Para Greenpeace, tecnologia usada em transgênico "é imprevisível"
Prensa
O Estado de São Paulo, Brasil, 16-3-03
http://www.estado.estadao.com.br/editorias/2003/03/16/ger011.html
Para Greenpeace, tecnologia usada em transgênico "é imprevisível"
Isabelle entrou para a organização ambientalista em 1990, depois de abandonar o curso de doutorado no Instituto Federal de Tecnologia em Zurique, na Suíça, onde estudava biologia molecular. Ela conta que desistiu porque muitos dos projetos eram financiados pela indústria ou dirigidos para o setor. Pela experiência que teve no laboratório, entretanto, considera que a manipulação genética de organismos vivos é uma tecnologia de resultados imprevisíveis.
Estado - Por que a sra. é contra os transgênicos?
Isabelle Meister - Não sou contra os transgênicos, sou contra a liberação de organismos geneticamente modificados no meio ambiente e na cadeia alimentar.
A engenharia genética de alimentos é baseada no princípio simplista de que um gene corresponde a uma característica. Uma pesquisa que mostrou que isso não é verdade foi o Projeto Genoma Humano: achavam que o homem tinha 100 mil genes, mas encontraram apenas 30 mil; e agora sabemos que um gene pode estar relacionado a mais de uma característica e que a regulação dos genes é um processo muito mais complexo. Os transgênicos têm como base uma interpretação ultrapassada da ciência. Há alternativas mais sofisticadas e seguras para produzir alimentos.
Estado - O problema é com os transgênicos ou com a biotecnologia?
Isabelle - Se a tecnologia for usada em um ambiente restrito para a produção de fármacos, na qual o produto final é isolado, por exemplo, ela pode ser segura. O problema é quando você coloca esses organismos no meio ambiente, porque aí não tem como voltar atrás. Nos EUA, a situação está claramente fora de controle. Veja a situação do milho Starlink, que foi vetado para a alimentação humana e mesmo assim acabou dentro da cadeia alimentar e a indústria teve de fazer um recall, com prejuízos milionários. Há muitos outros exemplos. Portanto, nem os EUA têm como controlar isso.
Estado - No Brasil, a principal polêmica sobre a liberação da soja transgênica é a não-exigência do estudo de impacto ambiental por parte da CTNBio. Há algum estudo que poderia ser feito para que vocês aceitassem os transgênicos?
Isabelle - Nenhum estudo de impacto ambiental foi feito até hoje porque nenhum país exige isso. O que eles fazem é a chamada "análise de risco", na qual boa parte não passa de adivinhação. As interações moleculares são tão complexas que não dá para fazer uma avaliação científica verdadeira, porque há muitas coisas que não são conhecidas ou compreendidas. Se você perguntar aos cientistas, todos admitem que não podem prever os efeitos a longo prazo.
Se você não pode prever os riscos, e esses riscos são negativos, acho que é sensato dizer que isso não deve ser feito. Esse é o princípio da precaução.
Estado - Como podemos aplicar esse conceito sem impedir o progresso da ciência?
Isabelle - No caso de outras tecnologias, há países, por exemplo, que não permitem a construção de usinas nucleares porque acreditam que existe um risco e preferem produzir sua energia de outra forma. O mesmo princípio pode ser aplicado em outros casos, mesmo tardiamente, como no caso do buraco de ozônio, em que certas substâncias danosas foram proibidas. Se a precaução tivesse sido estabelecida mais cedo, talvez o problema não existisse. Outra questão é que eu não considero engenharia genética progresso, pois não é uma tecnologia baseada nas últimas descobertas científicas.
Estado - Muitos dos mais respeitados cientistas brasileiros garantem que essa tecnologia é segura, da forma como está sendo usada. Eles estão mentindo?
Isabelle - Nenhum cientista pode prever qual será o impacto dessa tecnologia no meio ambiente e na biodiversidade a longo prazo, portanto não pode dizer que ela é segura. No Canadá, por exemplo, já temos ervas daninhas em plantações de canola que são resistentes a três tipos de herbicidas e os produtores precisam aplicar cada vez mais herbicidas para controlá-las.
Estado - No Brasil, muitos fazendeiros estão plantando soja transgênica ilegalmente. Se essa tecnologia não traz benefícios, por que há tantos produtores querendo usá-la?
Isabelle - Para o fazendeiro fica tudo mais simples: sempre que aparece uma erva daninha, é só aplicar glifosato. E o glifosato é um herbicida barato, cuja patente já expirou. Essa é uma das razões por que a tecnologia foi adotada tão rapidamente. Um dos problemas é que, se você só aplica glifosato, é apenas uma questão de tempo para que o mato desenvolva resistência e os fazendeiros acabem tendo de aplicar mais veneno ou usar outro herbicida.
Estado - Mas a resistência ocorre de qualquer maneira, mesmo que a planta não seja transgênica. Por que então usar isso contra os transgênicos?
Isabelle - Esse é um dos problemas com a agricultura industrializada. Quando você usa qualquer pesticida continuamente, você obviamente cria resistência.
Todas as variedades transgênicas, hoje, no mercado, entretanto, têm resistência a um mesmo herbicida - o glifosato, que você não podia usar antes porque matava todas as plantas. Portanto, você está incentivando a resistência.
Estado - E para a alimentação humana, a sra. também vê problemas? Em mais de cinco anos de consumo em larga escala, não há relatos de danos à saúde.
Isabelle - O problema é que não há nenhum sistema de monitoramento instalado. Como você pode dizer que não aconteceu nada, se não há ninguém olhando? Nos EUA, os transgênicos não são nem rotulados. Se você não sabe quem está consumindo o produto ou em quais quantidades, não pode concluir nada. (H.E.)
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