Brasil: um acidente que não deve ser esquecido

Idioma Portugués
País Brasil

O acidente ocorrido nas instalações da Bayer CropScience, em Belford Roxo (Baixada Fluminense), no dia 16 de janeiro último, ao que tudo indica não cairá no esquecimento facilmente

A explosão de um tanque contendo o agrotóxico Tamaron foi controlada pela multinacional, mas as reações da sociedade continuam se multiplicando. A primeira delas foi uma representação junto ao Ministério Público Estadual e à Procuradoria da República do Rio de Janeiro, encaminhada pelo Fórum de Meio Ambiente e Qualidade de Vida da Baía de Sepetiba e da Zona Oeste, organização que já teve pedido de abertura de inquérito atendido para apurar as causas e conseqüências da explosão.

Ambientalistas e moradores da cidade estão organizando um abaixo-assinado, reforçando a demanda de investigação apresentada pelo Fórum, enquanto a Comissão de Meio Ambiente da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) pretende convocar a empresa a depor em uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), recém-protocolada, para apurar os Crimes Ambientais registrados no Estado nos últimos oito anos.

O ambientalista e coordenador do Fórum, Sérgio Ricardo de Lima, afirmou que o acidente “foi a gota que faltava para que a sociedade se mobilizasse e exigisse uma discussão mais aprofundada sobre a atuação da Bayer no Estado do Rio, a começar pela sua localização”. Segundo ele, a empresa chegou à Belford Roxo há cerca de 50 anos e com o crescimento da cidade atualmente está localizada em uma área urbana, cercada de residências e de todo tipo de estabelecimento. “É por essa e outras razões que na representação junto ao Ministério Público e à Procuradoria, o Fórum defende a transferência das instalações da empresa. É inadmissível que a produção de agrotóxicos e outras substâncias altamente tóxicas, além da incineração de resíduos industriais, estejam convivendo lado a lado com moradores que se queixam permanentemente de problemas de saúde em decorrência dessas atividades potencialmente poluidoras”, reforça o ambientalista.

O presidente da Comissão de Meio Ambiente da Alerj, deputado estadual André do PV, concorda com o teor da ação proposta pelo Fórum. “Acidentes piores podem acontecer a qualquer momento em Belford Roxo, principalmente porque os órgãos ambientais não têm condições estruturais para fazer um trabalho de fiscalização rigoroso em todas as instalações da empresa. Acho que o momento é oportuno à discussão sobre a necessidade de transferência da planta da Bayer. Não proponho acabar com as atividades da empresa no Estado, mas considero que as suas instalações estão hoje em uma área inadequada”, reitera o parlamentar a defesa que já havia feito no artigo “Uma calamidade ambiental ao nosso lado”, publicado na edição do Jornal do Brasil de 28 de janeiro último.

A Comissão de Meio Ambiente da Alerj, segundo André do PV, pretende convocar representantes da Bayer para depor na CPI dos Crimes Ambientais, não só pelo acidente, mas também pelas reclamações de moradores em relação aos problemas ambientais e de saúde que seriam decorrentes das atividades da empresa em Belford Roxo. Segundo o parlamentar, “se forem feitos exames nas comunidades devem aparecer problemas causados pela poluição industrial”.

A representação do Fórum solicita exatamente que seja feito um levantamento epidemiológico das comunidades que estão mais próximas às instalações da Bayer. A sugestão dada no documento foi de que a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), pela sua reconhecida capacidade em questões de saúde pública, seja responsável por essa investigação.

No acidente ocorrido nas instalações da Bayer ficaram feridos três funcionários que precisaram ser hospitalizados. Todos eles tiveram alta, entre os dias 24 de janeiro e 18 de fevereiro, segundo informações da empresa.

A palavra do MP

O promotor Marcus Leal, da 1ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Duque de Caxias, recebe nesta sexta-feira advogados da Bayer que responderão pessoalmente ao pedido de informações sobre a explosão ocorrida em janeiro e sobre as medidas de prevenção adotadas pela empresa. Responsável pela abertura do inquérito que está apurando as causas e as conseqüências do acidente, o promotor afirmou que não poderia adiantar qualquer detalhe das investigações, antes de analisar os dados solicitados aos órgãos ambientais e de ouvir os esclarecimentos prestados pelos representantes da multinacional instalada em Belford Roxo.

