Desglobalização para uma nova economia mundial

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"Entrevista especial com Walden Bello. Walden Bello é professor na Universidade das Filipinas, em Manila, membro do Transnational Institute de Amsterdã, presidente da Freedom from Debt Coalition e analista sênior do Focus on the Global South, com sede em Bangkok, Tailândia. Ele é doutor em Sociologia, pela Universidade de Princeton, EUA, tendo lecionado na Universidade da Califórnia e Berkeley"

"Talvez nenhuma imagem seja mais evocativa do atual estado da economia global que aquela do U-Boat alemão da Segunda Guerra no Atlântico Norte. Ele descia rápido, e a tripulação não sabia quando ele atingiria o fundo. E, quando ele atingir o fundo do oceano, a tripulação será capaz de fazer o submarino subir novamente bombeando ar comprimido nos tanques danificados, como os marinheiros no clássico de Wolfgang Petersen Das boot ? Ou o U-Boat irá simplesmente ficar no fundo do oceano, com sua tripulação condenada a contemplar pior destino que a morte súbita? Os métodos keynesianos reinflarão e farão flutuar novamente a economia global? A verdade é que a atual tripulação capitalista da economia global não sabe e está apavorada", avalia o sociólogo filipino em entrevista, feita por e-mail, à IHU On-Line.

Walden Bello é professor na Universidade das Filipinas, em Manila, membro do Transnational Institute de Amsterdã, presidente da Freedom from Debt Coalition e analista sênior do Focus on the Global South, com sede em Bangkok, Tailândia. Ele é doutor em Sociologia, pela Universidade de Princeton, EUA, tendo lecionado na Universidade da Califórnia e Berkeley.

Confira a entrevista.

IHU On-Line Qual é a tese central defendida pelo senhor no livro Desglobalização: Ideias para uma Nova Economia Mundial ?

Walden Bello – A principal ideia é que a globalização – a integração acelerada da produção e dos mercados – está levando a uma desintegração das economias nacionais, deixando as sociedades com cada vez menos controle sobre seu bem-estar econômico e sobre seu futuro. Com mercadorias e mercados de capitais mais integrados, a habilidade das economias nacionais de se isolarem dos caprichos da economia global é muito menor, de modo que quando há uma quebradeira das economias centrais, outras economias também seguem em espiral descendente, o que é, na verdade, o que está acontecendo agora.

IHU On-Line O que o senhor entende por "desglobalização”? Chegamos ao fim ou, pelo menos, estamos vivendo uma crise da era da globalização?

Walden Bello – Desglobalização significa fazer o mercado doméstico novamente ser o centro de gravidade da vida econômica, não o mercado global. Isso não significa autarquia ou retração da economia internacional. Significa que produzir para o mercado doméstico, não para o mercado de exportação, mais uma vez se torna a linha de corte e força motriz da economia. Significa aumentar capital para a produção da economia local, por exemplo, por aumento de impostos, em vez de recorrer principalmente a empréstimos nos mercados internacionais de capital. Significa revitalizar a economia interna para que ela seja o sustentáculo da economia, criando poder de compra através da redistribuição de renda e riquezas.

IHU On-Line Que ideias o senhor sugere para uma possível nova economia mundial? O que deveria fazer parte desta nova economia global? Um Estado com mais controle da economia, por exemplo?

Walden Bello – Ainda que deva haver acordos econômicos internacionais sobre comércio, finanças e ajuda, não devem haver instituições centralizadas de governança econômica global como o Banco Mundial, Organização Mundial do Comércio e o Fundo Monetário Internacional, uma vez que essas instituições centralizadoras com incríveis poderes são inevitavelmente dominadas pelas economias mais poderosas. Comércio regional e cooperação deveriam se tornar a via principal da atividade econômica internacional, com as regiões estabelecendo seus próprios reguladores financeiros e desenvolvendo órgãos financeiros como o Banco do Sul, na América Latina. O livre comércio deveria ser suplantado pelo comércio de gestão – ou seja, comércio que é condicionado por prioridades econômicas nacionais como desenvolvimento sustentável ou industrialização sustentável.

IHU On-Line Como podemos entender a eclosão da atual crise financeira internacional, pela primeira vez, desde a “era de ouro” da globalização? O que isso significa e quais são as consequências?

Walden Bello – A era atual é conhecida como a segunda era da globalização, e começou no início dos anos 1980 e se estende até hoje. O impulso das políticas nacionais durante essa era foi deixar o mercado tomar o papel principal na alocação do uso de recursos e na distribuição de riqueza, e minimizar a intervenção do governo e acabar com as restrições sobre o fluxo de comércio e capital. Liberalização e desregulamentação se seguiram como uma doutrina, levando ao fracasso massivo de mercados que estamos experimentando hoje. É importante notar que enquanto a falta de regulação na esfera financeira é a causa imediata da crise, é a superprodução no nível da economia real a derradeira causa. Quero dizer que as políticas de desregulamentação financeira, a re-estruturação neoliberal e a globalização foram esforços para a superação da crise de super-acumulação, superprodução e o excesso de capacidade que importunou o capitalismo global desde o início dos anos 70, quando a “era de ouro” do capitalismo keynesiano e interventor do estado chegou ao fim.

IHU On-Line Quais as consequências mais graves da crise financeira internacional? Algo pior ainda está por vir ou o pior já passou?

