Brasil: vaca louca na floresta, por Roberto Gueudeville
Não está sendo fácil à ministra Marina Silva comandar um ministério que vem sendo bombardeado por interesses de uma minoria de empresários gananciosos que somente visam ao lucro pessoal. Não obstante a ministra incorporar em sua pessoa uma fragilidade aparente, seu caráter e sua conduta com a coisa pública lhe creditam expressiva simpatia internacional e absoluta credibilidade
O que vem na contramão de seus ideais de ex-seringueira está representado pela guerra dos pneus, o problema do álcool, os transgênicos, cujas biossegurança e indefinição de conduta oficial confundem o governo federal e a sociedade. Tudo isso colabora para a intranqüilidade do sono da ministra. Mas o pior está vindo agora, o que mais lhe sangra a alma de mulher da floresta. A invasão da soja na Amazônia.
Segundo Alfredo Homma, doutor em economia agrícola da Embrapa de Belém, a Amazônia possui hoje setenta milhões de hectares degradados. Destruíram a floresta primária para fazer agricultura e criar boi. Na época, o governo federal, via Sudam, patrocinava o crime. Essas terras degradadas são revestidas de capoeira, matas secundárias hoje consideradas tão importantes quanto a floresta primária, quando a ciência e tecnologia admitem que a mata de capoeira - pelo fato de estar-se desenvolvendo - absorve mais gás carbônico e elimina maior quantidade de oxigênio que a floresta maior. Essa tese é defendida pela Embrapa, que conhece as coisas. Por essa razão alguns governos de estados amazônicos e uma parte dos empresários que alardeiam que a soja é benéfica às terras degradadas não procede. O caso do Pará é sintomático. A soja está invadindo o vale do Tapajós, as regiões de Monte Alegre e as margens da Belém-Brasília, como denuncia Camilo Viana, a grande estrela da defesa ambiental e humana em toda a Amazônia. Já plantou mais de dez milhões de árvores.
O avanço vertiginoso da soja na floresta tem uma explicação. Com o problema da "Vaca louca", os rebanhos europeus, americanos e asiáticos estão sendo alimentados com proteína vetegal a fim de evitar a doença. O saudoso Darcy Ribeiro já denunciava o fato de "o Brasil estabelecer uma grande monocultura de soja para alimentar os suínos do mundo, não gerar emprego e enriquecer uma meia dúzia de empresários". O caso de Mato Grosso é exemplo disso. O grupo André Maggi está faturando R$ 1,3 bilhão por ano, com um patrimônio equivalente a R$ 4,5 bilhões. E ainda elegeu um deles para o governo do Estado. Nada contra a vitória empresarial, pelo contrário. Lula e Palocci, como também o Furlan, estão rindo à toa. O Brasil já ultrapassou os Estados Unidos como exportador de soja.
Não estou rogando praga, mas esse povo da soja esquece uma lei natural da floresta-mãe que não aceita nenhuma monocultura imposta pelo homem. Vem aí, portanto, "a morte súbita" da soja na Amazônia. É uma questão de tempo. Já aconteceu com os pastos.
* Roberto Gueudeville é advogado.
Amazônia.org, Internet, 20-5-03