"Tenho informações preliminares de que não houve vazamento de substância tóxica durante o acidente, mas uma grande preocupação que tenho é com relação a riscos futuros nas instalações da empresa. No entanto, preciso analisar todos os dados solicitados antes de me pronunciar sobre o caso porque até agora o que eu sei sobre o acidente foi o que já saiu na imprensa", afirma. Ele acrescentou que a abertura do inquérito levou em consideração as informações sobre a explosão divulgadas pelos meios de comunicação.

Segundo Leal, além dos relatórios sobre o acidente a idéia também é de analisar o tipo de licenciamento que a empresa tem para operar em Belford Roxo. Quanto à demanda de transferência da planta da Bayer encaminhada na representação do Fórum de Meio Ambiente, o promotor foi cauteloso e voltou a reforçar que não gostaria de fazer nenhum julgamento prematuro da questão. Segundo ele, a empresa está atuando na cidade há cerca de 50 anos e o que pode exigir do empreendimento industrial é o cumprimento rigoroso da legislação em vigor, a fim de que as suas atividades sejam compatíveis com o tipo de licenciamento que possui, e com a garantia de equilíbrio ambiental e da saúde da população.

As queixas dos vizinhos

Nascida e criada em Belford Roxo, a técnica em edificações Maria Regina Inácio, 37, mora em Jardim Anápolis, ao lado das instalações da Bayer, e diz que sente irritação nos olhos, além de enjôo e dores de cabeça freqüentes. “Eu não tive como comprovar até hoje, mas como moro aqui há 37 anos, suponho que tenha a ver com a poluição gerada pelas instalações que estão aqui do lado. A minha suspeita é maior porque outros vizinhos reclamam dos mesmos sintomas,” afirma.

Maria Regina queixa-se da fumaça branca que sopra constantemente de uma chaminé da fábrica. “Durante o dia essa fumaça deixa todo mundo com enjôo. À noite a situação piora e o odor fica insuportável. A gente tem que fechar todas as portas e janelas antes de anoitecer pra suportar o mau cheiro que vem de lá”, diz ela, apontando para a chaminé que pode ser vista da sua calçada.

Segundo a técnica em edificações, a população do entorno, que sempre teve receios em relação à possibilidade de acidentes nas instalações da Bayer, ficou ainda mais temerosa depois da explosão recente, que pôde ser ouvida a 5 quilômetros de distância.

“Soubemos da gravidade do acidente pelos amigos que se informaram pelas notícias que circularam nos jornais. Faltou comunicação por parte da empresa para a comunidade. Aqui a gente lamenta não ter também nenhum tipo de orientação sobre como agir em caso de acidentes como esse. A gente queria saber mais sobre os riscos que envolvem a produção dessa empresa e sobre os perigos desse produto que tava no tanque que explodiu, mas ninguém fala nada, nem os órgãos públicos e nem a própria companhia”, afirma Maria Regina.

O artesão Igor de Oliveira Silva, 34 anos, é outro morador do Jardim Anápolis que reclama dos impactos causados pelas atividades da Bayer. Segundo ele, muita gente dessa comunidade precisa usar óculos escuros para se proteger da irritação nos olhos provocada pela fumaça. “Quem vê essa fumaça que sopra durante o dia precisa conhecer a situação à noite, quando o mau cheiro incomoda muito mais”.

Silva considera que falta mobilização dos moradores de Jardim Anápolis e de outros bairros próximos à fábrica. Para o artesão, essa é uma das razões pelas quais as comunidades não têm acesso a mais informações sobre a atuação da empresa e sobre os potenciais riscos em decorrência de sua atuação.

A dona de casa Maria do Carmo Barreto dos Santos, 36 anos, é outra moradora do Jardim Anápolis que se queixa da falta de diálogo da empresa com a comunidade e dos problemas de saúde, que segundo ela, podem ter relação direta com as atividades da Bayer. “Há nove anos eu moro nesta rua e não vejo a situação melhorar por aqui. A gente está ao lado de uma grande empresa e olha a situação da nossa rua”, diz apontando para a falta de calçamento, de arborização e de outros cuidados urbanísticos no local.

