Brasil: soja desmata a Amazônia, comprova dado de satélite
Conversão direta de floresta para lavoura respondeu por 23% do desmate em 2003
Estudo feito por grupo dos EUA rejeita idéia de que soja só ocupa área já derrubada e põe agricultura como nova vilã de emissões de carbono.
Soja desmata? Já havia vários indicativos. Mas a resposta dada por um estudo publicado hoje não é só um categórico "sim". É um "quanto" também.
Cruzando imagens de satélite com levantamentos em campo, cientistas dos EUA e do Brasil estimaram em 5.400 quilômetros quadrados o total de floresta convertida diretamente para grãos em Mato Grosso de 2001 a 2004.
No ano de 2003, quando o preço da soja no mercado internacional atingiu seu pico, a conversão direta para lavoura representou quase um quarto de tudo o que se desmatou no Estado campeão da devastação da Amazônia.
Para quem gosta de números, é quase um Distrito Federal onde a soja substituiu a floresta diretamente -sem contar o efeito conhecido do grão de "empurrar" a fronteira agrícola indiretamente, estimulando a pecuária a ocupar novas áreas. Nesse período, Mato Grosso desmatou 38 mil quilômetros quadrados, ou 3,5 Jamaicas, 40% de tudo o que se perdeu de floresta na Amazônia.
O novo estudo, publicado na revista da Academia Nacional de Ciências dos EUA (www.pnas.org), foi liderado por Douglas Morton, especialista em sensoriamento remoto da Universidade de Maryland. Ele derruba dois argumentos comuns dos sojicultores para dissociar sua atividade da fama de vilã da floresta. Um é o de que a soja só faz ocupar áreas previamente desmatadas para pastagem e abandonadas pelos pecuaristas -os dados mostram que isso acontece, sim, mas não explica toda a dinâmica do desflorestamento.
O outro é o de que as variações do preço do grão só se refletirão nas taxas de desmatamento dois ou três anos adiante, porque a conversão de floresta para lavoura leva tempo. "Mais de 90% das aberturas para agricultura foram plantadas no primeiro ano após o desmatamento", rebate o estudo.
Trocando em miúdos, o que os pesquisadores afirmam é que a soja virou, nos últimos anos, um dos grandes vetores da destruição da Amazônia. Uma destruição acelerada, com uso intensivo de tecnologia e com o potencial de se espalhar para outras regiões da floresta. Basta, para isso, o preço do grão subir no mercado externo.
"Os autores demonstraram que existe forte correlação do preço da soja com a taxa anual de desmatamento", disse à Folha Carlos Souza Jr., também especialista em sensoriamento remoto, do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia). Em comentário na "PNAS", ele qualifica o estudo de "pioneiro".
Usando imagens de satélite, o americano conseguiu diferenciar desmatamentos para pasto e para lavoura, verificando as áreas dedicadas a plantio eram duas vezes maiores que as abertas para pecuária (333 hectares contra 143 hectares, em média).
Também notou uma queda de 12% na conversão de floresta para pasto, enquanto a de floresta para lavoura cresceu 10% no período. "Os resultados alertam para uma conversão rápida e em escala muito grande, um processo que até agora não havia sido documentado", afirma Souza Jr.
Avanço do agronegócio agrava as emissões de gás carbônico
Da redação
Uma das descobertas mais relevantes -e assustadoras- do estudo de Douglas Morton e colegas é o que acontece com o carbono retido na floresta e lançado na atmosfera após o desmatamento. Pela primeira vez foi possível acompanhar durante quatro anos as emissões de carbono após o desmate. A conclusão: o avanço do agronegócio capitalizado e mecanizado sobre a floresta está agravando o efeito estufa.
O desmatamento, em especial na Amazônia, já responde por 75% das emissões brasileiras de gás carbônico, o principal gás-estufa. Até agora, no entanto, os cientistas achavam que esse carbono fosse emitido mais lentamente, pela decomposição de tocos e raízes numa área desmatada. E que parte dele voltasse ao solo por rebrota de parte da floresta em áreas transformadas para pasto.
O que o novo estudo mostra é que, no caso da conversão para grãos, as emissões acontecem todas de uma vez -já que a lavoura mecanizada não admite "sujeira"-, e o seqüestro de carbono por rebrota é zero. "Estou falando de uma redução completa da biomassa em no máximo quatro anos", disse Morton à Folha em maio, quando apresentou resultados preliminares do estudo.