Modelo imposto por transnacionais é "prejudicial ao Brasil"
Alguns setores da sociedade insistem em associar a agricultura familiar ao atraso, a problemas e à pobreza. Nos últimos anos, contudo, a importância estratégica, econômica e social da produção familiar vem sendo cada vez mais reconhecida pelos brasileiros. A análise é do ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel. Ele sustenta, aliás, que o atual governo conseguiu renovar o significado da agricultura familiar para o país
Em entrevista à Repórter Brasil, o ministro apontou alguns dos principais desafios que os pequenos produtores ainda têm pela frente. Entre eles, a resistência perante o modelo de agricultura que as empresas multinacionais tentam impor ao país. Na concepção do chefe maior do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), esse modelo com base em elementos como sementes transgênicas, pacotes tecnológicos e defensivos "é prejudicial ao Brasil". "A agricultura familiar é um modelo de resistência a isso tudo, um modelo de soberania alimentar e social".
"A agricultura familiar é um modelo de soberania alimentar e social. Os adversários, contudo, são bastante fortes" (Foto: Roosewelt Pinheiro/ABr)
Segundo o MDA, a participação da agricultura familiar na produção de alimentos consumidos no Brasil chega a 70%. Produtores familiares cultivam 67% do feijão que chega à mesa dos brasileiros, 70% do frango, 60% dos suínos, 56% do leite e 89% da mandioca.
Economicamente, a agricultura familiar compreende cerca de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) do país - a soma de todas as riquezas produzidas pelo Brasil -, número que em 2007 ficou em R$ 2,6 trilhões.
Segundo estudo intitulado “PIB da Agricultura Familiar”, da Universidade de São Paulo (USP), o segmento familiar e as cadeias produtivas a ela interligadas responderam, em 2005, por 9% do PIB brasileiro, o equivalente a R$ 174 bilhões em valores daquele ano.
No mesmo ano, o conjunto do agronegócio nacional foi responsável por 27,9% do PIB, de modo que cerca de um terço do agronegócio brasileiro pode ser atribuído à produção agropecuária familiar.
O MDA também comemora o papel da agricultura familiar na queda dos índices de inflação. Para a pasta, a safra prevista para 2008/2009 e a política de estímulo ao pequeno produtor devem colaborar para diminuir a inflação no país neste ano e no próximo, assim como atenuar os efeitos da crise de alta dos preços alimentares que atingiu inúmeros países em 2008.
Na entrevista abaixo, o ministro Guilherme Cassel aponta os dados que embalam o trabalho do MDA atualmente, ao mesmo tempo em que indica alguns desafios centrais para o setor.
Qual é a análise do Ministério do Desenvolvimento Agrário sobre a situação atual da agricultura familiar no país?
No governo Lula, houve uma re-significação da agricultura familiar para o país. Resgatamos o setor e sua importância, que historicamente vinham sendo relegados a 2º plano. A agricultura familiar tinha passado a ser vista pela sociedade como espaço de atraso, de problemas, de pobreza. A visão que estava se estabelecendo era uma visão errada.
Saímos de um volume de crédito que era de R$ 2,2 bilhões para R$ 13 bilhões este ano. O Pronaf [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar] se tornou um exemplo mundial. Diversos países vêm nos procurar para aproveitar as propostas do programa. Os seguros para o setor, como o de clima, o de preço, também são grandes conquistas. Assim como a formação de toda uma rede de políticas públicas para o setor.
E os principais desafios atuais?
Um dos grandes desafios que enfrentamos recentemente foi a oscilação de preços quando não havia seguros. Assim como a subida vertiginosa dos preços das commodities. Esses problemas se relacionam a um terceiro grande desafio, que é o fato de as multinacionais tentarem impor um modelo para o país, para a nossa agricultura. Um modelo que, do meu ponto-de-vista, é prejudicial ao Brasil, seja com as sementes transgênicas, seja com os pacotes tecnológicos, seja com os defensivos. A agricultura familiar é um modelo de resistência a isso tudo, um modelo de soberania alimentar e social. Os adversários, contudo, são bastante fortes.
Há críticas da parte de movimentos sociais e entidades civis quanto aos recursos destinados à agricultura familiar e à reforma agrária, de um lado, e ao agronegócio, de outro. Para esses grupos ligados à base do campo brasileiro, os grandes são amplamente favorecidos frente aos pequenos. Como o MDA analisa essas críticas?
Essa análise é fundamentalmente errada. Ela faz uma comparação simplista. Os juros praticados para cada setor seriam um cálculo importante de se fazer presente nessa comparação, sendo que os praticados junto à agricultura familiar são muito menores.
O que se gasta com a equalização de juros da agricultura familiar é maior do que para a agricultura patronal. Se você for comparar a fundo, não somente olhando para os orçamentos de cada ministério, o orçamento da agricultura familiar acaba sendo maior do que o da agricultura patronal.
[O orçamento do MDA para 2008 é de R$ 3,9 bilhões, ao passo que o orçamento do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), pasta dedicada à agricultura patronal, é quase 100% maior: R$ 7,4 bilhões. Por outro lado, o crédito destinado a cada setor, que, no entender da assessoria do MDA é o que estimula e fortalece efetivamente a produção, ficou em R$ 1,02 bilhão para o Pronaf no ano de 2007, enquanto que o custeio agropecuário do Mapa ficou em R$ 0,96 bilhão]
A Repórter Brasil identificou diversas experiências de pequenos agricultores no Sul. É possível dizer que esta região é exemplar em termos da agricultura familiar ? No caso das outras regiões, as dificuldades são maiores? Ou a situação é semelhante no país como um todo – em seus aspectos positivos e negativos?
O país é muito desigual, e isso se repete nas questões da agricultura familiar. A Região Sul possui uma tradição muito antiga, consolidada, de agricultura familiar. O padrão de colonização, de ocupação do solo, focado nas pequenas propriedades, é um dos fatores essenciais neste sentido. Além disso, a maior tradição de sindicatos, de cooperativas, entre outros aspectos, colabora para que as políticas publicas tenham maior facilidade de chegar à Região Sul. No Norte, no Nordeste, as dificuldades certamente são maiores. Mas há experiências e conquistas muito interessantes também nessas regiões.
De todo modo, realmente cada região precisa de políticas diferenciadas. Um programa como o Mais Alimentos, por exemplo, que oferece crédito de até R$ 100 mil para cada família, para compra de tratores, equipamentos, e para o custeio de diversas frentes da produção, pode não ajudar tanto para o agricultor do Nordeste quanto no Sul, sendo que os seguros no Nordeste podem colaborar ainda mais com a agricultura local do que no Sul.