Peru: Camisea II pode receber veto de Washington

Idioma Portugués
País Perú

A segunda fase do polêmico projeto gasífero peruano de Camisea enfrenta oposição no governo e no Senado dos Estados Unidos, cujo voto é crucial para o financiamento solicitado ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)

Os investidores da segunda fase do mega projeto viveram um dia negro no Comitê de Relações Exteriores do Senado norte-americano. Em audiência presidida pelo senador Richard Lugar, o subsecretário do Tesouro para Assuntos Internacionais, Clay Lowery, criticou a exploração do gás na Amazônia peruana por causa de seus impactos negativos nas comunidades nativas e no meio ambiente.

Em uma sessão convocada quarta-feira passada por Lugar, para ouvir depoimentos sobre projetos energéticos problemáticos, e nos quais está em jogo dinheiro dos contribuintes norte-americanos, Lowery jogou água fria sobre as expectativas de companhias envolvidas na segunda parte do polêmico projeto Camisea. A primeira fase do projeto, um gasoduto de 720 quilômetros desde as jazidas na região de Cuzco até a costa ocidental no Pacífico, esteve marcada pela controvérsia, pois aconteceram cinco rompimentos e vazamentos em menos de dois anos de funcionamento.

Depois de questionar os efeitos ambientais e sociais de Camisea, Lowery disse que Washington ainda não decidiu seu voto a respeito do crédito de US$ 400 milhões solicitado ao BID pelo consórcio que prevê instalar uma unidade de liquefação e um porto para a exportação de gás. Do consórcio Peru LGN participam, entre outras poderosas empresas, a norte-americana Hunt Oil, a espanhola-argentina Repsol YPF, a argelina Sonatrach, a coreana SK Corporation e a argentina Pluspetrol, que calculam um investimento de US$ 720 milhões para a construção de uma central e um porto na localidade de Cañete, no sul de Lima. O projeto é conhecido como Camisea II.

Para audiência no Comitê de Relações Exteriores do Senado norte-americano foram convidados o ex-ministro de Minas e Energia do Peru, Carlos Herrera Descalzi, especialista no caso Camisea, e o representante o Peru e de mais cinco países junto à diretoria do Banco Mundial, Jaime Quijandría, que no governo de Alejandro Toledo ocupou essa pasta e a da Economia. Descalzi disse à IPS que o subsecretário Lowery “usou uma expressão diplomática para deixar aberta a possibilidade de os Estados Unidos não apoiarem o crédito para Camisea II, porque se seu país está disposto a apoiar o empréstimo, Lowery não teria problema em dizê-lo”.

Em sua exposição, Descalzi ressaltou que o Estado peruano foi muito fraco ao exigir do consórcio de Camisea a execução de medidas para controlar o impacto negativo do gasoduto sobre as comunidades indígenas, bem como para minimizar o dano ao meio ambiente. Também disse que, até o momento, a prometida redução do custo da energia elétrica, como resultado do maciço consumo de gás natural de Camisea, não aconteceu. “Um em cada quatro peruanos carece de energia elétrica, portanto, Camisea ainda não trouxe benefício para os mais pobres”, afirmou.

O ex-ministro também ressaltou que o Estado peruano também foi fraco para sancionar drasticamente o consórcio pelos contínuos vazamentos na tubulação do gasoduto, “apesar de estar determinado que existe responsabilidade da empresa”. Por sua vez, Quijandría, um ex-ministro que trabalhou para a filial peruana da ex-companhia petrolífera Argentina YPF, reconheceu perante o comitê do Senado que na execução da primeira fase do projeto Camisea (com custo total de US$ 1,6 bilhão) foram afetados moradores indígenas vizinhos ao centro de exploração na selva, bem como o meio ambiente.

“O projeto Camisea teve efeitos negativos nas pessoas que vivem na região”, afirmou Quijandría, segundo sua exposição por escrito da qual a IPS conseguiu uma cópia. “Em particular, os indígenas que habitam perto da infra-estrutura de exploração são os mais afetados”. Quijandría, inclusive, reconheceu que o dano aos habitantes aconteceu desde o início da exploração das jazidas. “O impacto mais severo foi para algumas das populações indígenas que não mantinham contato com o mundo exterior até que o projeto começou”, afirmou.

