Transgênico no Brasil pode levar à contaminação genética, por Mohamed Habib

A chegada dos transgênicos ao Brasil pode levar à contaminação genética das culturas nacionais, à perda de mercado e à falência de empresas

Enquanto o consumidor nos países mais ricos continua exigindo provas de segurança dos alimentos transgênicos, o interesse de multinacionais em faturar no Brasil alguns bilhões de dólares coloca o governo, cientistas e movimentos ecológicos em posições divergentes.

Cedendo a pressões internas e externas de setores preocupados com ganhos imediatos às custas do desenvolvimento nacional, da saúde e do meio ambiente, o governo chegou a autorizar, por uma medida provis ória, a comercialização da soja maradona, transgênica plantada criminosamente no país, a partir de sementes contrabandeadas da Argentina. Sem estudos, nem relatórios de impacto ambiental, e em desobediência à decisão judicial, produtores rurais cultivaram grandes áreas de soja transgênica no Brasil.

O assunto refere-se a uma nova tecnologia, no campo de engenharia genética, por meio da qual o homem pode transferir uma parte do genoma de um organismo (doador) para um outro organismo (receptor), pertencente a uma outra categoria taxonômica. Com isso o receptor acaba adquirindo uma nova função biológica, promovida por essa adição genômica.

Tal tecnologia é dominada por poucas empresas transnacionais, historicamente especializadas na produção de agrotóxicos, normalmente, sem preocupação com a saúde pública ou com o meio ambiente. Tais empresas já patentearam algumas plantas geneticamente modificadas (como soja, milho e algodão) e, com extrema rapidez, já monopoliza m a sua comercialização e o seu cultivo, sem apresentar provas de segurança. O Brasil, por ser o segundo maior produtor de soja no mundo, e por ter áreas vastas cultiváveis, representa um grande mercado.

A história se repete, quando essas mesmas empresas transnacionais inventaram os agrotóxicos organoclorados, iniciados com o DDT, largamente tóxico, além de ser causador de cânceres, tumores e anomalias genéticas. Dizia-se que aqueles produtos eram o caminho para aumentar a produção e combater a fome. Hoje, esta categoria de agrotóxicos é proibida no mundo inteiro, inclusive no Brasil.

A transnacional Monsanto produz um herbicida conhecido como Round-up, altamente tóxico para plantas invasoras da lavoura da soja. No entanto, tal herbicida é extremamente fatal para a soja natural. É por isso que a Monsanto não conseguia entrar neste grande mercado. Assim, utilizando a técnica de transgenia, a empresa desenvolveu uma soja resistente ao Round-up. Deste modo, pode- se aplicar o agrotóxico sem matar a soja, pois esta tornou-se resistente ao veneno.

Tirando a soja natural e as empresas nacionais produtoras de suas sementes da disputa, a partir da venda de sementes transgênicas mais baratas por algum tempo, a empresa volta a aumentar o preço. Caso isso venha a acontecer, o agricultor, além de não poder produzir sementes transgênicas, será obrigado a comprar tais sementes da única multinacional do mercado.

A entrada dos transgênicos no Brasil pode levar facilmente à contaminação genética das culturas naturais, que, por isso, resultaria em perder o mercado que exige produtos naturais não contaminados por transgênicos (como a Europa, no caso da soja), que, por sua vez, leva à desativação da produção nacional de sementes naturais e à falência das empresas brasileiras desse setor.

O Brasil, rico na sua diversidade biológica, pode sofrer outros danos não menos importantes. Com a possibilidade de contaminação genética de plantas invasoras com pólens de plantas transgênicas resistentes à herbicida, a lavoura brasileira poderá sofrer surgimentos de ervas daninhas resistentes a tal herbicida.

Aplicar um único agrotóxico na lavoura pode ser menos impactante de que aplicar dois ou três. No entanto, pelo fato de que os dois ou três não matam a soja natural, enquanto o Round-up sozinho é fatal, isto pode significar que outros seres vivos não alvo podem ser afetados drasticamente, quando este herbicida f or aplicado em lavouras da soja transgênica.

O caso do milho é ainda mais grave. Neste caso, é bom saber que plantas transgênicas produtoras de toxinas de bacillus thuringienis são capazes de eliminar insetos fitófagos que delas se alimentam, independentemente de serem pragas ou não, reduzindo com isso as populações de inimigos naturais, fundamentais para o equilíbrio ecológico nos agroecossistemas.

O pior é que a lagarta do milho (a praga contra a qual o milho transgênico foi desenvolvido), com o contato constante com esta toxina, desenvolverá resistência em pouco tempo, e o produtor rural será obrigado a voltar a usar inseticidas químicos para contornar o problema. Aliás, o produtor será obrigado a voltar, outra vez, ao ciclo vicioso do passado, inviabilizando programas de controle biológico e de manejo integrado de pragas, ambos baseados em conceitos e critérios de desenvolvimento sustentável.

Mohamed Habib é professor do Departamento de Biolog ia da Unicamp

Correio Braziliense, Brasil, 22-4-03

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