Brasil: ruma dividido a encontro da ONU
País recebe em Curitiba delegados de 188 nações para debater proteção às espécies, mas patina sobre transgênicos
Daqui a nove dias o Brasil será sede de uma conferência das Nações Unidas pela primeira vez desde 1992. De 13 a 31 deste mês, acontecem em Curitiba a 8ª Conferência das Partes (COP-8) da Convenção da Biodiversidade e o 3º Encontro das Partes (MOP-3) do protocolo de Cartagena sobre Biossegurança. Além dos embates Norte-Sul, tradicionais nesse tipo de encontro, há um impasse também dentro do governo brasileiro -entre um setor com posições conservacionistas e outro interessado em exportar transgênicos.
Encabeçando a divisão estão o Ministério do Meio Ambiente, de um lado, e o Ministério da Agricultura, do outro. O objeto da querela é aparentemente banal: uma única expressão numa única linha de um tratado internacional que regulamenta a exportação de organismos vivos modificados.
A frase polêmica está no artigo 18A do texto do Protocolo de Cartagena. Os membros do acordo se reunirão em Curitiba para resolver se o texto dirá que determinada carga "contém" ou "pode conter" transgênicos.
A sutileza esconde uma grande questão econômica, já que a obrigatoriedade da identificação das exportações com "contém transgênicos" forçará os países exportadores -como o Brasil- a rastrear toda a produção de grãos como soja, por exemplo, e separar a produção transgênica da convencional. Isso custa dinheiro: até 8,6% do valor das exportações, segundo um estudo de José Maria da Silveira (Unicamp). A pasta da Agricultura teme que a medida afete a competitividade das exportações brasileiras e seja usada como barreira não-tarifária à produção nacional, e defende o "pode conter" no texto. A posição é compartilhada por ministérios como o da Ciência e Tecnologia.
Grandes exportadores de transgênicos, como EUA e Argentina, não são membros do protocolo, visto também por eles como prejudicial ao setor agrícola.
Já os ministérios do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Agrário defendem "contém", segregação e rotulagem, posição compartilhada pelos países detentores do maior quinhão da biodiversidade do planeta (os chamados megadiversos). Segundo Rubens Nodari, responsável por biossegurança no ministério, um levantamento recente feito pela pasta indica que os custos de segregação de produtores de soja que já fazem isso no Paraná é de apenas US$ 0,50 por tonelada.
Seria apenas mais um capítulo da discussão entre esses dois grupos no governo, não fosse um detalhe: após a MOP-3, durante a COP-8, o Brasil fechará posição com outros países do Terceiro Mundo em defesa da repartição de benefícios advindos da exploração da biodiversidade. Caso a posição do setor econômico prevaleça e o país opte por "pode conter" em vez de "contém", o anfitrião pode ficar numa saia-justa perante outras nações.
"Defender os transgênicos na MOP-3 seria uma punhalada nos países em desenvolvimento", diz Marcelo Furtado, coordenador de campanhas do Greenpeace no Brasil. "O Brasil pode virar o país que enterrou o protocolo de biossegurança", continua.
O país já bloqueou no ano passado, durante uma reunião do Protocolo de Cartagena no Canadá, uma proposta de consenso que se encaminhava para o "contém". Segundo Furtado, esse tipo de movimento é raro para o Brasil em negociações do tipo.
Marina Silva
Outro ponto delicado em jogo em Curitiba é o fato de que a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, assume durante a COP-8 a presidência da Convenção da Biodiversidade (que tem 188 países-membros e abriga o Protocolo de Cartagena), por dois anos. A ministra já se recusou a assumir a liderança da MOP-3.
Marina tem buscado fazer o dever-de-casa para a Conferência das Partes: anteontem, conseguiu a sanção presidencial da Lei de Gestão de Florestas Públicas, que considera vital para a Amazônia. No mês passado, emplacou a criação de 15 milhões de hectares de unidades de conservação ao longo da rodovia BR-163. Também propôs, ainda no ano passado, um projeto de lei que trata do acesso aos recursos genéticos e à repartição de benefícios oriundos da exploração da biodiversidade.
O árbitro da questão será o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que terá de optar entre o prestígio do Brasil -e de sua ministra- como anfitrião e as necessidades mais práticas do agronegócio.
Lula deverá decidir nos próximos dias, em reunião com os ministros do Conselho de Biossegurança, qual será a posição do Brasil. Enquanto isso, o Itamaraty tenta negociar uma proposta que seja um meio-termo entre as duas e encerrar o conflito.
Segundo informou ontem o jornal "Valor Econômico", a "terceira via" do Itamaraty prevê o uso de "contém" nas cadeias produtivas onde a segregação seja possível e "pode conter" nas demais. A Folha apurou que a proposta ainda não resolve a controvérsia entre os dois setores.