2022 começa com o meio ambiente pedindo socorro

Idioma Portugués
País Brasil

Ondas de calor, enchentes e estiagens duradouras mostram como as mudanças climáticas já estão presentes; Confira a entrevista com Marcio Astrini, Secretário-executivo do Observatório do Clima.

Assentamento 2 de Julho em Betim, Minas Gerais. Foto: Acervo MST

Do calor intenso no Rio Grande do Sul até as inundações recordistas no Sul da Bahia e no Norte de Minas Gerais, é possível observar hoje no Brasil um cenário que deverá se repetir no mundo todo este ano: os impactos do aquecimento global na Terra.

O planeta registrou aquecimento de 1,1 grau Celsius acima das temperaturas do século passado. Aplicado à nossa realidade, estas mudanças climáticas perigosas já estão presentes como uma dura realidade que precisa ser reconhecida. Dentro do sistema capitalista atual, os mais vulneráveis são os primeiros a sofrer com as consequências de um consumo desenfreado e irracional.

Para entender um pouco mais sobre estas ações e os possíveis caminhos para sobreviver diante de um planeta que pede socorro, confira a entrevista com Marcio Astrini, Secretário-executivo do Observatório do Clima, rede formada por 68 organizações da sociedade civil brasileira.

Temos acompanhado no último período os resultados catastróficos das fortes chuvas na Bahia e, mais recentemente, em Minas Gerais. No Rio Grande do Sul, o estado tem sofrido com uma forte seca, estiagem e termômetros acima dos 40 graus. Como estes casos estão interligados?

Não são só esses. No ano passado tivemos enchentes e alagamentos na China, na Bélgica, na Alemanha, com centenas de mortos; tivemos temperaturas muito altas nos Estados Unidos; na Califórnia tivemos recorde de temperatura alta jamais vista no planeta Terra desde 1930, com 54,4ºC, outros recordes também;

Então eu diria que existem dois principais temas que unem todas essas situações. A primeira sobre que estamos vivendo chamamos de clima extremo, ou de eventos climáticos extremos, que é quando a gente sai do normal do comportamento climático do qual estamos habituados no planeta. São temperaturas muito altas ou muito baixas, ou períodos de seca muito prolongados e intensos, ou períodos de chuvas onde precipita demais num curto período de tempo. Obviamente, as estruturas das cidades, a resiliência que nós construímos para a agricultura, por exemplo, não estão preparadas para o clima ou variações tão extremas de clima, e acabamos sofrendo com essas situações quando elas ocorrem.

As mudanças climáticas fazem exatamente isso, essas situações, que causam esse estresse sobre a adaptação humana, sobre a infraestrutura de vida que criamos na Terra. E esses eventos acabam ocorrendo com mais frequência, ou de forma mais prolongada ou de forma mais severa.

Impactos das mudanças climáticas por período de 20 anos

Do ponto de vista social, ou mais tangível, existe a questão sobre quem realmente sofre. Os maiores impactados serão as populações mais vulneráveis e mais pobres ou os países mais pobres, numa concepção mais ampla. São países que vão perder a capacidade de gerir alimentação para a sua população, impactados em suas estruturas, como portos, aeroportos, meios de transporte, inclusive condenando ao isolamento determinadas áreas. Países que vão desaparecer por conta do aumento no nível do mar. Então quem vai sofrer com estes eventos são as populações mais pobres. No final das contas, a tradução das mudanças climáticas para o mundo é o aumento das desigualdades sociais.

Enchentes do final de 2021 na Bahia. Foto: Cadu Souza

Ainda sobre os resultados destas crises ambientais, tratam-se de acidentes inevitáveis? Quais fatores contribuem com estes danos?

Existem impactos que vão ocorrer de qualquer maneira, porque o planeta já está 1,1 ºC mais aquecido e ele vai aquecer ainda mais 1,5 ºC, não importa o que a gente faça, porque o que já emitimos de carbono e outros gases para a atmosfera vão levar, inevitavelmente, para o aquecimento do planeta de 1,4 a 1,6 ºC.

Segundo o último relatório do IPCC, painel intergovernamental de cientistas da ONU, para este cenário inevitável o que nós podemos fazer é um esforço de adaptação, principalmente nestes locais ou para essas populações que estão em situação de vulnerabilidade. Ou seja, pessoas que estão em áreas de risco de enchente, de seca extrema, ou áreas de desabamento precisam ser assistidas de forma direta pelo Estado, pelos governos, para que sejam realocadas ou para desenvolvimento de obras de infraestruturas, para que essas populações não fiquem sozinhas, desamparadas, enfrentando essas mudanças de clima e jogadas à própria sorte. Porque se isso acontecer, cenas que estamos acompanhando agora na Bahia vão se repetir, inclusive, em situações mais desastrosas do que o que aconteceu lá.

