2018: a crônica ambiental dos 30 anos
"Muitos ativistas como Chico Mendes perderam suas vidas em um modelo de desenvolvimento ainda predatório e vivem sob tensão. Mas imagine se a Constituição de 88 não tivesse sido gestada? Faça só por um momento este exercício. Deu tempo para refletir? O que hoje é uma nova roupagem de opressão poderia estar ainda mais enraizada na esquizofrenia de uma democracia, que tem recaídas calcadas nas distorções que marcam a disputa do poder."
Bem, essa é uma outra história. Será? Ou é a nossa história?, escreve Sucena Shkrada Resk, jornalista especializada em Meio Ambiente, em artigo publicado por Blog Cidadãos do Mundo, 08-10-2018.
Eis o artigo.
O ano de 2018 é simbólico por representar o aniversário de 30 anos de importantes acontecimentos na trajetória do ambientalismo brasileiro. Apesar de não ser totalmente infundado o velho ditado de que no Brasil temos memória curta, essas histórias ainda pulsam, pois cada um de nós que vivenciamos este período é parte desse mosaico e, por diferentes linguagens, revive este período. O plano-sequência passeia nestas lembranças, que trafegam na concepção dos artigos 225, 231 e 232 da Constituição Federal de 88, que tratam respectivamente do meio ambiente e dos direitos indígenas; e ao mesmo tempo, na triste lembrança da emboscada que resultou no assassinato do ambientalista e extrativista Chico Mendes, no Acre. O país clamava pela volta da Democracia e vivia o anacronismo das marcas da opressão.
1988 foi um período no qual muitas ânsias se misturavam nas ruas, nas escolas, nos espaços dos poderes públicos...A palavra cidadania ganhava um tônus especial. As emendas populares no processo constituinte no Congresso Nacional verbalizaram o conteúdo das vozes que ficaram por anos a fio caladas. Os invisibilizados começavam a protagonizar um momento em que suas vozes encontravam algum eco no sistema político. Retomávamos um direito tão precioso, que era o da livre expressão do pensamento. Falando dessa forma, parece mais um romance com pitadas de ficção, entretanto, para muitos personagens desta época, isso era algo que representava e ainda representa a mais pura realidade.
Tratar do “ecos”, da nossa casa comum, em grego, no texto constitucional deu o sentido de pertencimento ao planeta, à toda engrenagem de vida num pensamento coletivo, de responsabilidade compartilhada. E algo ainda mais significativo: colocar a ação no tempo e espaço como determinante às futuras gerações. Aliás, nunca é demais lembrar do Relatório Brundtland – Nosso Futuro Comum, de 1987, da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano. Um documento que trouxe, um ano antes, a reflexão sobre desenvolvimento sustentável.
Desnudamos no artigo 225, os diferentes brasis por meio de seus biomas, de sua fauna e flora. Desnudamos nos artigos 231 e 232, que respeitar a história e cultura indígena se refere a uma evolução paradigmática de mundo. Uma desconstrução de ranços colonizadores.
Totalmente cumprida, ah, quem nos dera que assim fosse. Volta à cena 2018 e nos deparamos com conquistas e retrocessos que caminham juntos com a carta magna. São rugas, cicatrizes e um misto de sorrisos e lágrimas. Muitos ativistas como Chico Mendes perderam suas vidas em um modelo de desenvolvimento ainda predatório e vivem sob tensão. Mas imagine se a Constituição de 88 não tivesse sido gestada? Faça só por um momento este exercício. Deu tempo para refletir? O que hoje é uma nova roupagem de opressão poderia estar ainda mais enraizada na esquizofrenia de uma democracia, que tem recaídas calcadas nas distorções que marcam a disputa do poder. Bem, essa é uma outra história. Será? Ou é a nossa história?... Afinal, as nossas ânsias continuam e as futuras gerações são as gerações atuais. E temos mais um Congresso eleito e governantes que devem representar nossas mais prioritárias necessidades como cidadãos.
19 Outubro 2018
Fonte: IHU