Brasil: suicídios entre agricultores, continuam sem atenção do governo
Prensa
Boletim "Ambiente Brasil", Internet, 17-10-02
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Brasil: suicídios entre agricultores, continuam sem atençãodo governo
Após mais de um mês do primeiro contato com a reportagem de Galileu, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) não tomou nenhuma medida com relação às elevadas taxas de suicídios entre agricultores de fumo usuários de agrotóxicos no Rio Grande do Sul.
A agência, que em julho havia sido informada também sobre suicídios de plantadores de morango e batata no Sul de Minas, não tomou providências nem mesmo após a publicação da edição de agosto da revista.
A Anvisa declarou que só poderá tomar alguma medida, como tirar produtos de circulação, a partir da iniciativa de órgãos de pesquisa. 'A Anvisa não faz o inquérito. Quem faz são as instituições de pesquisa', afirmou o gerente geral de Toxicologia da agência, Luiz Claudio Meirelles. No entanto, o órgão tem competência para propor, acompanhar executar as políticas, as diretrizes e as ações de vigilância sanitária', segundo o seu próprio regulamento, definido por decreto presidencial. A agência é vinculada ao Ministério da Saúde.
'Se uma instituição quiser fazer um desenho epidemiológico que mostre que existe um produto causando esse dano crônico, maravilha! A gente vai apoiar para que se banque um projeto dessa natureza', declarou Meirelles, mantendo sua interpretação de que não compete à agência nenhuma outra medida.
A edição de agosto de Galileu mostrou que o índice de suicídios em cidades agrícolas do Rio Grande do Sul e do sul de Minas Gerais é muito maior que a taxa média brasileira. Em Santa Cruz do Sul (RS), considerada a capital nacional do fumo, houve no ano passado 21 suicídios por 100 mil habitantes, a maioria de agricultores, contra a média nacional de 4 por 100 mil.
O problema teve destaque em 1996, quando a cidade vizinha Venâncio Aires registrou a taxa de 37,22 por 100 mil. O Ministério da Saúde chegou a encomendar um inquérito epidemiológico, mas ele não foi adiante.
Agora que o assunto voltou à tona, nem a Anvisa e nem a Andef (Associação Nacional de Defesa Vegetal), que representa as indústrias dos agrotóxicos, se mobilizaram. A associação nem sequer emitiu opiniões a respeito e afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que ainda está avaliando o caso. A reportagem de Galileu motivou outros pesquisadores a entrarem em contato com a revista para mostrar que o problema dos agrotóxicos atinge outras cidades brasileiras.
Novos casos
No Ceará, por exemplo, a cidade de Guaraciaba do Norte, produtora de tomate, teve em 2001 seis suicídios, em uma população de 35 mil habitantes, o equivalente a 17 por 100 mil. Para se ter uma idéia, a média do Estado é de 4 por 100 mil. O alerta, dado pelo jornal local 'Expresso do Norte', é reforçado pelo médico Wirom Nogueira, que atende na região. 'Agricultores jovens estão deprimidos e cometendo suicídio. A culpa é do uso descontrolado dos agrotóxicos.'
No Paraná, a advogada Vania Mara Moreira dos Santos, presidente do Instituto Os Guardiões da Natureza, de Prudentópolis, cidade produtora de fumo, milho, feijão e soja, tem acompanhado as mortes dos agricultores por suicídio. Ela contabilizou os números de 98, quando ocorreram 7 mortes em 46 mil habitantes, cerca de 15 por 100 mil. A média estadual é de 7 por 100 mil. 'Os agricultores não tem informação, acham que os agrotóxicos são inofensivos e não se protegem.'
Outra denúncia surgiu do RJ, na zona agrícola de Nova Friburgo. Em algumas cidades da região a psicóloga Yvonne Elsa Levigard - por meio de uma pesquisa qualitativa financiada pela Fiocruz - constatou que os
agricultores, principalmente das plantações de flores, reclamavam de 'problemas nos nervos', doença que tem sido associada às intoxicações por agrotóxicos. Ela ouviu diversos profissionais de Saúde pública sobre as
queixas dos trabalhadores rurais e relatou que a grande maioria associava os males à exposição sem controle aos pesticidas.
Todas essas culturas utilizam os agrotóxicos conhecidos como organofosforados e ditiocarbamatos, que são considerados por pesquisadores como os prováveis causadores das doenças neurocomportamentais, depressão e do conseqüente suicídio.
Agricultores x fumageiras
José Wanderlei da Silva e Valdemar dos Santos começaram a trabalhar na lavoura do fumo quando ainda eram adolescentes. Ambos sofreram intoxicações crônicas pelos agrotóxicos usados na plantação e hoje estão inválidos para o trabalho agrário. As coincidências não param por aí, mas o que realmente os une é o ineditismo do modo como tentam resolver esses problemas. Os dois agricultores entraram com uma ação sem precedentes na Justiça acusando as empresas fumageiras de tê-los envenenado.
