afetaram um trecho de 1,5 mil km de recifes. O branqueamento ocorre quando os corais sofrem mudanças ambientais e expulsam as algas que vivem em seus tecidos. Com isso, eles perdem sua principal fonte de nutrientes e ficam mais suscetíveis à morte. O processo pode ocorrer por mudanças na temperatura da água e, por isso, é intensificado pelo aquecimento global. Quase 800 recifes de corais numa área de 8 mil km foram analisados pelo Conselho de Pesquisa Australiana, do Centro de Excelência para Estudos de Recifes de Corais. Os resultados mostraram que apenas a parte sul está relativamente intocada.
Artigo de Kurt Cobb (09/04/2017) concorda com a decisão do parlamento da Nova Zelândia que votou para dar personalidade jurídica a um rio e nomeou dois guardiões para representá-lo. Para quem questiona esta decisão dizendo que a natureza não fala, ele lembra que o mundo da advocacia é habitado por diversos titulares de direitos inanimados: fidedignidades, corporações, joint ventures, municípios e estados-nação, para mencionar apenas alguns. Nesta linha seria preciso definir os oceanos como uma entidade viva com direitos próprios.
O mapa abaixo da edição de abril de 2017 da revista National Geographic, com base em dados de um estudo recente publicado pela Nature Communications e pela World Database on Protected Areas, mostra onde o oceano foi mais atingido. Estes impactos resultam da pesca, transporte marítimo ou mudanças climáticas – e algumas áreas estão experimentando os três.
À medida que as populações humanas continuam crescendo e migrando para as costas, a demanda por espaço oceânico e recursos está se expandindo, aumentando as pressões individuais e cumulativas de uma série de atividades antrópicas. As espécies e os habitats marinhos têm sofrido por muito tempo impactos prejudiciais dos estressores humanos, e esses estressores geralmente estão aumentando globalmente.
Proteger os oceanos têm de ser feito rápido, antes que toda a vida marinha desapareça. Artigo de Takamitsu Ito e colegas, na revista Geophysical Research Letters (9/05/2017), mostra que os oceanos mais quentes são mais propensos a serem mais pobres em oxigênio dissolvido. A situação faz soar o alarme, pois os níveis de oxigênio do oceano estão realmente caindo e aparentemente caindo mais rápido do que o aumento correspondente na temperatura da água. A água mais fria pode conter mais gás dissolvido do que a água quente é um lugar-comum da física: é uma razão pela qual os mares polares estão repletos de vida marinha e os oceanos tropicais são azuis, claros e muitas vezes relativamente empobrecidos. As partes dos oceanos profundos já estavam mostrando sinais de privação de oxigênio com correspondentes zonas mortas. O estudo mostra que a tendência de queda de oxigênio é cerca de duas a três vezes mais rápida do que aquilo que estava previsto na diminuição da solubilidade associada com o aquecimento do oceano. Isto é mais provável devido às mudanças na circulação do oceano e mistura associada com o aquecimento das águas próximas à superfície e o derretimento do gelo polar.
Ou seja, a morte dos oceanos pode acelerar a 6ª extinção em massa das espécies do Planeta e pode ter um efeito bumerangue sobre a humanidade, gerando muita fome e muito sofrimento entre a população mundial. O Ecocídio é também um suicídio.
Referência:
FAO. The State of World Fisheries and Aquaculture 2016.
Ellen MacArthur; McKinsey. The New Plastics Economy Rethinking the future of plastics, WEF, Davos, 2016 (veja aqui)
Nicola Davis. Deep sea life faces dark future due to warming and food shortage, The Guardian, 23/02/2017 (veja aqui)
Roz Pidcock. Half of world’s ocean to face multiple ‘climate stressors’ by 2030, study warns, Carbon Brief, 07/03/2017 (veja aqui)
John Abraham. Earth’s oceans are warming 13% faster than thought, and accelerating, The Guardian, 10/03/2017 (veja aqui)
Kurt Cobb. Living world: Should natural entities be treated as legal persons? Resilience, 09/04/2017 (veja aqui)
Ito, T., S. Minobe, M. C. Long, and C. Deutsch (2017), Upper ocean O2 trends: 1958–2015, Geophys. Res. Lett., 44, 9/05/2017, doi:10.1002/2017GL073613 (veja aqui)
Fonte: Instituto Humanitas Unisinos