Brasil: resistência de índios põe em xeque projeto de PCHs no MT

Idioma Portugués
País Brasil

Os índios - que já se opõem à construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu - estão no centro de uma nova polêmica envolvendo os projetos de expansão de oferta de energia hidrelétrica na Amazônia

Uma etnia indígena do Mato Grosso, apoiada pela Fundação Nacional do Índio (Funai), exige a paralisação de obras de pequenas centrais hidrelétricas em andamento no rio Juruena, por pelo menos um ano, para maiores estudos de impacto ambiental. Nessas obras, fundos de pensão já investiram mais de R$ 300 milhões.
A reportagem é de Josette Goulart e publicada pelo jornal Valor, 21-11-2008.

Os índios - que em outubro destruíram os canteiros de obras de uma das cinco PCHs - conseguiram a assinatura de vários membros do governo em um documento no qual eles (órgãos públicos) se comprometem a negociar a paralisação das obras e a fazer novos estudos ambientais antes que qualquer projeto seja executado. Este acordo foi assinado em uma reunião realizada no dia 5 de novembro na cidade de Sobradinho, a 60 quilômetros de Brasília. Assinaram o documento representantes da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Empresa de Pesquisa Energética (EPE), governo do Mato Grosso e da própria Funai. Participaram 84 índios Enawanê Nawê, e também índios Xinguanos, que no início do ano mantiveram sob cativeiro oito pesquisadores que estudavam o impacto ambiental de obras no rio Xingu. Eles também querem a reavaliação de obras neste rio.

A assinatura do documento foi feita sob a pressão de um grande número de índios armados, nervosos e tensos, segundo relatos de participantes. Essa situação levou o diretor-geral da Aneel, Jerson Kelman, a enviar um ofício ao presidente da Funai, Márcio Meira, questionando a legitimidade da representação da Aneel no evento, em que um técnico assinou o documento em ambiente de confronto entre um número reduzido de agentes públicos e muitos índios mobilizados. Kelman disse ainda, no ofício, que tal decisão, se levada adiante, abre um precedente de insegurança jurídica e institucional, que legitima a quebra de processos já legalmente consolidados, e pode afetar outros projetos na Amazônia.

Diante da gravidade da situação, a Casa Civil convocou uma reunião de emergência, semana passada, com a Aneel, EPE, Ministério de Minas e Energia, Meio Ambiente e Funai, entre outros. O tom do encontro foi: "Funai, resolva a questão". O presidente da Funai, Márcio Meira, entretanto, que concorda com todos os pontos que constam da ata da reunião e diz que será preciso tempo para que haja entendimento entre os índios e os empreendedores. A Casa Civil se limitou a dizer, por meio da assessoria de imprensa, que a União está em processo de negociação com os índios.

O presidente da Funai diz que existem planos de construção de 83 pequenas usinas hidrelétricas na região, que trarão um impacto gigantesco aos índios. Foi o número de projetos, apresentado pela própria Funai aos índios, que levou o povo Enawanê Nawê a rejeitar, inclusive, as cinco usinas já em andamento. Segundo relatos da própria Funai e de representantes da organização não-governamental Operação Amazônia Nativa (Opan), foi o medo de que as obras reduzam a quantidade de peixes na região, e com isso impossibilitem seus rituais, que levou os índios às ações extremas.

Os índios acreditam que evitam, por meio dos rituais de pesca, que espíritos maus se vinguem de seu povo . Esse teria sido o motivo de eles atacarem as obras da PCH Telegráfica, em outubro deste ano, fortemente armados. Os índios atearam fogo em caminhões, expulsaram os operários e roubaram objetos de valor, segundo o presidente da Juruena Participações e Investimentos, Mauro Boschiero.

"Estamos contratando uma empresa de segurança para que as obras possam ter continuidade", diz Boschiero. "Esperamos que o governo encontre uma solução, pois tememos pela própria segurança dos índios."

Boschiero diz que todos os procedimentos legais exigidos para que as PCHs fossem construídas foram cumpridos pela Juruena . A negociação com a Funai foi longa, com a realização de estudos antropológicos com as cinco etnias de índios da região. O acerto previa uma compensação financeira para os índios. Primeiro foram R$ 4 milhões, valor depois elevado para R$ 6 milhões.

O adiamento de uma série de reuniões marcadas com os índios teria levado ao confronto. "Alertamos várias vezes a Funai que precisávamos acertar o pagamento, porque os índios viam o andamento das obras, sem receber os recursos", disse Boschiero. A compensação foi aceita pelas etnias Ñambikwaras, Menku, Paresis e Erikbetsa, mas os Enawenê rejeitaram. Para Ivar Busatto, da Opan, o encaminhamento da questão junto aos índios foi mal conduzido pela Funai.

Instituto Humanista Unisinos, Internet, 21-11-08

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