Brasil: um balanço do desmatamento no governo Lula
O ISA publica a partir de hoje uma série de reportagens, entrevistas e artigos sobre o desmatamento na Amazônia
Trata-se de um Especial que pretende fazer uma breve avaliação das ações empreendidas durante a primeira administração de Lula. As informações e análises abordadas nos próximos dias visam demonstrar a relação pouco conhecida entre o desmatamento no Brasil e as mudanças climáticas, o agronegócio e as obras de infra-estrutura, entre outros. Tema de importância estratégica para o futuro do País, o desflorestamento vem sendo sistematicamente desprezado pela classe política, para quem as questões ambientais parecem ter pouca importância, como atestam os debates políticos da campanha eleitoral de 2006.
A queda de cerca de 30% nos desmatamentos na Amazônia brasileira pelo segundo ano consecutivo anunciada há alguns dias ( confira) pelo governo federal representa um avanço importante no que se refere às ações de controle ambiental implementadas, principalmente a partir de 2004. Há uma reversão de tendência e certamente as iniciativas governamentais estão relacionadas com reduções que, mesmo localizadas, são significativas no cálculo total da devastação, como, por exemplo, no entorno da rodovia BR-163, no Pará, e no interior de algumas Unidades de Conservação (UCs) criadas pelo atual governo. Como bem coloca a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, ainda que o patamar atual de desflorestamento seja inaceitável, certamente sem as políticas em curso a situação seria muito mais grave.
Com a projeção de 13,1 km2 de desflorestamento na Amazônia entre 2005 e 2006 – calculada a partir das 34 imagens de satélites analisadas pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) até outubro – o acumulado ao longo da gestão de Lula (de 2002-2003 a 2005-2006) somará cerca 84 mil quilômetros quadrados.
Número superior ao de todos os quadriênios que a antecederam.
A título de curiosidade, 13 mil km2 em um ano significam uma média de desflorestamento de mais de 36 km2 por dia, ou 1,5 km2 por hora, ou ainda 2,5 hectares por minuto. A exemplo das analogias futebolísticas que o Presidente Lula gosta de fazer, esses 13 mil km2 equivalem a cinco campos de futebol devastados por minuto, durante os 365 dias analisados. Em quatro anos, são 16,6 milhões de campos de futebol, o equivalente ao território da Áustria.
Nesses últimos quatro anos, o Brasil emitiu, a partir do desmatamento, 996 milhões de toneladas de carbono, o correspondente a quase US$ 5 bilhões, de acordo com preços conservadores. Entre agosto de 2005 e agosto de 2006, o desflorestamento na Amazônia foi responsável por mais de 60% do total de nossas emissões. O País emite 95 milhões de toneladas/ano de carbono com a queima de combustíveis fósseis.
Desafio
Em nota publicada em agosto de 2005, ( veja), o Grupo de Trabalho (GT) de Florestas do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais pelo Meio Ambiente e Desenvolvimento (FBOMS) considerava legítima a comemoração do governo pela redução do ritmo do desmatamento, mas, ao alertar para os efeitos da crise do agronegócio, apontava a necessidade de manter a cautela e não diminuir a guarda.
Se levarmos a sério o tom da campanha presidencial de 2006, marcada pela obsessão do crescimento do PIB acima de tudo e temperada pela necessidade de enxugamento da máquina e dos gastos públicos (incluindo comando e controle ambiental?), teremos no próximo mandato um desafio muito maior do que a simples reversão da curva do desflorestamento.
Imaginemos um cenário favorável ao crescimento da economia em taxas próximas ou superiores às previstas pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, entre 4,5% e 5% ao ano. Tal conquista supõe invevitavelmente redução de juros, maior oferta de crédito público e investimentos privados, alguma desvalorização do real e crescimento da agropecuária, que não ocorre apenas pelo aumento da produtividade, mas também da área plantada. Nesse céu de brigadeiro hipotético, será possível aos governos federal e amazônicos reduzir o desflorestamento a um patamar próximo do aceitável? De acordo com a ministra Marina, o aceitável é o desmatamento legalmente autorizado e o ideal é o desmatamento zero. Será possível ao menos manter a taxa estimada para 2006, de 13 mil km2? O que é preciso fazer para tanto?
O governo ainda não conseguiu implementar instrumentos econômicos em escala capazes de desincentivar a conversão da floresta em proveito da produção agropecuária.
Nos últimos três anos, houve inédito e louvável envolvimento nas políticas ambientais de órgãos ligados a outros ministérios que não o do Meio Ambiente (MMA), com destaque para a Polícia Federal, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e o Exército.