Os governos e Estados ao redor do mundo precisam dar assistência e adaptar ou fornecer infraestruturas para que as populações mais atingidas consigam se adaptar e tenham reduzido o impacto no planeta, que já está mudando, e vai mudar ainda mais.

Top-10 Riscos Globais por Severidade (nos próximos 10 anos):
1 Fracasso da ação climática
2 Clima extremo
3 Perda de biodiversidade
4 Erosão da coesão social
5 Crises de subsistência
6 Doenças infecciosas
7 Danos ambientais causados por humanos
8 Crise de recursos naturais
9 Crises da dívida
10 Confrontos geoeconômicos

A segunda missão é parar de aquecer o planeta. Porque se não para, a necessidade de adaptação vai crescendo cada vez mais, só que existe também um limite do quanto a gente vai conseguir adaptar. Com 1,5 ºC você já vai ter muito prejuízo, mas o nível de adaptação ainda é possível. Mas acima de 2 ºC a gente não sabe se tem a possibilidade de fazer adaptação de determinados pontos do planeta.

Vou dar um exemplo: o semiárido nordestino, em uma circunstância de aquecimento de aproximadamente 3 ou 4 ºC, vai sofrer períodos tão prolongados e severos de seca, que perde a capacidade de produção de alimentos em muitas destas áreas. Esse impacto não é adaptável você perder; as famílias que moram lá, majoritariamente de agricultura familiar, pequenos agricultores, não vão poder mais produzir. E, às vezes, aquela produção de alimentos é o que sustenta uma comunidade, uma cidade, e como fica esse produtor? Ele vai ter que migrar para grandes centros urbanos, estressar os serviços públicos já tão necessários nestes espaços e que não são oferecidos para a população.

Chega uma hora que a adaptação também já não dá conta, então vamos ter esse jogo duplo: adaptar para um cenário que a gente já sabe que vai acontecer, mas evitar que esse cenário piore. E o que temos percebido é que ele está piorando, porque as medidas não estão sendo adotadas, o aquecimento do planeta não está sendo freado, não está sendo estancado a emissão de gases do efeito estufa e a gente está aquecendo o planeta.

E sobre o futuro, quais são as perspectivas e o que precisa ser feito para previnir que mais desastres aconteçam daqui para a frente?

O que a gente precisa fazer em um país como o nosso, é olhar para a questão do clima como algo absolutamente essencial. O Brasil é um país clima-dependente, boa parte da nossa economia, seja economia local, desde pequenas produções, da produção familiar até as grandes produções agropecuárias no Brasil, depende de regularidade climática. E esse setor é uma fatia muito grande da nossa economia.

Então se a gente tiver instabilidade climática, vamos mexer com a vida destas pessoas, todo este setor vai sofrer alterações drásticas. A gente já vê anualmente relatórios dizendo das perdas de safra por conta dos extremos, principalmente no sul do país, que está sendo agora atingido por uma onda de calor e seca intensa. O Brasil tem que prestar muita atenção a esta questão do clima.

Boa parte da energia elétrica no Brasil também depende da atividade climática, porque ela é fornecida para nós através de hidroelétricas, que precisam de chuva em constância e com determinado equilíbrio. Se chove muito, também não adianta, porque os reservatórios não tem capacidade de armazenar uma chuva que caia toda de uma vez e não de forma regular. Então vai faltar capacidade de geração elétrica, o que é essencial para o desenvolvimento de um país, e isso impacta não só na economia do país, como na vida de todos nós, impacta, inclusive, diretamente no valor da conta de luz. Nosso país é muito suscetível e altamente prejudicado pela questão de mudanças do clima.

De forma geral, o mundo precisa acabar com os combustíveis fósseis e com o desmatamento. Nosso grande problema é nessa área, e precisamos eliminar o desmatamento, mesmo porque não faz sentido do ponto de vista econômico ou social, só traz prejuízo para o país. Ele é, até hoje praticado por um grupo de criminosos, que inclusive tem no presidente da república e no atual governo os seus representantes, e se divertem com os crimes ambientais, respaldados que são na figura do presidente.

Imagem aérea de queimada próxima à Flona do Jacundá, em Rondônia. Foto Bruno Kelly/Amazônia Real.

Essas tecnologias existem, o que não tem até agora é iniciativa e vontade política suficiente de fazer a coisa acontecer. E essas ações vão depender muito da pressão das pessoas, da imprensa, dos governos, e da gente ter governos qualificados e que realmente realizem o que precisa ser feito.

No nosso caso, para a questão do clima, uma ação essencial é mudar o atual governo. Com este governo o Brasil vai continuar jogando na contramão do que precisa ser feito, pois o mesmo é um problema para a atual agenda climática e não entregará nenhuma solução.

Editado por Maria Silva

Fuente:  Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

Temas: Crisis climática

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