Rua ao lado do muro da Bayer: falta infra-estrutura. Ao fundo, a chaminé solta a "fumaça branca"

“Como se não bastassem todos os problemas que temos aqui, acidentes como o que ocorreu na Bayer aumentam ainda mais a desvalorização dos nossos imóveis. Ninguém quer comprar uma casa do lado da fábrica, muito menos depois de sentir na pele os problemas que temos aqui. Um vizinho tentou vender a casa dele recentemente e não conseguiu. A minha filha sofre com uma alergia respiratória freqüente, sem contar a dor de cabeça, a irritação nas vistas e o mal-estar que todo mundo também sente por aqui”, reclama Maria do Carmo.

“Está mais do que na hora de sermos submetidos a exames médicos para avaliar se estamos sofrendo impacto da poluição industrial. Eu queria ser a primeira a ter a saúde avaliada”, completa.

Morador de Belford Roxo há 24 anos, o eletricitário aposentado Antônio Jorge Machado Soares, contou que tem medo de novos acidentes. Ao tomar conhecimento da representação no Ministério Público e na Procuradoria da República, pedindo a transferência da planta da Bayer e o levantamento epidemiológico das comunidades, ele ressaltou: “Eu apoio essa mobilização. Essa empresa não poderia mais estar instalada aqui no meio da cidade. A gente reconhece que a Bayer traz progresso, dá emprego e paga impostos, mas também traz danos e causa preocupação na população que morre de medo de acidente grave.”

Auditoria independente

“Eu bato na tecla de que esse tipo de acidente além de um crime ambiental deve ser considerado um crime corporativo. Quem nos garante que o meio ambiente e a saúde humana não foram afetados com a explosão?”, questiona o ambientalista Sérgio Ricardo. Esses argumentos constam na representação que encaminhou ao Ministério Público e à Procuradoria da República, na qual também solicitou auditoria independente nas instalações da Bayer, em Belford Roxo.

“Tenho certeza que se isso for feito vai ser determinado o fechamento das instalações dessa empresa que no seu país-sede (a Alemanha) não teria permissão pra funcionar. Tecnologia de incineração em centro urbano não é adotada em nenhum país desenvolvido. Se pode no Brasil, isso já evidencia uma situação de racismo ambiental, o que garante aos grandes grupos econômicos explorar atividades altamente poluidoras em regiões periféricas, onde a população é formada por maioria negra, pobre, com baixos níveis de escolaridade e de mobilização social”, acrescenta.

O ambientalista Davson das Virgens Bragança, morador de Belford Roxo, também se diz preocupado com o risco de acidentes nas instalações da Bayer e pretende contribuir na organização do abaixo-assinado que reforçará o pedido de auditoria independente nas instalações da empresa, além de levantamento epidemiológico das comunidades. “Essa empresa não deveria estar mais funcionando aqui, em pleno centro urbano de Belford Roxo”, ressalta.

Davson (à direita) e Sérgio Ricardo, com a fábrica ao fundo: luta pela transferência das instalações

A Bayer se defende

O diretor de Meio Ambiente da Bayer SA, Enio Viterbo, respondeu as questões levantadas pela reportagem, durante entrevista com moradores de Belford Roxo, e com o coordenador do Fórum de Meio Ambiente e Qualidade de Vida da Baía de Sepetiba e da Zona Oeste, Sérgio Ricardo de Lima.

Até o fechamento da reportagem, segundo o executivo, a empresa não foi comunicada oficialmente da representação encaminhada pela organização ao Ministério Público Estadual e à Procuradoria da República no RJ.

Ele ressaltou que a Bayer mantém uma relação de diálogo com as comunidades, tem pautado a sua atuação pelo respeito às leis em vigor e desconhece problemas ambientais ou de saúde pública decorrentes das suas atividades na Baixada Fluminense.

17/03/2007

Acostumada a lidar com questões judiciais que envolvem contaminação por substâncias tóxicas, a advogada Bettina Maciel considera que as chamadas brechas na legislação, aliadas à falta de informação de grande parte da população e ao poder econômico de megagrupos empresariais, deixam a sociedade nos países mais pobres a mercê de vulnerabilidades ambientais e de saúde pública, em função de atividades potencialmente poluidoras. São essas, segundo ela, condições favoráveis à produção de agroquímicos na América Latina, onde destaca que a mobilização das indústrias consegue, inclusive, interferir nas leis.