O ex-ministro, agora representante do Banco Mundial, chegou a reivindicar as recomendações do informe da Defensoria do Povo, que em março deste ano questionou duramente os investidores de Camisea pelas violações dos mais elementares direitos dos nativos, como não ter prevenido as difusão de doenças desconhecidas por eles e abandonar na selva dejetos tóxicos. Mas todos esses fatos “são lições apreendidas que serão aplicadas na segunda fase do projeto”, argumentou Quijandría, que, de passagem, colocou panos quentes na eventual posição contrária de Washington ao pedido de empréstimo de US$ 400 milhões para a segunda fase.

Quijandría disse que se o governo dos Estados Unidos, talvez pressionado por organizações não-governamentais, não apoiarem o empréstimo solicitado ao BID, o projeto Camisea II não irá parar, porque os investidores têm previsto buscar outras fontes de financiamento. O subsecretário Clay Lowery também criticou o BID por limitar-se a tarefas de balcão de empréstimo, quando sua contribuição deveria consistir em verificar que os fundos eram destinados a projetos de desenvolvimento sem danos colaterais.

Em setembro de 2003, o BID aprovou um empréstimo de US$ 74 milhões para a primeira fase do Camisea, mas impôs exigências de controle de danos ambientais e sociais, que segundo Lowery, não foram suficientes. Por isso, o funcionário questionou o projeto. Apenas este ano, e depois do quinto vazamento no gasoduto que transporta gás líquido, o BID decidiu aplicar duas auditorias completas ao Camisea, uma sobre infra-estrutura e outra socioambiental. Por sua vez, o senador Lugar destacou sua preocupação pela decisão do governo de Toledo em destinar uma parte do lucro obtido pela exploração de gás à formação de um Fundo de Defesa Nacional para a compra de armamento.

Entre 2005 e 2006, as forças armadas peruanas receberam dessa fonte US$ 2,250 bilhões para modernização de seus equipamentos bélicos. “O senador Lugar perguntou por que com dinheiro do gás de Camisea se compraria armamentos se a idéia do projeto é impulsionar o desenvolvimento”, disse Descalzi à IPS. “Foi um momento bastante incômodo, como quando chamou a atenção pelos cinco vazamentos”. A audiência aconteceu três semanas depois que uma comissão investigadora do Congresso peruano aprovou um relatório sobre as causas dos rompimentos no gasoduto. Sob a presidência do congressista Carlos Armas Vela, a comissão concluiu que o governo de Toledo exigiu do consórcio Transportadora de Gás do Peru (TGP) que se responsabilizasse pela tubulação, segundo o informe ao qual a IPS teve acesso.

Mas a comissão também responsabilizou o TGP por ter aceito “negligentemente” as imposições do governo e não ter prevenido os eventuais danos na infra-estrutura por causa da rapidez na habilitação do projeto. Para a comissão investigadora, é necessária uma revisão do contrato entre o Estado peruano e o TGP com a finalidade de contemplar drásticas sanções no caso de não serem resolvidos os problemas de impactos negativos sociais e ambientais. Porta-vozes do TGP negaram à IPS que o governo tenha apressado o fim das obras, “porque os prazos foram estabelecidos na assinatura do contrato durante o governo de Valentín Paniangua e não no de Alejandro Toledo”.

A respeito da revisão do contrato, os porta-vozes disseram que não está descartado que ambas as partes se sentem para ajustar alguns aspectos, ao mesmo tempo em que recordaram que o acordo tem vigência de 30 anos, o que garante seus investidores por esse período. “A impressão do governo norte-americano é a de que Camisea não é um projeto que tenha êxito”, disse Descalzi à IPS. “Mas o subsecretário Lowery não se referia ao aspecto econômico, e sim ao social e ambiental. Existe uma clara preocupação, e não somente pelo dano às comunidades indígenas e ao meio ambiente, mas também pelas dificuldades do Estado peruano em fiscalizar um projeto de desenvolvimento tão importante.

Envolverde, Brasil, 17-7-06

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