ONG americana é suspeita de biopirataria no Brasil
Uma organização não-governamental de origem americana está sendo triplamente investigada sob a suspeita de ter praticado biopirataria no Brasil
As dúvidas pesam sobre a Amazon Conservation Team (ACT ou Grupo de Preservação da Amazônia), que por três anos pagou um salário mínimo por mês a um grupo de índios para que traçassem um mapa dos recursos naturais do Parque do Xingu, no norte de Mato Grosso.
Apesar de tudo ter sido feito com o consentimento da Funai - Fundação Nacional do Índio, o Ministério Público e os deputados da CPI da Biopirataria investigam a suspeita de que a ACT tenha se aproveitado do mapa e localizado plantas medicinais de conhecimento tradicional dos índios com o objetivo de depois patenteá-las no exterior. A Funai diz estar investigando o caso "informalmente". Por precaução, recusou-se a assinar outro convênio proposto pela ACT, proibiu a entrada de seus membros no Xingu e alertou a Polícia Federal. A ONG nega as acusações de biopirataria.
Parte das suspeitas extrapola o mapeamento do parque, feito entre 2001 e 2004, e inclui até o pai do presidente do braço brasileiro da ACT. Vasco van Roosmalen é filho do pesquisador Marcus van Roosmalen, responsável pela descoberta de mais de 20 espécies de primata no País. Em 2003, o estudioso chocou a comunidade científica ao ser demitido do Inpa - Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia por transporte ilegal de primatas e coleta de dados da floresta sem as devidas fichas de inscrição. Apesar dos indícios, não se provou que tenha havido biopirataria. Marcus já havia recebido financiamentos da ACT para pesquisas.
Em 1999, meses antes de a ONG propor à Funai o mapeamento, pai e filho apareceram num documentário sobre plantas medicinais gravado pela TV japonesa NHK numa aldeia do Xingu. Denunciada, a emissora foi obrigada a pagar uma indenização de US$ 50 mil aos índios.
A matriz da ACT, nos EUA, também causa desconfiança: já recebeu verbas da empresa de cosméticos Kiehls, e seu presidente, Mark Plotkin, diz ter feito bioprospecção para a fábrica de remédios Shaman Pharmaceuticals. As indústrias de cosméticos e remédios são as que mais podem se beneficiar da biopirataria, já que economizariam o dinheiro que seria gasto na pesquisa de novos produtos.
O interesse dos biopiratas no Brasil é grande porque o País tem a maior biodiversidade do planeta. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, 90% das espécies de animais e plantas ainda são desconhecidas.
A ACT administra um cofre milionário. A matriz se banca, basicamente, com doações do governo dos EUA, da OEA - Organização dos Estados Americanos e do Banco Mundial, que são repartidos entre as filiais na Colômbia, no Suriname e no Brasil. Só em 2004, os recursos que vieram para o País ultrapassaram os US$ 2 milhões. A ONG tem escritórios em Brasília (DF), Manaus (AM), Macapá (AP) e Canarana (a cidade mais próxima do Parque do Xingu).
Os próprios índios dizem que foram induzidos a aceitar o mapa. "Para que saber que planta existe lá dentro? Essa é uma desconfiança para nós", diz Mairauê Kaiabi, ex-presidente da Atix - Associação Terra Indígena do Xingu, que congrega os quase 5 mil índios do parque. "Chegaram aliciando, prometendo mais de US$ 200 mil. Não deram nada, só dividiram as etnias", afirma o atual presidente da Atix, Makupá Kaiabi.
Defesa - O presidente da ACT, Vasco van Roosmalen, se defende dizendo que a ONG nunca praticou bioprospecção nem biopirataria e que o mapa foi uma demanda dos índios. "Encaminhamos ao Ministério do Meio Ambiente os mapas e a documentação relativa à sua produção. O parecer não caracterizou acesso a conhecimento tradicional ligado a recursos genéticos."
Ainda segundo ele, os índios não se opuseram ao mapa. "Até que exista uma manifestação expressa e absoluta de todos os habitantes do parque, qualquer informação contrária é inexata." O Ministério Público Federal anunciou que nos próximos dias irá pedir à Justiça que garanta a proibição da entrada de membros da ACT no Xingu. (Ricardo Westin/ Estadão Online)