“O caso do Tamaron que teve restringido o seu uso nos países desenvolvidos, enquanto é praticamente de uso livre no Brasil, não é isolado. Muitos agroquímicos, principalmente da classe dos organofosforados, têm sido desaguados irrestritamente nos sítios de países em desenvolvimento onde, inclusive, se instalam as indústrias produtoras”, afirma a advogada sobre o produto contido no tanque que explodiu em Belford Roxo.

A advogada lembrou que, em 1992, a Portaria Nº 3 do Ministério da Saúde, ratificou um documento (do mesmo Ministério) denominado “Diretrizes e orientações referentes à autorização de registros, renovação de registros e uso de agrotóxicos e afins.” Essa Portaria alterou a classificação toxicológica dos agrotóxicos, fazendo com que produtos como o Tamaron, anteriomente considerados mais perigosos, passassem a ser oficialmente reconhecidos como menos tóxicos.

Segundo Bettina Maciel, “os produtos classificados como Classes I, faixa vermelha e caveira (Extremamente Tóxicos), e II, faixa amarela e caveira (Altamente Tóxicos), passaram para as Classes III, faixa azul, (Medianamente Tóxicos), e IV, faixa verde, (Pouco Tóxicos)”. Com esta alteração, a advogada explicou que apenas 6% dos agrotóxicos do País permaneceram nas Classes I e II, e 94% passaram às Classes III e IV. Antes, 85% deles eram classificados como Extremamente ou Altamente Tóxicos. “O Tamaron é um organofosforado que sofreu mudança de classificação. Antes pertencia à faixa vermelha, agora está na faixa azul”, reforça. A mesma Portaria do Ministério da Saúde, acrescenta a advogada, também possibilitou o aumento da concentração de ingredientes ativos nos produtos, pois passou a dose letal de veneno de 20mg/Kg para 200mg/Kg.

Outro exemplo de reforço à vulnerabilidade socioambiental a partir de uma medida legal envolvendo agrotóxico no Brasil foi relembrado pela advogada: “Além de contrariar decisão judicial que proibia o plantio de transgênicos no Brasil, a Medida Provisória Nº 131 legalizou um produto de origem desconhecida, obtido de forma criminosa, por contrabando, e colocou desnecessariamente em risco a saúde e o meio ambiente ao permitir o uso do glifosato, agrotóxico ao qual a soja transgênica é resistente, que à época não tinha autorização de uso concedida por órgãos federais, como determina a Lei 7802/89, para uso na parte aérea da soja”.

Segundo Bettina Maciel, o Brasil ficou então à mercê de um produto que não passou por qualquer análise de segurança ambiental e sanitária pelos órgãos governamentais. “A MP 131 deixou dúvidas em relação a como seria feita a fiscalização do plantio, do destino e da rotulagem dos produtos, levando-nos a supor que, deliberadamente, não haverá fiscalização”, observa. “É através de medidas criminosas como essas que as populações dos países em desenvolvimento ficam expostas a todos os riscos possíveis sem qualquer proteção. Um exemplo clássico é o caso do chlorpirifos, igualmente um organofosforado, que já havia enfrentado severas restrições na Europa e Estados Unidos, inclusive perdendo o parâmetro de produto seguro, mas que aqui era comumente usado, sendo vendido nas gôndolas de supermercados”, afirma a advogada.

No caso do chlorpirifos, no entanto, uma reação da sociedade conseguiu vitória, segundo Bettina. A partir de um acidente de trabalho que intoxicou mais de 140 pessoas em Porto Alegre, em 1999, com um produto à base desse organofosforado, houve uma mobilização de um grupo de pessoas (toxicologista, neurotoxicologista, advogadas, médicos do SUS, profissionais do Centro de Saúde e Referência do Trabalhador do município, além do Ministério Público Federal). Pelo reconhecimento da responsabilidade por parte do empregador, a advogada contou que esse agroquímico teve o registro cassado junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), no curso de Ação Civil Pública. “Devemos nos questionar se precisaremos sempre esperar que o pior aconteça para tentar remediar. A saúde e a qualidade de vida são irremediáveis, uma vez perdidas ou lesadas jamais voltarão ao estado anterior. O ambiente depois de atingido levará muito tempo para recuperar-se, se permitirmos que ele o faça”, diz a advogada.