Os processos contra a Souza Cruz, de Silva, e a Universal Tabacos, de Santos, levam em conta que o agrotóxico aplicado na lavoura e que causou as doenças dos dois agricultores foi fornecido pelas empresas. Isso porque nos contratos de trabalho, os fumicultores se responsabilizam a fornecer sua produção exclusivamente a uma única indústria e comprar dela as sementes e os agrotóxicos em uma venda casada.
Há 10 anos, quando fazia a colheita do fumo em seu sítio na região de Prudentópolis (PR), Valdemar dos Santos, sofreu uma intoxicação aguda em razão do contato com a folha úmida. Ele desmaiou e só foi acordar no dia seguinte. Depois disso, passou a evitar o trabalho com os agrotóxicos porque toda vez que se expunha ao veneno tinha náuseas e tontura. Mas em 98 seu corpo não resistiu mais. 'Estava plantando as mudinhas no canteiro quando comecei a inchar.
Corri para o médico e ele falou que eu não tinha mais condições. Meu corpo estava todo afetado, meu organismo não mandou para fora o agrotóxico e ele foi aniquilando os meus órgãos.' A exposição contínua aos
pesticidas levou a uma intoxicação crônica e essa a uma polineuropatia (doença que atinge o sistema nervoso periférico levando à paralisação total dos membros), explica a advogada Vania Mara Moreira dos Santos, citando os laudos de médicos que avaliaram o agricultor.
Valdemar, de 37 anos, ficou dois anos e meio em uma cadeira de rodas, não conseguiu mais trabalhar e adquiriu uma depressão profunda, não raro tendo pensamentos suicidas. 'Ele (o agrotóxico) traz cada coisa na cabeça que nunca na vida eu imaginei. A gente não faz bobagem porque tem alguém sempre por perto, mas já pensei em me suicidar. Eu fiquei nessa situação e não tenho mais como voltar. Não posso mais trabalhar. Estou debaixo de calmante.'
Com Wanderlei da Silva, 33 anos, as intoxicações causaram, de acordo com os advogados, lesões cerebrais que levaram a problemas de locomoção e neurocomportamentais: ele também tem depressão profunda e sintomas de
esquizofrenia, 'que tem sido relatada na literatura médica como um dos desfechos de intoxicação crônica por organofosforado', afirma o epidemiologista Lenine Alves de Carvalho, que acompanha o caso como perito
colaborador.
Hoje Silva precisa tomar pelo menos cinco comprimidos por dia e, assim como Valdemar dos Santos, não pode sentir cheiro de agrotóxico que fica com náuseas e enjôo. A decisão de Silva ainda lhe causou mais problemas.
Carvalho conta que ele foi considerado 'traidor' pelos demais colegas fumicultores da região de Amaral Ferrador (Rio Grande do Sul, o Estado com a maior produção de fumo do Brasil) e está sendo pressionado para desistir do caso. 'Ele foi visto como alguém que entregou a máfia', diz.
Nos dois processos, os advogados acionaram as empresas fumageiras para que elas cubram as despesas com os tratamentos médicos dos agricultores, paguem a cada ano o equivalente à safra que os agricultores entregariam se não estivessem incapacitados de trabalhar e os indenizem por danos à saúde.
Tanto Silva quanto Santos dizem estar gastando o que não têm com remédios e tratamento. Santos foi aposentado por invalidez e recebe R$ 200 por mês, valor muito inferior ao que precisa para se tratar. A fisioterapia, por exemplo, fundamental para que consiga andar, é bastante prejudicada. 'Faço só o mínimo que eu consigo pagar.' José Wanderlei da Silva ainda está numa situação pior. 'Ele está vendendo tudo o que tinha. Não sei se ele vai sobreviver até o fim do processo', afirma a advogada Clarisse Barcellos Lima.
A Souza Cruz, que está sendo processada por José Wanderlei da Silva, alega que não existe na literatura médica relação causal entre as doenças de Silva e o uso de agrotóxicos. O gerente jurídico da empresa, Mario Oscar Oliveira, ainda afirma que, se houver tal comprovação, as doenças teriam sido causadas
pela má utilização do produto, eximindo a Souza Cruz de responsabilidade sobre o problema. Clarisse rebate afirmando que o EPI (equipamento de proteção individual), vendido com os agrotóxicos pela empresa, foi usado por Silva, mas que é insuficiente para a proteção. A Universal Tabacos não deu entrevista e informou que só vai se pronunciar em juízo. (wwi-uma)
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