Walden Bello – Bem, a crise financeira já se espalhou para a economia real muito, muito rapidamente, e a economia internacional está se contraindo muito rápido, e os motivos vão da recusa dos bancos de emprestar dinheiro para manter as indústrias funcionando à perda de poder aquisitivo, devido à falência do consumidor norte-americano, cujos gastos sustentaram a economia internacional ao longo dos últimos anos. O pior está por vir. Espero uma depressão, com altos níveis de desemprego no Norte, possivelmente atingindo 15% da força de trabalho. No Sul, as condições de subdesenvolvimento, incluindo altos níveis de desemprego, devem ser exacerbadas. No entanto, sob alguns aspectos, a crise no Sul deve ser menos severa que no Norte. Por exemplo, trabalhadores demitidos podem voltar à zona rural e às fazendas – uma opção não possível no Norte, onde a agricultura se tornou altamente monopolizada e de capital intensivo.

IHU On-Line Quais são os riscos da queda mundial do Produto Interno Bruto (PIB)?

Walden Bello – Bem, o FMI já estima que o PIB internacional cairá este ano em 2,5%, a primeira vez no pós-Segunda Guerra que o PIB global se contrai. Penso que, como em várias outras coisas, o FMI está subestimando o colapso do PIB global nos próximos anos.

IHU On-Line Em que medida a atual crise tem afetado a integração dos mercados internacionais?

Walden Bello – Bem, eu antecipei que o processo de globalização ou integração da produção e dos mercados se inverterá como colapso de mercados e as autoridades irão se voltar mais e mais para o foco na produção nacional para o mercado local. As cadeias de fornecimento global, que se tornaram marca das operações das corporações transnacionais, serão desmanteladas.

IHU On-Line Qual deveria ser o papel do G20, no sentido de realizar uma coordenação global diante da crise?

Walden Bello – O G20 é um organismo informal dos países poderosos com pouca legitimidade. Sem legitimidade, suas prescrições ecoarão no vazio. O único órgão com legitimidade dada pelos 192 países do mundo é a ONU, e as agências da ONU devem tomar o papel principal na formulação de uma resposta à crise. A Comissão da Reforma Monetária e Financeira indicada pelo presidente da assembléia geral e encabeçada pelo ganhador do Nobel Joseph Stiglitz já escreveu seu relatório preliminar. Esse relatório pode ser a base de uma Sessão Especial da ONU que irá unir todos os países frente à crise. Inclusão é o necessário neste estágio, mas ainda assim o G20 tenta muito ser um clube exclusivo.

IHU On-Line Quais são os países mais afetados pela crise com relação à exportação? Como o senhor imagina que o Brasil e a América Latina podem se beneficiar agora, considerando seus recursos naturais?

Walden Bello – A Ásia oriental, por ter levado mais a sério a estratégia de crescimento liderado pela exportação, irá sofrer muito, mais do que possam sofrer outras regiões. O Brasil e outros países na América Latina têm enormes mercados internos, mas esse mercado interno deve mudar de potencial para real via redistribuição de propriedade e renda para colocar poder aquisitivo nas mãos da população.

IHU On-Line Como o senhor avalia as decisões de política econômica que os governos do mundo todo têm tomado? É o momento de retrair?

Walden Bello – As grandes potências econômicas, ou G20, estão fazendo um grande show dessas reuniões para se familiarizarem com a crise econômica global. E é isso que aocntece com a reunião em Londres no dia 2 de abril (1). É tudo show, e o que o show mascara é uma profunda preocupação e medo entre as elites globais de que elas realmente não saibam para onde vai a economia mundial e o que será necessário para estabilizá-la. Com as últimas estatísticas excedendo as avaliações mais pessimistas, com os principais analistas começando a mencionar a temida palavra com “D” (depressão), com a disseminação do sentimento de que trilhões de dólares alocados para o estímulo ao gasto sejam simplesmente varridos por uma tempestade que está recém criando velocidade, o G20 está simplesmente indo com a maré.

Talvez nenhuma imagem seja mais evocativa do atual estado da economia global que aquela do U-Boat alemão da Segunda Guerra no Atlântico Norte . Ele descia rápido, e a tripulação não sabia quando ele atingiria o fundo. E quando ele atingir o fundo do oceano, a tripulação será capaz de fazer o submarino subir novamente bombeando ar comprimido nos tanques danificados, como os marinheiros no clássico de Wolfgang Petersen Das boot ? (2) Ou o U-Boat irá simplesmente ficar no fundo do oceano, com sua tripulação condenada a contemplar pior destino que a morte súbita? Os métodos keynesianos reinflarão e farão flutuar novamente a economia global? A verdade é que a atual tripulação capitalista da economia global não sabe e está apavorada.

A reunião do G20 tem sido exibida como uma nova “Bretton Woods”, se referindo à conferência de julho de 1944 que designou a ordem multilateral do pós-guerra dos estados capitalistas estatizados. Mas, como diz Marx, a história se repete primeiro como tragédia, depois como farsa.

IHU On-Line Considerando a crise nos fluxos de investimento, quais os rumos que a globalização vai tomar? O senhor acredita que os próximos anos serão "anos de desglobalização"?

Walden Bello – Sim, os próximos anos verão um reverso da globalização enquanto os países se dão conta de que retomar a integridade das economias nacionais é a melhor maneira de assegurar o bem-estar nacional.

Nota:

1.- A entrevista foi feita antes da reunião do G20, em Londres, no dia 02-04-2009.

2.- O barco – Inferno no mar, filme de 1981

Instituto Humanista Unisinos, Internet, 5-4-09

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