Bettina Maciel vê na mobilização social e no exercício da cidadania, as saídas para garantir a melhoria da qualidade ambiental. “Talvez em decorrência de um tempo muito grande convivendo com a escravidão e com a exploração colonial, nos tenhamos acostumado a nos vermos como cidadãos de segunda categoria. Talvez, ainda haja muita energia sendo investida para que continuemos a ver-nos desta forma, alimentando uma visão pejorativa do brasileiro e cultuando a baixa auto-estima de nosso povo”, analisa.

A advogada também reforça que a mobilização social se faz cada vez mais necessária, para exigir transparência, em um cenário em que a força do segmento empresarial conquista cada vez mais espaço. “Um levantamento do Institute for Policy Studies, de 2000, informa que das maiores cem economias do mundo, 52 são agora corporações, apenas 48 são países”, diz ela.

Especificamente no setor de agroquímicos, a realidade não é diferente, diz a advogada. Segundo citou a especialista, “um estudo da Rural Advancement Foundation International, de 2001, revelou que há vinte anos, 65 companhias de químicos agrícolas competiam no mercado mundial”. “Hoje, nove companhias detêm aproximadamente 90 por cento das vendas de pesticida, 90 por cento das novas tecnologias e patentes de produtos estão nas mãos de corporações globais.”

Brasil precisa de registro integrado de acidentes, diz pesquisador da Fiocruz

A falta de dados confiáveis sobre acidentes industriais é uma realidade no Brasil. Segundo Carlos Machado de Freitas, pesquisador do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fiocruz, a solução seria colocar em prática um sistema de registro integrado entre Defesa Civil, órgãos ambientais, de saúde, além de corporações como o Corpo de Bombeiros e Polícia Rodoviária Federal, entre outras. O especialista participou da elaboração de um projeto desse tipo que foi discutido no âmbito do Ministério da Saúde para ser testado nos cinco Estados mais industrializados do País (Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo, além do Distrito Federal).

"Foram dois anos de muita discussão e pactuação, com representantes de órgãos públicos que precisam fazer parte de um cadastro integrado de informações sobre acidentes. A idéia do Ministério da Saúde é de manter um banco de dados confiável que contribuirá para estudos e políticas públicas de prevenção de acidentes. Essa é uma grande lacuna que o Brasil precisa preencher porque quando acontecem acidentes, não só nas indústrias, mas também nas estradas, envolvendo cargas de produtos perigosos, os registros são feitos de forma isolada, prejudicando avaliações que nem sempre permitem a conexão desses acidentes com futuros impactos ambientais e de saúde”, explica o pesquisador.

Freitas explicou que de forma geral a maior parte dos acidentes com produtos perigosos é formada por explosões, incêndios e vazamentos, podendo ser simples ou combinados. Mais de 90% dos casos, segundo o pesquisador, envolvem emissões de poluentes na atmosfera e geram lançamentos de efluentes em corpos d´água. “Embora tenhamos a falta de dados mais precisos sobre as principais causas no Brasil, podemos afirmar que os acidentes no País estão sendo tratados de forma simplista”, diz o especialista que é um dos autores do livro “Acidentes Industriais Ampliados – desafios e perspectivas para o controle e a prevenção” (editado pela Fiocruz em 2001).

Como forma de minimizar os problemas estruturais que enfrentam, geralmente, as empresas culpam os operadores quando ocorrem acidentes. “Esse é um exemplo da forma simplista como está sendo tratado um problema complexo no Brasil. Geralmente a vítima é tida como culpada, antes mesmo de qualquer investigação, e o problema nunca é relacionado com o contexto no qual o acidente ocorreu”, afirma Freitas. O pesquisador também aponta como outro erro recorrente a falta do envolvimento das comunidades em planos de emergência, ou a existência de planos “que não saem do papel”.

Em sua tese de doutorado, o pesquisador fez um estudo de caso de um acidente ocorrido nas instalações da Bayer, também em Belford Roxo, em 1992. “É inaceitável que 15 anos depois as comunidades continuem alegando que não sabem o que fazer em uma situação de acidente. Isso ocorre também em função da omissão das autoridades públicas. Precisamos tirar leis e planos de emergência do papel, treinar pessoal para atender a população e realizar diagnósticos mais precisos, identificando sinais e sintomas compatíveis com os problemas, além de preparar os órgãos ambientais para monitorar os produtos lançados na atmosfera e no meio ambiente de uma forma geral”, defende Freitas.

