“A pressão no preço dos alimentos vem da produção agrícola e da agroindústria”

Idioma Portugués
País Brasil
- Foto: Arquivo pessoal

Em entrevista ao Joio, economista defende que o mercado internacional é o grande motor da alta no preço dos alimentos, uma vez que o agronegócio brasileiro é guiado para a exportação. 

Uma grande produção agrícola vinculada ao mercado internacional encarece os preços dos alimentos. Para o economista José Giacomo Baccarin, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e um dos fundadores do Instituto Fome Zero (IFZ), a inflação de alimentos não está baseada em desastres climáticos ou nos ciclos da pecuária, como afirmaram ministros do governo. 

Em entrevista ao Joio, o professor avalia que o país deveria voltar os olhos para a produção agrícola e pensar uma política de abastecimento que restrinja as possibilidades de aumento de preço momentâneo. “É preciso fazer um Plano Safra não simplesmente anunciando crédito, preço mínimo e seguro rural. Mas fazendo uma avaliação da agricultura, tendo uma estratégia para intervir, para ter uma ação sobre a agricultura brasileira”, diz. Baccarin aponta que, apesar de necessárias, políticas de aumento da renda da população não são o bastante para lidar com os preços dos alimentos e explica como a inflação afeta as famílias de forma diferente conforme a faixa de renda. 

A seguir, leia trechos da entrevista.

Os desastres climáticos do ano passado foram apontados pelo governo como um dos principais fatores inflacionários nos preços dos alimentos. Como você avalia esse cenário? 

Eu não atribuo a questões climáticas, não. O que aconteceu no final do ano passado, de setembro a dezembro, foi um salto do preço das carnes puxado pelo preço internacional e por uma grande desvalorização do real. Então, teve um aspecto conjuntural ligado ao comércio internacional. Mas isso tem também algo estrutural ligado ao comércio internacional. Não foi só no final do ano passado, nós estamos vivendo um encarecimento relativo do preço dos alimentos desde 2007. Não temos uma crise de abastecimento, não dá para dizer isso. Mas essa reação [à alta dos preços] abriu espaço para que a gente discutisse com mais profundidade o que está acontecendo no Brasil.

A hipótese que eu estou trabalhando é que nós vivemos uma inflação de alimentos no Brasil, e é bom conceituar o que eu entendo por isso. Inflação de alimentos é um aumento, um encarecimento relativo dos alimentos maior do que os outros bens por um período considerável de tempo. Não é por um momento, mas por um, três, cinco anos. E nós vivemos isso no país desde 2007.

Se você pega as médias de IPCA e do Índice de Preço de Alimentação e Bebidas, nesses 18 anos, de 2007 a 2024, nós tivemos o IPCA variando 5,7% em média anual. E o IPAB, que é um dos componentes do IPCA, variando 7,8%. São 2,1 pontos percentuais a mais do que o IPCA. Na maior parte dos anos, esse índice ficou mais alto que o IPCA. Não é momentâneo.

A que eu atribuo isso? A uma grande produção agrícola. Mas como uma grande produção agrícola traz aumento de preço de alimentos? Sendo uma grande produção agrícola vinculada ao mercado internacional, em que os preços encareceram neste século. Ao pegar os índices de preço da FAO, verificamos que a alimentação ficou bem mais cara neste século do que no final do século passado. Nós tivemos um encarecimento da alimentação.

Como o Brasil virou um grande exportador agrícola, ele se beneficia disso, tem mais dólar, mas, ao mesmo tempo, o mercado interno sofre mais influência dessa situação. Tanto na exportação, quanto na importação. Se sobe, por exemplo, o preço da soja, o que deve acontecer agora, o pessoal vai aumentar o plantio de soja. Vai pegar sua terra, seu capital, e usar mais na soja. Pode tirar investimento do feijão. Ou seja, sobe o preço da soja, diminui o investimento e a produção do feijão, e o preço do feijão também aumenta. Os preços dos produtos sem participação expressiva no mercado internacional acabam sendo contaminados também. A explicação mais geral é uma crescente presença do Brasil no mercado internacional no momento de preços internacionais muito altos. 

Fonte:  O Joio e O Trigo

Temas: Agronegocio, Sistema alimentario mundial

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