Governo sai em defesa de transgênicos
O Governo federal endureceu a defesa da importação de produtos transgênicos e conseguiu ontem, mediante um artifício jurídico, a liberação da carga de 38 toneladas de milho geneticamente modificado que estava retida no porto de Recife
Para conseguir o objetivo, o Governo recorreu ao mesmo tempo ao Tribunal Regional Federal Federal da Primeira Região, sediado em Brasília, e ao da Quinta Região, com sede em Fortaleza. No início da tarde, seis ministros de Estado divulgaram uma veemente nota oficial em defesa do desenvolvimento da biotecnologia, na qual está incluída a tecnologia de modificação genética de alimentos, no Brasil.
As duas decisões saíram ontem à tarde. O TRF de Brasília negou, mas o de Fortaleza autorizou a liberação da carga transgênica. Como Pernambuco está sob a jurisdição do TRF da Quinta Região, prevaleceu a decisão a favor da liberação.
O milho foi comprado da Argentina para produção de ração animal e destina-se ao abastecimento das aviculturas nordestinas. Os argumentos dos dois tribunais são conflitantes.
O presidente do TRF de Brasília, Tourinho Neto, rejeitou o recurso movido pela União contra a liminar que impedia a importação do milho transgênico.
No mesmo despacho, ele manteve a proibição da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) de se manifestar sobre transgênicos antes da realização de testes sobre o impacto desses produtos sobre a saúde humana e o meio ambiente.
A decisão do TRF motivou uma reação do Governo, que vai recorrer agora ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra a interpretação de Tourinho Neto. A nota foi também um desagravo à CTNBio. Ela levou as assinaturas dos ministros Pedro Parente (Casa Civil), Ronaldo Sardenberg (Ciência e Tecnologia), Sarney Filho (Meio Ambiente), Pratini de Moraes (Agricultura), José Gregori (Justiça) e Barjas Negri (Saúde, interino).
A polêmica começou há uma semana quando o juiz substituto da 6ª Vara Federal, Carlos Eduardo Castro Martins, proibiu o desembarque de 38 toneladas de milho transgênico, oriundo da Argentina, para produção de ração animal no Nordeste. A carga foi apreendida no porto de Recife. A Advocacia Geral da União (AGU) recorreu da decisão aos dois TRFs alegando que a medida causaria grave dano à ordem econômica.
- Não vislumbro tal dano e sim prejuízos aos importadores. Grave dano poderá resultar é para a saúde com a liberação do milho transgênico - enfatizou Tourinho Neto no despacho.
O presidente do TRF da Quinta Região, José Maria Lucena, discordou frontalmente dessa interpretação.
- Impedir o desembarque da referida carga, existindo laudo técnico expedido por órgão competente, representa grave ofensa ao interesse público, mormente se considerarmos a preocupante crise de abastecimento que agrava o setor produtivo - retrucou Lucena.
Na nota de desagravo, os seis ministros alegam que as atividades da CTNBio expressam a política do Governo em relação à segurança dos produtos geneticamente modificados. O ministro Pratini de Moraes disse ontem que o Brasil sofrerá retrocessos se ficar de fora do mercado internacional de produtos transgênicos. Para ele, o país precisa continuar com a produção de alimentos naturais, mas não pode deixar de participar de um processo que está acontecendo no mundo inteiro.
Ele afirmou que a impossibilidade de importar milho transgênico para a produção de frangos fará com que a população nordestina tenha que pagar entre 30% e 35% mais caro pelo milho orgânico produzido no Sul do país.
Ontem pela manhã, antes de saber da liberação do milho transgênico, avicultores pernambucanos distribuíram 20 mil frangos em protesto contra a proibição no bairro de Santo Antônio em Recife. Pernambuco é o maior produtor nordestino de frango e o sexto maior do país.
Vannildo Mendes e Martha Beck
COLABOROU Letícia Lins
O GLOBO, BRASIL, 7/7/2000