O pesquisador ressaltou ainda que em casos de comunidades carentes, vivendo próximas de áreas de produção de agroquímicos e outros produtos tóxicos, os impactos causados pelas emissões de poluentes no cotidiano, ou em decorrência de acidentes, são mais fortes do que em circunstâncias envolvendo populações bem nutridas e com melhores condições de vida.

Para Freitas, é necessário o monitoramento rigoroso das atividades das empresas que manipulam agrotóxicos e outros produtos tóxicos, além de acompanhamento da saúde da população que trabalha e vive no entorno desses empreendimentos.

Neurotoxicologista defende o banimento dos agrotóxicos das lavouras brasileiras

A médica neurotoxicologista Heloísa Pacheco Ferreira (foto) defende veementemente o banimento dos agrotóxicos das lavouras brasileiras e garante que esse tipo de produto tem colocado em risco a saúde de trabalhadores e consumidores, além de provocar impactos ambientais de forma silenciosa, sem que, na maioria das vezes, a sociedade tome conhecimento.

“Estamos pesquisando alternativas viáveis ao uso de agrotóxicos e uma delas é a agrohomeopatia, uma solução que tem dado resultados excelentes em Friburgo (região Serrana do RJ). Essa pesquisa, realizada há dois anos, em lavouras de tomates, demonstra que é possível substituir o uso de Tamaron, largamente utilizado nesse tipo de cultura agrícola”, afirma.

Na condição de coordenadora do ambulatório de Toxicologia Clínica do Instituto de Estudos de Saúde Coletiva (Iesc) do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a especialista tem acompanhado de perto não só o atendimento ambulatorial a pacientes com histórico de contaminação, mas pesquisas que comprovam danos ambientais e à saúde pública provocados pelos agrotóxicos, metais pesados e solventes. São mais de 600 atendimentos anuais, 16 por semana.

“A equipe do Iesc trabalha em prol de alternativas ambientalmente mais corretas e defende o banimento gradativo do uso de agrotóxicos. Temos constatado situações absurdas no Brasil, em que o uso indiscriminado desse tipo de produto tem causado sérios danos à saúde e ao meio ambiente”, reforça Heloísa Pacheco. Um exemplo que comprova a realidade, segundo a neurotoxicologista, foi o de uma pesquisa desenvolvida pelo Iesc, em lavouras de tomate no Mato Grosso do Sul, em 2004, onde foi constatada a ineficácia da utilização do Tamaron. “Os agricultores tinham que utilizar grandes quantidades do produto para obter baixos resultados, o que acarretava em altos custos para manter a produção, além dos impactos da exposição dos trabalhadores e os danos ambientais”, relata.

A exemplo do que vem fazendo em outros Estados brasileiros, no Mato Grosso do Sul, segundo a neurotoxicologista, a equipe de pesquisadores do Iesc realizou cursos de capacitação em toxicologia ambiental, destinado aos profissionais que atuam na área de vigilância sanitária e ambiental. O objetivo é preparar os médicos e outros especialistas para identificar e diagnosticar, com mais facilidade, casos de contaminação por agrotóxicos e outras substâncias tóxicas.

“No caso do Tamaron, alertamos que o produto é extremamente neurotóxico, podendo provocar alterações emocionais e comportamentais, além de distúrbios de memória, entre outros problemas de saúde”, afirma Heloísa Pacheco.

A médica neurotoxicologista disse ter acompanhado com preocupação a divulgação de informações sobre o acidente ocorrido na fábrica da Bayer, em Belford Roxo, em função do tanque que explodiu conter Tamaron. Embora a empresa tenha informado que não houve vazamento do produto para o meio ambiente, a especialista defendeu uma investigação apurada do ocorrido.

“Não somente em função do acidente, mas como uma prática cotidiana, a minha recomendação é que a população exija relatórios ambientais dos órgãos competentes para tomar conhecimento da dosagem de substâncias tóxicas que estão respirando no dia-a-dia. Defendo também que se a população está convivendo ao lado de uma fábrica de substâncias químicas, seria fundamental capacitar os profissionais de saúde do município para realizar diagnóstico em toxicologia ambiental e ocupacional. O estudo epidemiológico da população é outra iniciativa fundamental”, analisa.

