Brasil: transgênicos à luz dos novos saberes
De 18 a 20 de março passado aconteceu em Brasília o ?Seminário Ameaças dos Transgênicos: as propostas da sociedade?, promovido pela ?Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos?, do qual participei como expositora das possíveis decorrências maléficas dos transgênicos na saúde humana, cuja base ainda é a ignorância da ciência. O evento marca um novo diálogo da sociedade civil com o governo nos embates sobre alimentos transgênicos em nosso país, depois dos anos FHC, de triste memória
Cabe relembrar que o governo FHC compartilhava do ?figurino Bush?: legalizar o plantio e a comercialização dos transgênicos sem pesquisas sobre o impacto ambiental e na saúde humana, além do confesso desejo de transformar o povo brasileiro em cobaia, passando por cima de questões relativas à biossegurança, assim como de elementos basilares da pesquisa ambiental, animal, humana e da segurança alimentar.
O debate sobre os transgênicos se reacende diante do fato consumado do estoque de toneladas de soja transgênica do Rio Grande do Sul, plantada ao arrepio da lei. O desafio governamental é o que fazer com a soja ilegal. O exemplar seria incinerá-la. Aos transgressores, os rigores da lei: reconversão das lavouras (Monsanto) e perda da safra contaminada (produtores). A Monsanto sairá lépida e fagueira depois de burlar as leis de uma nação soberana, incentivando um plantio proibido? Ninguém merece!
Diante das incertezas científicas sobre a transgenia e outras técnicas da engenharia genética, entra em pauta a necessidade de um processo massivo de ?alfabetização em biotecnologia?, ao mesmo tempo em que os infratores devem passar também por uma ?imersão ética?, visando sensibilizá-los que a Terra nos foi dada em usufruto e é um dever legá-la saudável para as gerações futuras. Eis o que deve significar o que está sendo chamado de ?ajuste de conduta?, que em si quer dizer uma pauta ética a ser cumprida. Para tal empreitada faz falta uma Comissão Nacional de Bioética.
No Século da Biotecnologia segundo analistas, o carro-chefe da economia do século XXI, convivemos com biotecnologias tradicionais (as antigas biotécnicas) e modernas (engenharia genética, genômica, proteômica e clonagem manipulação biológica que não manipula o DNA, o ácido desoxirribonucléico). É correto afirmar que, incluindo a manipulação genética, a biotecnologia é tão antiga quanto a história da humanidade, mas a manipulação oriunda de técnicas de engenharia genética, data de 1971 e resulta de manipulação do DNA/engenharia genética técnicas que manipulam o gene (pedaço ou unidade funcional do DNA). Organismo Geneticamente Modificado (OGM) é fabricado por qualquer das técnicas de engenharia genética: adição (transgenia); subtração (destruição); substituição; mutagênese; desativação ou destruição de genes. Todo transgênico é um OGM, mas nem todo OGM é transgênico! Saiba: o perigo do transgênico que ele promove a quebra das fronteiras entre as espécies.
Desde o ano 2000 expectamos nos meios científicos o reavivar das controvérsias sobre os paradigmas da engenharia genética. A comprovação da interação do meio ambiente com os genes e maior entendimento dos mecanismos da expressão gênica, trouxeram de volta dúvidas científicas sobre o gene e evidências que o conceito de gene como estrutura e unidade de função está superado. Além de nova, a engenharia genética é densa em problemas científicos, cada dia mais ?cabeludos?, já que a novidade trazida pela genômica (que estuda, mapeia e sequencia o gene) é que o paradigma que a sustenta (o fatalismo genético e a estabilidade dos genes e dos genomas), é, como tenho dito, filosoficamente idealista, materialmente insustentável e, paulatinamente, está ruindo. O que comprova que Mae Wan Ho estava certa: ?genoma estável é uma abstração?.
Cada vez mais os estudos pós Projeto Genoma Humano, no fundamental o desenvolvimento da genômica, comprovam que o conceito de gene é mais uma teoria em fase de desmantelamento, do que uma concretude, ou pelo menos não a concretude que a genética clássica e a molecular nos fizeram acreditar: ?um locus fixo e unitário de estrutura e função, como também um locus de agência causal?, como bem diz Evelyn Fox Keller, em ?O século do gene? (Crisálida, 2002. BH, MG).
Meio século depois da descoberta da estrutura do DNA (28 de fevereiro de 1953), retorna a antiga indagação: o que é um gene, se ele não é uma unidade fixa de transmissão? Os produtos gênicos são as proteínas. Caiu por terra a teoria ?um gene-uma enzima (proteína)?. A formulação correta, até para genes estruturais, é ?um gene-muitas proteínas?. Para Keller, uma proteína ?pode funcionar de muitas maneiras diferentes, dependendo do contexto!? O gene perdeu sua suposta especificidade e poder de ação gênica (o fatalismo genético), o que explica a imprevisibilidade da poluição genética. A novidade é: ?um gene-muitas proteínas?. E o alerta é: ?uma proteína-muitas funções.?
Para Keller ?o gene se tornou muitas coisas não mais uma única entidade, mas uma palavra de grande plasticidade, definida somente pelo contexto experimental específico no qual é utilizada.? Se os cientistas sequer sabem ao certo o que é um gene, como confiar na inoquidade dos produtos da engenharia genética, que manipula o que não conhece, nem sabe para que serve o ?DNA-lixo? (um terço ou até metade do genoma), que não deve estar ali à toa, e nos deixa na encruzilhada do imprevisível? Mas tenho dito que ganhará a batalha dos transgênicos o lado que elaborar os argumentos mais consistentes para convencer as mulheres, que são as responsáveis pela definição de 90% do consumo de todos os serviços e bens, móveis e imóveis, no mundo!
Fátima Oliveira escreve no Magazine às quartas-feiras.
E-mail: fatimaoliveira@ig.com.br
Jornal O Tempo, Brasil, 26-3-03