Também é necessário destacar o volume significativamente maior de ações de fiscalização, graças ao empenho do Ibama, e o incremento substancial da criação de UCs, ainda que estejam longe de serem tiradas do papel.
Por outro lado, os governos estaduais nada avançaram na questão. A impunidade de quem comete crimes ambientais, apesar da fiscalização, ainda é a regra absoluta. No plano federal ou estadual, não se discutem metas objetivas de redução do desflorestamento. Mesmo sendo um mecanismo que ainda precisa ser testado, permitiriam o planejamento e a avaliação real do desempenho das ações do Estado.
Inexistem ações estratégicas, estruturantes e em escala para aumentar a produtividade agropecuária, por safra e por região, fórmulas a partir de estudos sobre o potencial de áreas já abertas. O discurso em defesa dos instrumentos econômicos para apoiar a conservação, a recuperação de florestas e de áreas subutilizadas ou abandonadas em terras privadas já vai se exaurindo e nada de concreto se fez – em nenhum governo, diga-se.
Continuamos sem saber exatamente onde estão os 165 mil quilômetros quadrados de áreas já desmatadas, abandonados ou subutilizadas na Amazônia, o que corresponde a quase o triplo da área plantada com soja no Mato Grosso, o campeão nacional de produção agrícola. A quem pertence esse precioso estoque de terras?
Então, como virar o jogo?
Plano nacional
Um plano “nacional” de combate ao desmatamento deve necessariamente envolver muito mais do que outros ministérios importantes, como o do Planejamento e o da Agricultura, que ainda não disseram a que vieram ao compor o Grupo de Trabalho Interministerial que trata do problema. É preciso uma participação responsável dos governos estaduais, em alguns casos até mesmo municipais, e fundamentalmente dos segmentos representativos do agronegócio brasileiro. Não basta um plano federal. É preciso um plano nacional que envolva a sociedade.
Nos últimos quatro anos, foram desmatados mais de 84 mil quilômetros quadrados na Amazônia, o equivalente ao território da Áustria.
No final de 2005, o governo ensaiou uma avaliação ( saiba mais), mas por não ter disponibilizado previamente informações às organizações que convidou para realizá-la, não aconteceu. Ainda em setembro do ano passado, durante reunião do Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente) realizada em Cuiabá (MT), o ISA recomendou a criação de um grupo de trabalho para avaliação do plano.
Até agora não foi instalado.
Não seria o caso de termos no MMA uma secretaria responsável por formular e implementar políticas e instrumentos econômicos, fiscais, financeiros e creditícios para consolidar a curva descendente de desmatamentos e baixá-la a algo próximo do zero? Porque não se cria no Ministério da Agricultura uma secretaria para traçar um plano de metas de recuperação de áreas abertas subutilizadas viáveis para a produção?
Em reunião realizada com organizações socioambientalistas na última semana passadade outubro, logo após o anúncio dos números do desflorestamento deste ano, Marina Silva e sua equipe se comprometeram com a realização de uma avaliação, que deve acontecer nos dias 8 e 9 de novembro. Como salientou a ministra, pode-se dizer que chegamos em 2006 a um “empate” nos desmatamentos, em analogia ao movimento dos seringueiros que, na década de 1980, barrava a derrubada da floresta no Acre. Mas ainda há muito a ser feito para virar o jogo. Como superar o suposto “empate”? Só ações de comando e controle não são suficientes, principalmente se o cenário agropecuário internacional melhorar, como tem dado sinais.
O Especial que o ISA publica a partir de hoje sobre desmatamento busca trazer informações, opiniões, dados e análises recentes sobre a dinâmica deste que é considerado pela sociedade brasileira como o maior problema socioambiental brasileiro - de acordo com levantamento recente promovido pelo Instituto de Estudos da Religião (ISER) - e, portanto, um dos maiores desafios para o desenvolvimento da sociedade brasileira.
Esta série de reportagens, entrevistas e artigos que se inicia hoje sobre os principais temas associados aos desmatamentos na Amazônia é a contribuição do ISA para reflexão, debates e decisões, senão em busca do desmatamento zero, ao menos do desmatamento legal na região. O desafio não é pequeno. Confiram!
Desmatamento na Amazônia de acordo com dados do Inpe:
De 1977 a 1988: 21 mil quilômetros quadrados
De 1988 a 1990: 31,5 mil quilômetros quadrados
De 1990 a 1994: 39,7 mil quilômetros quadrados
De 1994 a1998: 77,8 mil quilômetros quadrados (1º governo FHC)
De 1998 a 2002: 76,9 mil quilômetros quadrados (2º governo FHC)
De 2002/03 a 2005/06: 84,4 mil quilômetros quadrados (governo Lula)