A especialista concluiu que os paradigmas toxicológicos adotados pelas empresas precisam ser mudados, uma vez que a toxicologia na atualidade trabalha com as questões que envolvem suscetibilidades, que por sua vez, são maiores ou menores dependendo de questões diretamente interligadas a fatores socioeconômicos e ambientais. “Produtos químicos podem ser mais tóxicos para crianças e pessoas idosas, por exemplo, ou para pessoas que enfrentem situação de desnutrição e histórico de problemas respiratórios. Se estamos falando de comunidades carentes que vivem no entorno de uma indústria química essas suscetibilidades precisam ser levadas em consideração”.

O engenheiro agrônomo Sebastião Pinheiro, no artigo “Tamaron, a bomba atômica dos miseráveis”, citado em matéria do portal Ambiente Brasil, já havia alertado sobre a toxidade do produto. Segundo o especialista, “o Tamaron tem uso restrito na União Européia e é proibido em vários países por sua toxidade aguda, crônica e latente, desde que se descobriu, em 1991, através de um estudo epidemiológico do reino da Noruega, que comprovou que os fosforados provocavam uma defasagem cognitiva nas crianças da área rural do país de melhor qualidade de vida”. O texto completo foi anexado à representação encaminhada ao Ministério Público Estadual, pelo Fórum de Meio Ambiente e Qualidade de Vida da Baía de Sepetiba e da Zona Oeste.

Na representação, o ambientalista Sérgio Ricardo de Lima apoiou as suas reivindicações de levantamento epidemiológico das comunidades de Belford Roxo nas considerações de Sebastião Pinheiro.

No artigo, o engenheiro agrônomo sugeriu:

“- Levantamento epidemiológico sobre cognição das crianças da Baixada Fluminense em Belford Roxo no entorno do acidente, de acordo com o Estatuto da Criança;

- Coletas de amostras para análise de TetraMetilDiTioPiroPhosfato (TMDTPP) nas águas, urina e ar, no entorno;

- Análise do enantiomorfo no sangue dos operários da empresa;

- Presença de TMDTPP, enantiomorfo de Tamaron, nas partidas de produtos após o acidente.”

Ainda segundo o engenheiro agrônomo, os principais riscos oferecidos pelo Tamaron são os seguintes:

“ - O Tamaron em contato com águas ácidas dos esgotos das favelas tem uma meia vida de 700 dias;

- O Tamaron se isomeriza no ambiente e TetraMetilDiTioPiroPhosfato (HMDTPP) com Dose Letal 50 de 0,9 mg/Kg, trinta vezes mais tóxico que o produto original;

- O Tamaron, em contato com sais de cobre conforme trabalho de Tese de Engenheiro-Doutor J.Wiemer, em 1976, para a Bayer AG, NÃO PUBLICADO, segundo Christa Fest, Karl J. Schmidt se torna (chiral) “enantiomorfo” até mil vezes mais tóxico e usado em armas químicas, aparentado com os “VG” e “VX” na Guerra do Iraque”.

Os três questionamentos divulgados pela imprensa foram respondidos pela Bayer da seguinte forma:

“– Nossos dados sobre o comportamento hidrolítico (comportamento em água) de metamidofós em soluções buffer mostram que a meia-vida com valores de pH ácidos é mais longa que sob condições neutras ou básicas. Sob condições de tratamento de esgoto o valor do pH neutro é realista. Nosso estudo com água, com sedimento e pH 7,3-7,5 mostra meias-vidas de menos de 10 dias, tanto na água como no sistema todo;

- Não foram detectadas estruturas dímeras (e.g. Pirofosfatos) em nenhum dos nossos estudos de destino ambiental – solo, água e ar;

- Metamidofós é um composto quiral do éster do ácido tiofosfórico. Ele é comercializado como mistura racênica. Foram feitos todos os testes toxicológicos com essa mistura, que recebeu aprovação para registo. VX (Guerra do Iraque), ao contrário, é um derivado do ácido metanofosfônico e, portanto, não é quimicamente comparável.”

Ambiente Brasil, Internet, 16-3-07

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