COP-16: esquerda latino-americana vai com ambição para debate climático

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Um bloco de governos de esquerda da América Latina levará metas ambiciosas à reunião climática da Organização das Nações Unidas (ONU) no fim do mês em Cancún, mas sem a pirotecnia que caracterizou sua participação na frustrada cúpula de Copenhague no ano passado

 

Venezuela, Cuba, Bolívia e Nicarágua rejeitaram o Acordo de Copenhague, em dezembro de 2009, alegando que ele não era suficientemente ambicioso e que havia sido preparado às escondidas pelas grandes potências.

 

Alguns governos e funcionários da ONU viram nisso uma postura de “estraga-prazeres”, mas muitos ativistas ambientais comemoraram essa resistência do grupo Aliança Bolivariana para as Américas (Alba). Reportagem de Andrew Cawthorne, da Agência Reuters.

 

“Eles nos chamam de ‘a voz da consciência’”, disse a representante climática da Venezuela, Claudia Salerno, que na conferência de Copenhague arrancou sangue da mão ao batê-la numa mesa para exigir o microfone.

 

“As nações desenvolvidas não podem nos ignorar, nos chantagear e nos comprar, como tentam fazer com os outros”, disse ela à Reuters.

 

Na próxima rodada de negociações climáticas, de 29 de novembro a 10 de dezembro em Cancún (México), a esquerda latino-americana deve novamente buscar um protagonismo na busca por um novo tratado global que seja de cumprimento obrigatório para todos os países, algo que não aconteceu em Copenhague.

 

Mas não há sinais de que esse bloco queira assumir o papel de “estraga-prazeres” desta vez, e, ao contrário de muitos especialistas, anteveem avanços significativos em Cancún.

 

A postura do grupo esquerdista já havia sido mais pragmática na reunião da ONU no mês passado para tratar de diversidade biológica, no Japão. Apesar de algumas queixas sobre o conteúdo do acordo final, esses países não bloquearam sua aprovação.

 

Argumentando que a culpa dos problemas ambientais é do capitalismo, os líderes da Alba querem que as nações desenvolvidas aceitem reduzir em quase 50 por cento as suas emissões de gases do efeito estufa até 2017, em comparação aos níveis de 1990, o que seria um corte muito mais ambicioso do que qualquer país rico já tenha oferecido.

 

Eles cobram também que o mundo rico dedique para o combate à mudança climática as mesmas verbas que dedica à sua defesa militar.

 

Outra posição comum da Alba é que o aquecimento global deveria ser limitado a 1,5 grau Celsius acima dos níveis pré-industriais. É uma ideia apoiada por muitas nações em desenvolvimento, enquanto gigantes como EUA e China falam em 2 graus Celsius.

 

A Bolívia chegou a propor um limite até mais rígido, de 1 grau Celsius.

 

“HUMANIDADE EM RISCO”

 

Os líderes da Alba também consideram que os mercados de carbono, pelo qual nações e indústrias poluidoras podem adquirir créditos para compensar suas emissões em excesso, seriam uma forma de os países ricos se evadirem das suas obrigações.

 

Esses governantes argumentam a salvação do meio ambiente passa por uma mudança substancial no mundo, e não por um mero “toma lá, dá cá” entre políticos.

 

“Se os líderes mundiais, especialmente das nações ricas, ouvirem seus povos, Cancún será uma festa”, disse recentemente o presidente da Bolívia, Evo Morales, que planeja participar do evento. “Se não, enfrentaremos o maior risco de que a vida humana desapareça do planeta Terra.”

 

Após o fracasso da conferência de Copenhague, os analistas esperam que Cancún resultará apenas em acordos generalistas sobre o financiamento a iniciativas climáticas e de compensação a nações em desenvolvimento, além de compromissos para uma revisão das metas globais de controle de emissões.

 

Isso poderia abrir caminho para um acordo definitivo na reunião do ano seguinte, na África do Sul, ainda antes que expire a atual fase do Protocolo de Kyoto, em 2012.

 

“Não será um acordo real, será mais estabelecer uma arquitetura”, disse o diretor de políticas climáticas do Greenpeace, Wendel Trio.

 

Os presidentes da Venezuela, Hugo Chávez, e do Equador, Rafael Correa, também devem se juntar a Morales em Cancún. A presença deles certamente apimentará o evento, pois os três gostam de investir contra o “imperialismo” dos EUA e as agruras do capitalismo.

 

Mas nem mesmo a América Latina inteira chega unida à conferência. O Brasil atua nas questões ambientais junto a outras grandes potências emergentes, como China, Índia e África do Sul, e as propostas da Alba são consideradas radicais demais por outros países latino-americanos.

 

PAPEL DOS EUA

 

O embaixador da Bolívia junto à ONU, Pablo Solón, disse que a relutância dos EUA em controlar suas emissões prejudica o avanço das negociações climáticas globais.

 

“As promessas dos Estados Unidos são muito baixas, e isso tem um efeito dominó”, disse ele à Reuters, acrescentando que as nações ricas estão com medo de perder competitividade econômica.”O processo ainda está sequestrado por fatores econômicos.

 

A Venezuela não espera que se repita desta vez o drama de Copenhague.

 

“O México não tem se comportado como a Dinamarca”, disse Salerno, ainda irritada com o país anfitrião do ano passado, por ter, segundo ela, permitido que um grupo reduzido de países, liderado por China e EUA, tivesse redigido o texto.

 

“Tudo parece indicar que há condições para um avanço extraordinário em Cancún”, afirmou ela.

 

(Reportagem adicional de Alister Doyle, em Oslo; de Hugh Bronstein, em Quito; de Jeff Franks, em Havana; de Carlos Quiroga, em La Paz)

 

Reportagem da Agência Reuters, no Estadao.com.br.

 

EcoDebate, Internet, 19-11-10

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